A Estônia é a nova Finlândia?

A Estônia é a nova Finlândia?

Com foco em equidade, o país do leste europeu se junta à elite da educação mundial

por Sarah Butrymowicz, do Hechinger Report 4 de julho de 2016

A maioria dos educadores e gestores de políticas públicas sabem dizer rapidamente uma lista de potências internacionais na educação: Coreia, Singapura, Japão, Finlândia.

Mas existe um país faltando na lista: a Estônia. Ainda que educadores do mundo todo viajem em bando para a Finlândia para descobrir sua fórmula mágica, a Estônia, que fica a apenas duas horas de distância de balsa, não desperta tamanho interesse.

Isso pode mudar se o país continuar em sua trajetória ascendente. Em 2012, alunos de 15 anos da Estônia ficaram em 11º lugar em matemática e leitura, e em sexto em ciências dentre 65 países que participaram de um teste internacional que compara sistemas de todo o mundo chamado Programa Internacional para Avaliação de Alunos, ou PISA na sigla em inglês.

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Além de superar países ocidentais como França e Alemanha e praticamente empatar com a Finlândia em matemática e ciências, a Estônia também teve o menor número de alunos com baixo desempenho em toda a Europa, cerca de 10% em matemática e leitura e 5% em ciências.

Mesmo com apenas 1,3 milhão de habitantes, o país tem sua fração de diversidade cultural. Quando alcançou independência da União Soviética 25 anos atrás, o estoniano se tornou a língua oficial e de instrução nas escolas. Entretanto, um quinto de seus estudantes que são provenientes de famílias que continuam a falar russo em casa historicamente têm ficado atrás de colegas que falam a língua nativa em provas como o PISA.

Ainda que os estudantes possam ter diversas origens familiares, as escolas da Estônia lhes oferecem experiências educacionais muito parecidas. Ao abraçar alunos de todos os tipos de família, posição social, cultura e nível de renda, a Estônia tem sido bem-sucedida não apenas em provas, mas em uma meta que muitos gestores e educadores consideram importante: a criação de um sistema educacional baseado na equidade. O conceito é um resquício da era soviética que o país pretende manter ao mesmo tempo que continua a lutar para modernizar suas escolas e diminuir ainda mais as já pequenas diferenças de aproveitamento entre os seus alunos.

Hungria e a República Checa fizeram a transição para um sistema que atendia às necessidades de suas elites, enquanto a Estônia continuou a dar oportunidades iguais a estudantes de todas as origens

Como resultado desse comprometimento, o desempenho da Estônia no PISA não acontece apesar dos seus estudantes mais pobres; mas em grande parte por causa deles.

“Temos conseguido manter a educação bastante nivelada”, diz Jürgen Ligi, ministro da educação da Estônia. “E tem funcionado”.

Na prova de matemática de 2012 do PISA, mais de um terço dos estudantes de baixa renda ficaram entre os melhores do país. A Estônia teve a segunda menor diferença de desempenho entre seus alunos mais pobres e ricos dentre todos os alunos de países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Marc Tucker, presidente do National Center on Education and the Economy (Centro Nacional de Educação e Economia) dos Estados Unidos, visitou a Estônia no ano passado para descobrir o que o país está fazendo certo. Ele disse que, após a queda da Cortina de Ferro, outras ex-repúblicas soviéticas, como Hungria e a República Checa, fizeram a transição para um sistema que preferencialmente atendia às necessidades de suas elites, enquanto a Estônia continuou a dar oportunidades iguais a estudantes de todas as origens.

“O que [nós] vimos na Estônia não foi um novo sistema educacional, mas um antigo”, disse Tucker. “Em todos os sentidos eles não mudaram o sistema após o muro cair… E não surpreende que eles continuem a ter grandes resultados”.

Existem muitos fatores que podem contribuir para o sucesso da Estônia no PISA que vão além do foco na equidade. A educação continua a ser muito valorizada. A autonomia dos professores é relativamente alta, o que tem sido relacionado a melhores resultados acadêmicos. Os professores continuam com os mesmos alunos da primeira até a terceira série (do equivalente ao ensino fundamental) — ou às vezes até à sexta — o que permite o desenvolvimento de um forte relacionamento. Muitas autoridades e educadores dizem que os professores aqui são bons para apoiar estudantes e prevenir que desviem da rota, ao contrário dos EUA, onde professores gastam muito tempo intervindo para ajudar os que ficaram para trás.

