Brasil: uma questão de fé

Brasil: uma questão de fé

 Paulo Ghiraldelli 


 

O ensino brasileiro foi adjetivado por Roberto Mangabeira Unger como o campo do “enciclopedismo raso, mimético e estéril” (Folha Lula e FHCde S. Paulo, 09/05/2013). Unger acerta, mas só em parte.

 

O “enciclopedismo” já não vale mais como crítica ao nosso ensino, mesmo que temperado por “mimético e estéril”. Precisaria estar ocorrendo algum ensino para que ele pudesse ser criticado. Nossa escola pública se deteriorou de vez e a particular está na berlinda. Os professores brasileiros são muito mal pagos se comparamos com o que ocorre em outros países semelhantes ao Brasil. A profissão de professor não permite a um jovem solteiro pagar aluguel, transporte e alimentação.

 

Como que isso ocorreu? Ora, no início do processo de redemocratização, o nosso país até quis se envolver mais seriamente com a educação. No entanto, a motivação do MEC do ministro Marco Maciel logo se desfez diante da transição de uma curta euforia do Plano Cruzado à inflação avassaladora. Quando conseguimos sair disso, no final do governo Itamar, por obra da equipe de Fernando Henrique Cardoso, o clima político estava longe de ser social democrata. A ideia de privatização de tudo, já abandonada nos Estados Unidos e na Europa, começava a chegar ao Brasil, agora de modo mais prático. O programa social de FHC não foi condizente com a sigla de seu partido, e a educação sofreu com isso. A população quis Lula exatamente porque esperava que um presidente com sensibilidade social pudesse acoplar ao fim da inflação um cuidado maior com os pobres – vingava no Brasil a ideia de Betinho de “ajuda aos pobres” até mesmo por meio da esmola, se fosse necessário. E lá fomos nós de PT.

 

A equipe de Lula fez aquilo que de início parecia simples populismo: um amplo programa de transferência direta de renda, o que a população ficou conhecendo, na prática, como o conjunto de “bolsas”. Virou piada da direita política falar em “bolsa”, mas que deu resultado, deu mesmo. Aos poucos os programas foram ampliados e aperfeiçoados. Em parte, saiu-se do populismo para uma real integração de boa fatia da população na esfera do consumo, o que gerou empregos e o que está nos mantendo funcionando. Todavia, o que veio para o bem, em parte fez mal. Eu explico.

 

Com o país tendo mercado aquecido e oferta de empregos, o brasileiro jovem (principalmente o homem) descobriu que podia melhorar de vida sem educação. Um diploma de nível superior tudo bem, mas ensino e aprendizado mesmo, isso deixou de ser um valor para boa parte dos brasileiros. Essa forma de pensar chegou ao Congresso e deu no que deu: o Brasil até fez vários programas de ampliação de escolas de todo tipo, mas não cuidou da qualidade, o que implicaria em olhar para a carreira do professor do ensino fundamental e médio. Não pudemos garantir continuidade entre a escola pública que a minha geração teve, fruto dos anos cinquenta para os sessenta, e aquela de agora.

 

O resultado disso tudo é que não temos um exército de professores satisfeitos. Não temos um ensino propriamente dito acontecendo.

 

Agora, vamos precisar de mão de obra competente (e isso em um sentido amplo), e não vamos encontrá-la aqui. Como fizemos no passado, vamos importá-la. Talvez isso dê um bom resultado. Teremos bolivianos e haitianos para um tipo de serviço, e chineses e europeus para outro. Eles se misturarão com o nosso trabalhador e, então, como sempre fizemos, “vamos para o que der e vier”.

 

Quando conseguimos planejar um pouco em uma área, improvisamos noutra. Mas no final, tudo dá certo. Ao menos no Brasil. Eu tenho fé.
 

 

Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ

http://ghiraldelli.pro.br/brasil-uma-questao-de-fe/

 




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