Ataque a Sociologia e Filosofia

Ataque a Sociologia e Filosofia

O delírio do ataque ao ensino de Sociologia e Filosofia*

Por Cristiano das Neves Bodart**

A Folha de São Paulo absurdamente divulgou uma “pesquisa” (igualmente absurda) ainda não publicada e, portanto, nem mesmo avaliada por pares, mas tomada equivocadamente como conclusiva pela jornalista. 

Me refiro a matéria que noticia pesquisa que supostamente demonstra que a presença da Sociologia e da Filosofia no currículo teria impactos negativos sobre o rendimento dos alunos nas disciplinas de Português e Matemática.

Quanto ao artigo há dois problemas graves: 1) a metodologia do artigo apresenta correlações espúrias e; 2) parte de uma perspectiva equivocada do currículo, visto pelos autores de forma hierárquica – como também compreendido pelo repórter da Folha.

O segundo problema é mais grave por ser algo que possa vir a abrir espaço para muitas aberrações, tais como a referida pesquisa que, abandonando a ciência, tenha ideologicamente se opor a presença da Sociologia e da Filosofia no Ensino Médio com falsas conclusões.

Como as críticas (sim, a matéria desencadeou um grande volume de críticas) já realizadas por outros pesquisadores, professores e intelectuais focaram nos erros da pesquisa (grassos, diga-se de passagem), quero chamar atenção para o segundo erro: entender o currículo de forma estratificada.

É importante deixar claro que:

  1. não é função da Sociologia ensinar Matemática ou Português aos alunos, assim como essas disciplinas ensinar Sociologia. Ainda que há um processo “natural” de reforços mutuo-os entre todas as disciplinas;

  2. não se pode achar que uma ou outra disciplina tenha seu valor justificado dependendo do seu impacto sobre as demais;

  3. não deve haver hierarquia no currículo, pois a formação dos indivíduos deve ser plural e integral.

A educação deve ser vista como plural e cada componente curricular tem seus objetivos específicos. De outra forma endossaremos o discurso de que existe disciplina mais e menos importante. É certo que para efeitos políticos-eleitorais isso ocorra, mas impactos sobre a sociedade e sobre os indivíduos não é possível inferir tal estratificação.

Como destaca a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional em seu artigo 35, 7º,

“Os currículos do ensino médio deverão considerar a formação integral do aluno, de maneira a adotar um trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida e para sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais” (LDB, 1996. Incluído pela Lei nº 13.415, de 2017).

A matéria da Folha de São Paulo, e o artigo referido por ela, eram ao partir do pressuposto de que há hierarquização de disciplinas, visão que tem efeitos negativo sobre as disciplinas tidas como menos importantes, não colaborando para a qualidade do ensino (Poderíamos aqui afirmar, com base em pesquisa realizada, que visões como essa do artigo e da jornalista, de hierarquização, prejudicam a qualidade do ensino no Brasil).  Diversas pesquisas demonstram que um dos maiores problemas na educação são as condições de trabalho e profissionalização docente, realidade também dos professores de Português e Matemática; mas isso passa ao largo na pesquisa divulgada pela Folha de São Paulo.

Partindo do pressuposto correto, de que não há hierarquia na grade curricular, julgo ser mais importante destacar as potencialidades do ensino de filosofia e de Sociologia do que justificar a importância dessas disciplinas a partir dos seus efeitos sobre as demais. A Sociologia deve ter como objetivo algo que a matemática não dá conta, nem o Português: levar os alunos a compreenderem os fenômenos sociais de forma desnaturalizada, histórica, relacional e marcada por relações de poder. Em outros termos, a pensar sociologicamente.

Tenho quase certeza que nenhum pesquisador do campo da Educação ou da Sociologia da Educação tenha realizado pesquisa que buscasse correlações entre desempenho dos alunos em Português ou Matemática e o ensino de Sociologia e Filosofia, uma vez que há nisso um princípio equivocado, o qual seria buscar legitimar uma disciplina pelos seus impactos em outras tidas, erradamente, como mais importantes. Esse não é o caminho, isso é delírio causado por ideologias como a “Escola sem Partido”, defendida publicamente por um dos autores da pesquisa. Delira a Folha de São Paulo ao abrir espaço para algo que nem se quer foi avaliado por pares, muito menos publicado em revista científica com credibilidade. Era ao se vestir de um discurso pautado na ciência, sem considerar que tal estudo não tem validade na comunidade científica por não ter sido publicado em periódico científico.

 

Notas:

*Texto originalmente publicado no Blog Café com Sociologia, parceiro da ABECS.

  • Pesquisador da temática Ensino de Sociologia. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e docente do Centro de Educação dessa mesma instituição de ensino superior.

https://abecs.com.br/ensino-sociologia-filosofia-folha/ 




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