Completar a Base

Completar a Base

Para completar a Base

Luís Carlos de Menezes    27 de set 2016

Os objetivos de aprendizagem têm sentido unívoco em todas as áreas e componentes, o que é fundamental, pois eles são os “pontos de chegada” essenciais da Base

Nos últimos dias, a reforma do ensino médio ocupou bastante espaço no debate público, mas não podemos perder de vista que há uma outra discussão acontecendo desde o ano passado, que é a elaboração da Base Nacional Comum Curricular, uma das principais iniciativas para o desenvolvimento social e econômico brasileiro.

A Base define os direitos à aprendizagem de crianças e jovens, em escolas de todo o país. Redes escolares, faculdades e editoras acompanham com atenção esse processo cujo resultado orientará seu trabalho. A primeira versão recebeu milhões de sugestões por meio de uma consulta pública. A segunda foi discutida por milhares de professores nos Estados, entre junho e agosto. Em busca de complementar esse esforço, este texto aponta sugestões para melhoria da Base em sua versão final, que deve ser encaminhada ao Conselho Nacional de Educação.

Prescrição de currículos é prerrogativa de escolas e redes de ensino, ou seja, Base Curricular não é currículo e sim orientação para sua preparação. Faz isso propondo que se priorize competências, conceitos e valores, mais do que retenção de informações. O debate de ideias nesse processo é uma prática democrática essencial. Mas é preciso logo rejeitar investidas conservadoras, como a que se propõe a “Escola sem Partido”, pois se opõe à própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que estabelece “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura” para o “desenvolvimento de autonomia intelectual e pensamento crítico”. Quanto a esses princípios, a proposta da Base deve ser claramente defendida.

A segunda versão preliminar da Base avançou na organização em etapas escolares, deixando a cargo das Áreas de Conhecimento a progressão conceitual. Garantir e aperfeiçoar esses avanços depende da superação de problemas, como a heterogeneidade do texto. Expressões como “campos”, “eixos”, “unidades” ou “dimensões”, utilizadas com distintas acepções em diferentes componentes, dificultam a verificação da progressão em cada área e do alinhamento entre áreas em cada etapa. Felizmente, os objetivos de aprendizagem têm sentido unívoco em todas as áreas e componentes, o que é fundamental, pois eles são os “pontos de chegada” essenciais da Base.

PROFESSORES E ESCOLAS PRECISARÃO SE ATUALIZAR EM CERTOS TEMAS, POIS A BASE DEVE TAMBÉM SER INSTRUMENTO DE MUDANÇA

Houve aperfeiçoamento na configuração das etapas. Por exemplo, na educação infantil os campos de experiência acompanham adequadamente as fases por que passam as crianças. Isso prossegue nas demais etapas, acompanhando a maturidade crescente dos estudantes, e especificando diferentes dimensões do aprendizado. No entanto, o alinhamento de complexidade e de temáticas tem condições de ser aperfeiçoado. Nos três primeiros anos do ensino fundamental, todas as áreas poderiam estar claramente a serviço do letramento; em etapa intermediária de dois anos continuariam a cargo de professores polivalentes; e nos quatro anos conclusivos, cada componente já seria tratado por professores especializados, numa transição para o ensino médio.

Na segunda versão, o alinhamento dos componentes do ensino médio ainda pode ser aperfeiçoado. Por exemplo, os componentes das ciências da natureza todos começam com aspectos macroscópicos e lidam depois com estruturas microscópicas, o que é adequado. Mas poderiam articular sua abordagem a atividades e equipamentos da vida diária cuja compreensão envolve a Física, a Química e a Biologia. Igualmente, elas poderiam tratar conjuntamente da evolução do Cosmo, da Terra e da vida.

Também nas Ciências Humanas, é melhor a gradação na segunda versão, mas falta uma retomada de temas entre os níveis fundamental e médio. Ao concentrar no ensino médio somente Américas e Brasil dos últimos séculos, a proposta de História, por não retomar no ensino médio certos tópicos tratados no fundamental, dificulta a progressão além de deixar a Sociologia praticamente órfã, sem o tratamento paralelo da história das revoluções industriais.

A Matemática é área e componente a um só tempo. Mas sendo área, chama Álgebra, Estatística e Geometria de “eixos”, quando poderia já reconhecê-las como seus componentes.

A Língua Portuguesa e os Idiomas Estrangeiros sinalizaram melhor suas intenções formativas, mas seus textos gerais continuam longos e repetitivos. Resultado ainda melhor seria alcançado se mais explorada a relação com outros componentes ou áreas, que fornecem contexto ao emprego de linguagens. Também a Arte, que promove as diferentes formas de expressão e manifestação das crianças e jovens, avançou em sua concepção pedagógica. Tanto quanto as Línguas, sua apresentação poderia ser menos prolixa, e seus objetivos de aprendizagem mais associados a demais áreas.

A Educação Física, por sua vez, apresenta toda variedade de vivências, reforçando o prazer da fruição, de cultura e bem-estar físicos, superando visões da escola como lugar da “formação do intelecto”, como se corpo fosse mero suporte do cérebro.

O Ensino Religioso, no ensino fundamental, e a Filosofia, no médio, quase constituem uma sequência formativa quanto ao respeito à diversidade de convicções e credos. Mas poderiam também olhar o mundo com menos complacência, não deixando de lado conflitos, mais compreendidos quando explicitados, como tensões entre política e religião no passado e na atualidade, noutras partes do mundo e entre nós. A importância da ética, por vezes, se reconhece em face de suas violações.

Apreciemos por fim os objetivos de aprendizagem, que efetivam a Base Nacional Comum Curricular ao apontar em práticas reais os direitos de aprender anunciados, o que em geral acontece. Há, no entanto, descompassos fáceis de apontar e de superar entre eles e os princípios da Base. Desenvolver capacidade crítica, propositiva e de trabalho cooperativo, demandaria objetivos de aprendizagem com verbos como “questionar”, “debater”, “propor” ou “conceber”, e propostas de investigação cultural, social, ambiental ou científica. Mas na versão atual, objetivos mais frequentes são escritos com “compreender”, “reconhecer”, “identificar” ou “caracterizar”, que mais indicam retenção de saberes.

Temáticas essenciais aos jovens, como sexualidade e trabalho, estão pouco representadas nos objetivos. Sexualidade não se resume a reprodução, trabalho não se resume a emprego, e estão na literatura, nas ciências e nas artes. Temas atuais, como migrações econômicas e políticas ou mudanças na produção e dos produtos, poderiam ser assuntos do ensino médio, a exemplo das Ciências da Natureza, que já trazem LEDs e não somente lâmpadas incandescentes, hoje proibidas. Professores e escolas precisarão se atualizar em certos temas, pois a Base deve também ser instrumento de mudança.

Luís Carlos de Menezes é membro do Conselho Estadual de Educação em São Paulo, coordenador Acadêmico da Faculdade SESI SP de Educação, professor sênior da Universidade de São Paulo, assessor na elaboração da Base Nacional Comum Curricular e integrante do Movimento pela Base. 

 

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