A perversidade da proposta

A perversidade da proposta

A perversidade da proposta de reforma da Previdência Social

Maria Isabel Pereira da Costa

Como calcular tempo de contribuição, renda mensal inicial e idade para as diversas formas de aposentadoria.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

A proposta de reforma da Previdência enviada ao Congresso pelo Governo Federal, caso seja aprovada na forma como foi encaminhada, fará com que um brasileiro que trabalha numa mina de carvão, por exemplo, e que atualmente, devido a insalubridade pública e notória da atividade, precisa trabalhar por 15 anos para se aposentar, passe a trabalhar por 44 anos para obter a aposentadoria integral da média de suas contribuições, no limite do teto da previdência! Imagine alguém aguentar trabalhar por 44 anos numa mina?

Em um Estado Democrático de Direito material e não apenas formal, o decisivo é a garantia e a realização dos Direitos Fundamentais! A referência mais decisiva é o princípio fundamental material de garantia da dignidade da pessoa humana! É o princípio mais essencial, do qual o Estado não pode abdicar, sob pena de não ser de direito e muito menos democrático!

Todos podemos imaginar o desgaste que representa o trabalho e as condições insalubres enfrentado por quem trabalha numa mina!

Na legislação atual, baseada em estudos médicos, para esta atividade, entre outras, ficou estabelecido que o prazo suportável para o seu exercício seria de 15 anos. Contudo, por uma decisão política baseada num propalado déficit falso da previdência, se aumenta de 15 para 44 anos o tempo para que alguém se aposente com a integralidade da média de suas contribuições, limitada ao teto da previdência, atualmente, R$ 5. 189,82! Seria possível alguém acreditar que estamos respeitando a dignidade desse trabalhador?

Acontece da mesma forma com o trabalhador que se aposenta por incapacidade permanente e sofre de incapacidade limitante das funções vitais. Ele também foi colocado na vala comum de quem se aposenta voluntariamente que, em tese, poderia trabalhar para complementar a renda, embora isso também seja uma desumanidade!

Vejamos como se faz o cálculo proposto pela reforma, determinando uma redução drástica nos valores dos benefícios dos segurados, sem esquecer que, junto com essa redução absurda de direitos, se acrescenta o aumento das contribuições.

Já se reduz direitos ao alterar a forma de obtenção da média das contribuições. Na legislação atual, a média é feita a partir de 1994 até a data do efetivo pedido de aposentadoria, levando-se em consideração apenas 80% das maiores contribuições, desprezando-se as menores. Pela regra proposta seria a média de todas as contribuições, o que matematicamente reduz a média a ser obtida. Quem está na regra de transição, mulheres acima de 45 anos de idade e homens acima de 50 anos de idade, não precisará cumprir a idade mínima de 65 anos, mas terá que contribuir com 50% sobre o tempo que falta para se aposentar e também terá uma redução do valor do benefício com base nos anos de contribuição.

Mas isso é só o início da perversidade. Senão vejamos: para um trabalhador que hipoteticamente tenha 35 anos de contribuição e sofra uma limitação de capacidade total e permanente para o trabalho. Suponhamos que a sua média de contribuição seja de R$ 2.000,00. Como determina a proposta, parte-se de 51% da média, acrescida de um ponto percentual por ano de contribuição. Assim ele teria 51+35=86% da média de suas contribuições, isto é, R$ 1.720,00.

Quem se aposenta por invalidez não pode voltar a trabalhar e, em razão de suas limitações, terá um alto custo em remédios para manter a sobrevivência! Isto se constitui numa punição pelo fato de o segurado ter sofrido uma limitação total e permanente para o trabalho. Também é punido o idoso que se aposenta com 75 anos pela compulsória, pois só receberá a integralidade da média das contribuições, sempre limitada ao teto, se contribuir por 50 anos ou mais.

Veja-se como fazer o cálculo no caso da aposentadoria compulsória: pega-se o resultado do tempo de contribuição, no exemplo, 35 anos e divide-se por 25, 35/25= 1,2, limitado ao número inteiro, então fica 1 multiplicado pelo resultado de 51+36=86, que permanece 86%. Para que houvesse a possibilidade de sair da multiplicação por 1, o idoso teria que ter trabalhado 50 anos. Caso contrário permanecerá ganhando R$ 1.720,00.

Fosse um país que quisesse respeitar a dignidade de seus cidadãos, jamais reduziria dessa forma os proventos de quem se encontra em situação de vulnerabilidade ou pela doença ou pela idade.

A proposta só faz exceção para o recebimento de 100% da média das contribuições quando a incapacidade permanente decorre de acidente do trabalho. O que evidencia o erro em não estender para qualquer incapacidade ou idade avançada, pois a limitação na qualidade de vida independe da causa pela qual decorreu a incapacidade.