Nós realmente seguimos a linha de que todos são iguais. Não importa de qual família você venha, você ainda pode conquistar muito

Mas muitos educadores dizem que uma ênfase em oferecer a todos uma experiência educacional é peça fundamental no quebra-cabeça. “Nós realmente seguimos a linha de que todos são iguais”, disse Karin Lukk, diretora da Tartu Kivilinna Kool, escola de 1º ao 9º ano, em Tartu, segunda maior cidade da Estônia. “Não importa de qual família você venha, você ainda pode conquistar muito”.

Essa abordagem começa desde muito cedo. A educação infantil é gratuita e começa aos 18 meses (quando a licença remunerada de maternidade ou paternidade termina). Todo mundo recebe refeição gratuita, o que significa que professores podem nem saber qual a origem familiar de uma criança. O ensino superior é gratuito. Escolas privadas, apesar de crescente ameaça ao ensino público, ainda são uma parte relativamente pequena do sistema educacional. As escolas estonianas são na maior parte das vezes integradas economicamente, de modo que alunos pobres e ricos estejam frequentemente nas mesmas classes.

Já nos EUA, por exemplo, estudantes não recebem a mesma experiência educacional. A qualidade da atenção com as crianças e as escolas variam muito de acordo da renda. Famílias com mais dinheiro em muitas ocasiões têm acesso aos melhores centros para crianças e a universidades de elite. As escolas são segregadas tanto por raça quanto por renda, com pobres na maioria das vezes tendo menos recursos e professores menos experientes.

A Estônia tem a menor discrepância entre os países da OCDE considerando desempenho e o tipo de matemática que é ensinada aos estudantes de baixa e de alta renda. Esse estudo de 2015 tentou separar quanto a instrução que o aluno recebe na escola ajuda em suas notas. Se a vida em família ou outros fatores além do controle da escola fossem os únicos determinantes, pesquisadores não teriam encontrado relação. Em vez disso, descobriram que, em média, nos países da OCDE, a diversidade de oportunidades educacionais explicava 33% da diferença em resultados entre estudantes de renda baixa e alta. Na Estônia era de somente 16%.

Escolas estonianas seguem um currículo nacional que determina o que cada estudante deve aprender em cada ano até a nona série. “Nesse momento, eles decidem se desejam ir para o ensino médio por mais três anos, onde podem focar no lado acadêmico, ou para escolas educacionais para se prepararem para uma carreira específica. Diferentes escolas podem demandar diferentes exames de admissão, mas estudantes que desejam seguir para o ensino médio quase sempre conseguem passar, de acordo com autoridades e educadores.

A maioria dos estudantes, cerca de dois terços, opta pelo ensino médio, de acordo com o ministério da educação e pesquisa. Nas escolas maiores, eles também selecionam uma área de estudo — como ciências e matemáticas ou humanidades. Essa escolha é baseada em interesses, porém, não acontece antes das notas e classificações. E os estudantes ainda assim devem cumprir um ciclo comum que assegura que todos terão as mesmas habilidades em todas as disciplinas.

Crédito: Sarah Butrymowicz/The Hechinger Report

Antigo sistema x novas metodologias e filosofias de ensino

Porém, fica a cargo da escola decidir como todos os estudantes vão aprender esse conjunto de competências. As escolas estonianas possuem autonomia para separar estudantes do modo que desejarem, desde que aprendam o mesmo conteúdo em cada série. No final dos anos 1990, os educadores da Tartu Kivilinna Kool dividiram seus alunos em três grupos para aulas de matemática: avançado, intermediário e baixo. Em cada um deles, os 950 alunos acompanhavam o mesmo currículo, mas andavam em ritmos diferentes ou em alguns casos, para os alunos mais avançados, mergulhavam mais fundo no material. Era um abandono do que era feito no sistema soviético.

5% dos estudantes estonianos tiveram desempenho fraco em ciências, o menor índice da Europa

Mas em 2008, eles abandonaram essa prática. “Não funcionou”, disse Lukk. O nível mais baixo “não avançou nada. Eles estagnaram”.

Konguta Kool — uma escola de fundamental 1 em uma pequena cidade distante uma hora a oeste de Tartu — teve algum êxito quando classificou seus estudantes em grupos de acordo com seu desempenho, mas no fim não teve funcionários o suficiente para manter o sistema.

Em um dia ensolarado de março, os alunos da quinta série da Konguta estavam se preparando para uma aula de matemática no pequeno laboratório de informática. Eles entraram, ligaram o laptop e acessaram um programa para praticar adição. Logo o único som na sala era o de cliques no mouse à medida em que eles respondiam.

