Superar a evasão

Superar a evasão

Superar a evasão antes do final do ensino fundamental

 
Este é o se­gundo ar­tigo de uma pe­quena série na qual se pre­tende ana­lisar in­for­ma­ções edu­ca­ci­o­nais, fazer di­ag­nós­ticos e apontar pos­sí­veis so­lu­ções para os pro­blemas iden­ti­fi­cados.
    
Em um ar­tigo an­te­rior, foi apre­sen­tado um di­ag­nós­tico breve e geral da edu­cação bra­si­leira (1). Entre os pro­blemas mais graves apon­tados na­quele ar­tigo está a evasão es­colar antes do tér­mino do en­sino fun­da­mental (EF), pro­blema que atinge todos os es­tados do país. A gra­vi­dade da si­tu­ação é enorme. A que ati­vi­dades as cri­anças hoje ex­cluídas do EF po­derão se de­dicar ao longo das pró­ximas dé­cadas, se, já hoje, não ter o en­sino fun­da­mental com­pleto é uma enorme bar­reira para a in­clusão na so­ci­e­dade? Onde o país irá con­se­guir os pro­fis­si­o­nais de que pre­cisa com a enorme ex­clusão es­colar – que não se es­gota no en­sino fun­da­mental? Como su­perar ou pelo menos mi­norar as de­si­gual­dades re­gi­o­nais e de renda, que faz do Brasil um dos países mais in­justos do mundo, quando se nega a um grande per­cen­tual de cri­anças as con­di­ções mí­nimas de so­bre­vi­vência com dig­ni­dade?
    
Evi­den­te­mente, so­negar os di­reitos mí­nimos de ci­da­dania a um grande con­tin­gente de pes­soas é su­fi­ci­ente para in­vi­a­bi­lizar o de­sen­vol­vi­mento de um país. Por­tanto, se qui­sermos, no fu­turo, ter um país de­mo­crá­tico, so­ci­al­mente de­sen­vol­vido e com um sis­tema pro­du­tivo que res­ponda às ne­ces­si­dades da po­pu­lação, é ne­ces­sário su­perar a evasão es­colar em todos os ní­veis, em es­pe­cial, no en­sino fun­da­mental. Vamos ver mais de­ta­lha­da­mente de que ta­manho é o pro­blema, ava­liar o pas­sivo que ele já gerou e o que pre­ci­samos fazer para su­perá-lo.

O ta­manho da evasão es­colar
    
Uma com­pa­ração dos dados es­ta­tís­ticos di­vul­gados pelo INEP com as in­for­ma­ções po­pu­la­ci­o­nais do IBGE in­dica que a evasão ao longo do EF tem atin­gido uma em cada três ou quatro cri­anças desde o final da dé­cada de 1990. Essa taxa de evasão equi­vale, em pe­ríodos mais re­centes, a uma média de cerca de um mi­lhão de cri­anças a cada ano. A es­ti­ma­tiva é con­fir­mada pelo Censo de 2010, que in­dica que das 43,8 mi­lhões de pes­soas entre 15 e 24 anos, 10,4 mi­lhões não ha­viam com­ple­tado o en­sino fun­da­mental, ou seja, um mi­lhão de cada corte etário de um ano. Como pes­soas nessa faixa etária (15 a 24 anos) em 2010 de­ve­riam ter fre­quen­tado o en­sino fun­da­mental por volta do ano 2000, con­fir­mamos que, na­quela época, perto de um mi­lhão de cri­anças aban­do­navam a cada ano a es­cola sem com­pletar o EF.

Vamos es­timar o es­forço que pre­ci­sa­ríamos fazer para su­perar esse pro­blema. Em­bora a ex­clusão possa ocorrer em qual­quer ano do en­sino fun­da­mental, como pra­ti­ca­mente a to­ta­li­dade das cri­anças do país inicia esse nível de en­sino, uma hi­pó­tese sim­pli­fi­cada é que a evasão ocorra uni­for­me­mente ao longo dos nove anos de sua du­ração. Isso in­dica que para evitar que a cada ano um mi­lhão de pes­soas aban­donem a es­cola antes dos nove anos de es­co­la­ri­dade obri­ga­tória o país de­veria ter cerca 4 a 5 mi­lhões de ma­trí­culas a mais. A es­ti­ma­tiva dos re­cursos ne­ces­sá­rios para manter essas cri­anças no sis­tema es­colar, su­pondo um in­ves­ti­mento por es­tu­dante pró­ximo dos 25% a 30% da renda per ca­pita na­ci­onal (2), é da ordem de 0,5% do PIB.

Esse é um in­ves­ti­mento bas­tante pe­queno, pois, além do ganho pes­soal da­queles que deixam de ser pre­ma­tu­ra­mente ex­cluídos, ocor­reria também um ganho sob o ponto de vista econô­mico, na me­dida em que um maior nível edu­ca­ci­onal per­mite uma vida eco­no­mi­ca­mente ativa mais pro­du­tiva.

