Filantropia segundo MEC

Filantropia segundo MEC

FILANTROPIA: MEC NÃO SEGUE O STF

Desde há muito, sucessivos governos buscaram enquadrar o tema da chamada ‘filantropia’ no terreno da isenção e não da imunidade. Leis e decretos insistiam em tratar a dispensa do pagamento da chamada ‘quota patronal’ da contribuição previdenciária como sendo um favor legal de natureza isentiva, quando, na realidade, sempre se tratou de vedação à tributação decorrente de imunidade, com sede constitucional.

Assim ocorreu com a Lei nº 8.212/901, em cujo art. 55 se previam requisitos para o reconhecimento do que nela se denominava isenção. Assim também com a Lei nº 12.101 /2009, posteriormente alterada pela Lei nº 12.868/2013.

No final de fevereiro de 2017, o STF julgou o caso-paradigma objeto do RE nº 566.622-RS (c/repercussão geral), bem como as ADINs 2.028 e 2.036, que atacavam diversos pontos da regulação feita pela referida Lei nº 8.212/91.

O foco central estava em discernir se essa regulação deveria ser feita:

(I) toda ela, por lei ordinária;

(II) toda ela por lei complementar;

(III) parte por lei complementar e parte por lei ordinária.

No julgamento do RE nº 566.622- -RS contrapuseram-se dois entendimentos: o do relator, Ministro Marco Aurélio, e o do voto-divergente do Ministro Teori. Ambos propuseram que a regulação fosse feita por lei complementar (no que dissesse respeito à delimitação da imunidade) e por lei ordinária (no tocante às exigências de constituição e funcionamento da entidade). Tratava-se, aliás, de orientação antiga do STF, que remontava a um acórdão relatado pelo ex-Ministro Sepúlveda Pertence, que, por sua vez, resgatava (obliquamente) entendimento sufragado pelo ex-Ministro Munhoz, anteriormente à CF/88.

O problema, desde então, era discernir o que dizia respeito a um (imunidade) e outro (constituição/fundamento). Ambos ─ ministros Marco Aurélio e Teori ─ entenderam que as contrapartidas referentes à imunidade devessem ser reguladas por lei complementar. A divergência entre eles localizou- -se no alcance do art. 55 da Lei (ordinária) nº 8.212/91 (que era objeto desse julgamento): para o Ministro Teori, esse artigo tratava, apenas, de requisitos de constituição e funcionamento da entidade, sem afetar as contrapartidas afetas à imunidade, logo, seria aplicável; para o Ministro Marco Aurélio, o teor desse artigo invadiria o terreno próprio da imunidade, criando exigências inconstitucionais. Em consequência, a certificação, para o Ministro Teori, teria natureza constitutiva, ou seja, seria requisito válido para a configuração de imunidade; para o Ministro Marco Aurélio, a certificação não teria natureza constitutiva, ou seja, não poderia ser erigida como condição de reconhecimento de imunidade. Teria natureza meramente declaratória. Em outras palavras: não seria necessária a obtenção de certificado emitido por órgão ou agência governamental (atualmente, no caso das entidades exclusiva ou prevalentemente educacionais, a emissão de CEBAS por parte do MEC).

Prevaleceu (por 6x5) o entendimento do Ministro Marco Aurélio. Vale dizer: o CEBAS pode continuar sendo emitido, mas ele tem função meramente declaratória e não constitutiva. A ausência de CEBAS, por si só, não implica afastamento da imunidade.

Vale transcrever, a propósito, excertos do voto do Ministro Marco Aurélio:

Cabe à lei ordinária apenas prever requisitos que não extrapolem os estabelecidos no Código Tributário Nacional ou em lei complementar superveniente, sendo-lhe vedado criar obstáculos novos...”

“Sob o pretexto de disciplinar aspectos das entidades pretendentes à imunidade, o legislador ordinário restringiu o alcance subjetivo da regra constitucional, impondo condi- ções formais reveladoras de autênticos limites à imunidade. De maneira disfarçada ou não, promoveu regulação do direito sem que estivesse autorizado pelo artigo 146, inciso II, da Carta”

“...os requisitos previstos nos incisos I e II do artigo 55 da Lei nº 8.212, de 1991, não implicam controle, pelo órgão competente, capaz de levar à adoção da medida suspensiva, mas condições pré- vias, impeditivas do exercício da imunidade independente de verificar-se qualquer irregularidade...”

“Em síntese conclusiva: o artigo 55 da Lei nº 8.212, de 1991, prevê requisitos para o exercício da imunidade tributá- ria, versada no § 7º do artigo 195 da Carta da República, que revelam verdadeiras condições prévias ao aludido direito e, por isso, deve ser reconhecida a inconstitucionalidade formal desse dispositivo no que extrapola o definido no artigo 14 do Código Tributário Nacional, por violação ao artigo 146, inciso II, da Constituição Federal. Os requisitos legais exigidos na parte final do mencionado § 7º, enquanto não editada nova lei complementar sobre a maté- ria, são somente aqueles do aludido artigo 14 do Código”

“Isso não significa que as entidades beneficentes não devam ser registradas em órgãos da espécie ou reconhecidas como de utilidade pública. O ponto é que esses atos, versados em lei ordinária, não podem ser, conforme o artigo 146, inciso II, da Carta, constitutivos do direito à imunidade, nem pressupostos anteriores ao exercício deste. Possuem apenas eficácia declaratória, de modo que a negativa de registro implique motivo suficiente para a ação de controle pelo órgão fiscal ─ a Receita Federal do Brasil ─ ao qual incumbe a verificação do não atendimento às condições materiais do artigo 14 do mencionado Código”

O MEC, contudo, tem ignorado a decisão do STF. Em sua regulação administrativa, continua a exigir o CEBAS. Aliás, continua a tratar do assunto como se fora matéria de isenção e não de imunidade. Caso, inclusive, para reclamação ao STF, por descumprimento de sua decisão. 

Jorge Lutz Muller

OAB/RS 7.563

Assessoria Jurídica do SINEPE/RS

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