Mas no caso da aposentadoria voluntária também há uma grande insensibilidade com a condição humana, ao exigir que uma pessoa trabalhe por 49 anos para ter a integralidade da média das suas contribuições. No caso do exemplo, para ganhar 100% da média de suas contribuições, R$ 2.000,00, o trabalhador, que já trabalhou 35 anos teria que trabalhar por mais 14 anos, 51+49=100. Para conseguir receber o benefício integral com a idade mínima proposta, o trabalhador precisaria contribuir desde os 16 anos de idade, sem interrupção. Isto independentemente de sexo.

A impressão que se tem é que quem está por trás da redação dessa reforma não pertence a raça humana, pois demonstra total desconhecimento das condições de vida do ser humano. Também não deve ser alguém residente num país com limitações como o nosso. Deve ser alguém que vive num país onde o Estado cumpre com suas funções de garantir a educação, a segurança e a sáude e mantém a condição de empregabilidade das empresas.

Mas vamos analisar agora as aposentadorias especiais, cujo destaque ressaltei no cabeçalho deste artigo.

Se até aqui já estávamos indignados com o tratamento dado aos demais segurados para a concessão de aposentadoria, o que não diremos em relação ao destaque que fiz acima em relação ao trabalhador numa mina! Além de passar de 15 anos para 44 anos de trabalho, só o fato de trabalhar numa mina de carvão, por exemplo, não basta para o mineiro comprovar que esse trabalho é insalubre, ele precisa comprovar que houve um efetivo prejuízo a sua saúde!

Aliás, em qualquer tipo de atividade especial o segurado vai ter que comprovar que a insalubridade ou a periculosidade resultaram em prejuízo específico para a sua sáude. Contudo, mesmo comprovado, é permitida apenas uma redução de, no máximo, 10 anos na idade e cinco no tempo de contribuição. Como a idade mínima para a aposentadoria, como regra é de 65 anos, o mineiro tem que esperar até os 55 anos de idade e, como a regra geral para a obtenção de aposentadoria com 100% da média das contribuições é 51+49= 100, reduzindo-se o máximo de cinco anos permitidos, ele precisará completar 44 anos de contribuição, concomitantemente com a idade. Pois é, quem viver verá!

E o que dizer do trabalhador rural que também precisará completar 65 anos de idade e 49 anos de contribuição para obter 100% da média de suas contribuições, até o limite do teto?

Precisará trabalhar de sol a sol, independetemente das perdas que venha sofrer nas safras e recolher contribuições, cuja cota de recolhimento vai depender de regulação. Então, o trabalhador rural fica equiparado a alguém que trabalha em gabinete com ar condicionado. Simplesmente ignorando-se os fatos decorrentes das intempéries da natureza! Não podemos esquecer que a alimentação de todos depende do trabalhador na agricultura e, descuidar dessas pessoas, significa tirar o alimento de nossa própria mesa.

Na legislação atual para a aposentadoria rural, os trabalhadores devem ter 60 anos (homens) e 55 (mulheres) e comprovar 15 anos de trabalho no campo.

Em relação a aposentadoria por idade, praticamente dobrou o tempo de contribuição, passando de 15 anos para 25 anos e aumentando para as mulheres a idade para 65 anos. O fato de a mulher ter a função reprodutiva e o cuidado com a prole não sensibilizou o governo para exigir-lhe trabalho ininterrupo desde os 16 anos, fechando os olhos para igualar os desiguais!

Desse modo, aos 65 anos e com 25 anos de contribuição, o valor do benefício será de 76% da média de todas as contribuições, ou seja, para obter renda mensal inicial integral, só com 49 anos de contribuição.

De outra parte, a idade mínima para aposentadoria passa a ser de 65 anos apenas em tese! Cada vez que tivermos aumento na expectativa de vida do brasileiro, teremos o aumento de um número inteiro correspondente na idade mínima para a aposentadoria. Assim, sequer a aposentadoria aos 65 anos está garantida para ninguém, independentemente de suas condições pessoais e de trabalho.

A proposta oferece um marco inicial mínimo para a aposentadoria aos 65 anos, mas toda vez que alguém se aproximar desse marco ele vai ser afastado um pouquinho mais. Tudo indica que vai se transformar numa miragem. Isto é inaceitável, é brincar com as pessoas.

Com tão drástica alteração na aposentadoria do segurado, o respeito à cidadania e à dignidade de quem trabalha e paga pela seguridade, tendo direito a uma contraprestação digna e atingível, foi completamente esquecido. Foi violado o Princípio de respeito à Dignidade da Pessoa Humana, previsto no art. 1º, inc. III da CF.

Nos próximos artigos escreverei sobre os abusos praticados em relação a outros direitos previdenciários, pensão por morte, Loas, falácia sobre o propalado déficit etc.

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 *Maria Isabel Pereira da Costa é sócia-diretora do escritório Pereira da Costa Advogados Associados. Vice-presidente para Assuntos Previdenciários da ANAMAGES, Associação Nacional de Juízes Estaduais. Secretária-adjunta da Secretaria de Planejamento Estratégico e Previdência da AMB, Associação de Magistrados Brasileiros.

 

 

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