Dí­vidas a serem pagas
    
A Cons­ti­tuição bra­si­leira, desde 1988, afirma que o en­sino fun­da­mental é obri­ga­tório e, con­se­quen­te­mente, um di­reito de todas as cri­anças. Por­tanto, o país tem uma dí­vida pelo menos para com todas aquelas pes­soas que foram ex­cluídas da es­cola antes de com­pletar o EF desde aquele ano. Con­si­de­rando a va­ri­ação da po­pu­lação no pe­ríodo, bem como a va­ri­ação da taxa de evasão, pode-se es­timar em cerca de 20 a 30 mi­lhões de pes­soas ex­cluídas do EF desde 1988. Pagar essa dí­vida im­plica em ofe­recer apro­xi­ma­da­mente 100 mi­lhões de pes­soas anos (3) de es­tudo (su­pondo, como já feito, que as pes­soas deixem o sis­tema es­colar ao longo de todo o per­curso). Es­ti­mando o mesmo in­ves­ti­mento por pessoa, da ordem de 25% da renda per ca­pita para cada ano de es­co­la­ri­dade, pagar aquela dí­vida exige um es­forço da ordem de 10% a 15% do PIB. Se qui­tada em uma dé­cada, pre­ci­sa­ríamos de 1% a 1,5% do PIB a cada ano. 

Essa enorme dí­vida so­cial, caso não seja qui­tada, cus­tará bem mais caro para o país. Claro que a maior parte dessa conta será paga pelas pró­prias pes­soas ex­cluídas e por seus fi­lhos e de­pen­dentes. Ou seja, as pró­prias ví­timas pa­garão a conta, ao ocu­parem po­si­ções muito su­bal­ternas na so­ci­e­dade, ao serem mar­gi­na­li­zadas, ao so­frerem com o de­sem­prego ou a baixa renda etc. Mas uma grande parte do custo será paga pela so­ci­e­dade como um todo.

Con­clusão

Há, no país, pro­fes­sores em quan­ti­dade su­fi­ci­ente para dar conta tanto do au­mento do nú­mero de alunos que ha­veria com o fim da evasão como para o aten­di­mento da­quelas pes­soas ex­cluídas da es­cola ao longo do EF desde 1988. Desde que as con­di­ções de tra­balho sejam ade­quadas, o que é ga­ran­tido com in­ves­ti­mentos por es­tu­dante na casa dos 25% a 30% da renda per ca­pita, pro­fes­sores que hoje não exercem a pro­fissão se­riam atraídos no­va­mente para ela.
    
Se es­ti­ma­tivas como essas forem feitas con­si­de­rando-se ou­tras ações ne­ces­sá­rias para co­locar a edu­cação bra­si­leira em um pa­tamar mi­ni­ma­mente acei­tável, o que in­clui re­cursos para a re­mu­ne­ração dos pro­fis­si­o­nais da edu­cação, au­mento do nú­mero de horas de per­ma­nência na es­cola por parte dos es­tu­dantes, me­lhora das con­di­ções de es­tudo e tra­balho, ex­pansão do en­sino su­pe­rior pú­blico etc., a soma dos va­lores adi­ci­o­nais ne­ces­sá­rios chega pró­ximo dos 5% do PIB. Esse valor é to­tal­mente acei­tável, por vá­rias ra­zões, entre elas porque os in­ves­ti­mentos edu­ca­ci­o­nais con­tri­buem sig­ni­fi­ca­ti­va­mente para o au­mento do PIB e, por­tanto, se pagam em um prazo acei­tável. 

É ne­ces­sário lem­brar que au­mentar em 5% do PIB os in­ves­ti­mentos em edu­cação não sig­ni­fica re­duzir o PIB; sig­ni­fica apenas des­tinar mais re­cursos para o setor. Como um per­cen­tual maior do PIB para um setor im­plica em um per­cen­tual menor para ou­tros se­tores, desde que estes sejam ade­qua­da­mente es­co­lhidos, pode-se ga­nhar nas duas pontas.

Se uma po­pu­lação bem es­co­la­ri­zada é con­dição ne­ces­sária para vi­a­bi­lizar o de­sen­vol­vi­mento so­cial de um país, um co­ro­lário dessa afir­mação ga­rante que atrasos es­co­lares como os nossos são su­fi­ci­entes para in­vi­a­bi­lizar o de­sen­vol­vi­mento na­ci­onal, o cres­ci­mento econô­mico e o es­ta­be­le­ci­mento de uma de­mo­cracia.

Notas:

1) A edu­cação bra­si­leira não vai nada bem, Cor­reio da Ci­da­dania, 23/ou­tubro/2017, http://​www.​cor​reio​cida​dani​a.​com.​br/​2-​unc​ateg​oris​ed/​12904-​a-​edu​caca​o-​bra​sile​ira-​nao-​vai-​nada-​bem  

2) A por­cen­tagem de in­ves­ti­mento por es­tu­dante da ordem de 25 a 30% da renda per ca­pita é tí­pica para países que, ricos ou não, têm bons sis­temas edu­ca­ci­o­nais.

3) Ou seja, pre­ci­samos de 100 mi­lhões de ma­trí­culas por um ano, ou 50 mi­lhões por dois anos etc.


Ota­viano He­lene, pro­fessor da Uni­ver­si­dade de São Paulo, é autor dos li­vros “Um di­ag­nós­tico da edu­cação bra­si­leira e de seu fi­nan­ci­a­mento” e “Aná­lise com­pa­ra­tiva da edu­cação bra­si­leira: do final do sé­culo XX ao início do sé­culo XXI” e mantém o blog blo­go­li­tica.​blo​gspo​t.​com.​br

 

http://www.correiocidadania.com.br/2-uncategorised/12935-superar-a-evasao-antes-do-final-do-ensino-fundamental 




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