A tela de uma menina começou com o mais básico de tudo com 1+1. Em dois minutos, ela estava diante de problemas como 2589+1233.

A escola usa atividades como essa para que estudantes pratiquem cálculos de cabeça. Mas os professores também tentam planejar lições que conectem a matemática ao mundo real. As escadas para o andar mais baixo da escola são marcadas com números negativos decrescentes — durante o inverno eles são usados para registrar a temperatura. Uma parede é coberta por gráficos: resultado de uma enquete com estudantes sobre seu pão favorito ou contagem de quantos pássaros diferentes foram vistos no jardim.

A escola geralmente vai bem no exame nacional que seus alunos fazem ao final da sexta série, disse a professora de inglês Katrin Libe, embora esses resultados não sejam públicos. Estudantes estonianos são avaliados a cada três anos e os dados gerais das escolas só são publicados ao final da 12ª série.

E enquanto as escolas da Estônia se beneficiam da ligação com o antigo sistema, também existem mudanças lentas que podem causar disrupção em seu foco acadêmico. Na sala de professores da Konguta, Libe e a professora da quinta série Pille Granovski conversavam sobre uma conferência que participaram, em que um psicólogo sugeriu que a educação infantil deve atentar mais para habilidades socioemocionais do que começar a pavimentar o caminho para as acadêmicas. A escola possui um centro de educação infantil anexo, que aceita alunos a partir de 18 meses de idade.

“Acho que o processo de aprendizagem é bem divertido [ali]“, disse Libe.

“Eu não sei”, Granovski respondeu. “É divertido, mas você ainda assim tem que começar a aprender muito cedo”.

Educadores em toda a Estônia estão sofrendo com novas metodologias e filosofias de ensino, tentando reconciliá-las com o sistema mais rígido em que eles entraram. Essa discussão não é diferente do que acontece em outros países. O sistema tradicional de ensino da Estônia ainda favorece aulas centradas no professor e enfatiza o aprendizado de fatos em detrimento das habilidades socioemocionais. Isso tem ajudado o país quando se olha para as avaliações, por isso existe uma relutância em adotar uma mudança completa.

“Minha questão é se vamos conseguir manter [os resultados] mesmo quando focarmos na criatividade”, disse Ligi. “Haverá algum conflito?”

Mas em todo o país, gestores e educadores estão falando sobre a necessidade de formar estudantes que consigam fazer mais que tirar boas notas em uma prova para que se tornem empreendedores e líderes criativos. Educadores também estão preocupados que o foco no estudante médio e o esforço para levar os de nível mais baixo para esse patamar comprometam o avanço de alunos mais talentosos.

A filosofia da educação estoniana precisa mudar e está mudando, segundo dizem muitos educadores, para uma linha que foca mais no aluno como indivíduo e os oferece mais autonomia para o que acontece dentro da sala de aula.

No entanto, pode ser difícil fazer com que professores abandonem métodos tradicionais e atrair novos quadros para a carreira quando o salário ainda é um dos menores da Europa. Mesmo que a formação de professores tenha sido completamente reformulada na Tartu University para se concentrar mais em ensinar alunos a desenvolver pensamento crítico e comunicação e menos conhecimento de conteúdo, autoridades dizem que o efeito em sala de aula tem demorado a aparecer.

E a escalada nos gráficos não foi acompanhada por professores e alunos. Na pesquisa do PISA com alunos, dois terços dos estonianos disseram serem felizes em suas escolas, uma das taxas mais baixas nos países da OCDE.

O coordenador do PISA para a Estônia Gunda Tire disse que como estonianos reclamam por natureza, vão responder de maneira diferente dos americanos uma questão sobre felicidade. (Quase 80% dos estudantes dos EUA se disseram felizes na escola, de acordo com a pesquisa.)

Essa atitude cultural os leva a uma constante tendência melhorar suas escolas. “Nada é suficientemente bom para sempre”, disse Tire. “Ninguém diria que o sistema escolar está indo bem”.

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Este conteúdo foi produzido por The Hechinger Report, um veículo independente e sem fins lucrativos focado em desigualdade e inovação em educação. © 2016 Sarah Butrymowicz, publicado originalmente por The Atlantic e reproduzido no Porvir mediante autorização.

This story was produced by The Hechinger Report, a nonprofit, independent news organization focused on inequality and innovation in education. © 2016 Sarah Butrymowicz, as first published by The Atlantic.

 

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