Se não tem pão, comam insetos?

Se não tem pão, comam insetos?

Fernanda Melchionna 


A Organização das Nações Unidas (ONU) lançou um programa, no dia 13 de maio deste ano, para estimular o consumo de insetos para combater a fome no mundo. Interessante é que a mesma organização em recente estudo, traz que pela primeira vez na história, não existe escassez da produção de alimentos em âmbito mundial e que a produção existente hoje, seria suficiente para alimentar 12 bilhões de pessoas. Ora, como então 18 milhões de pessoas morrem por ano pela falta de alimentos? Ou seja, mais pessoas do que as que moram numa cidade como São Paulo perdem a vida por fome anualmente.

No mesmo dia em que a ONU lançou seu programa, o sociólogo suiço Jean Ziegler, em debate na própria cidade de São Paulo apontou as raízes do problema: as sociedades extremamente desiguais como expressão do modo de produção capitalista e sua concentração. Ele afirmou que 10 empresas controlam a produção de 85% dos alimentos de base comercializados no mundo. Diz ele “O poder político dessas empresas foge ao controle social. 85% dos alimentos de base negociados no mundo são controlados por 10 empresas. Elas decidem cada dia quem vai morrer de fome e quem vai comer”. Sem contar a concentração da terra na mão de grandes latifúndios e a utilização da mesma para a produção de combustíveis, mesmo quando temos 1 bilhão de pessoas que passam fome no mundo.

O mais grave é a especulação financeira nas Bolsas de Valores, que fez com que, em tempos de crise econômica do capitalismo, aumento do desemprego e piora das condições de vida dos países atingidos centralmente pela mesma, o valor dos alimentos aumentasse vertiginosamente e se difilcutasse o acesso e o consumo a eles.

É evidente que falar em “deliciosos gafanhatos e suculentas baratas” disfarça o problema de fundo que é a concentração da produção e da distribuição de alimentos nas mãos de pouquíssimas empresas capitalistas, que na mesa de jantar de suas famílias certamente não degustam escorpiões à milanesa. Longe disso, na afã de aumentar seu capital, ainda especulam com o feijão e o arroz de cada dia na Bolsa de Valores como se estivessem num cassino. Ou pior, chegam a botar formol e uréia no leite para ganhar mais!

Os mesmos que “embelezam” o fato milhões de pessoas serem obrigadas a comer insetos como única forma de ingerir nutrientes necessários à vida, são os que estão consumindo os recursos naturais de forma irracional e insustentável. Na imensa coleção de mercadorias que eles pretendem tranformar o mundo, tudo pode ser motivo de negócios: direitos, pessoas e até mesmo comida. O capitalismo como forma de organizar a vida está cada vez mais provando sua falência. No entanto, os que ganham com ele, para manter seus privilégios, avançam sobre os direitos sociais e trabalhistas.

Certo é que o capitalismo não será superado por constatar sua própria falência, a tendência é que, para manter as taxas de acumulação, aumente a exploração sobre os trabalhadores do mundo. Certo também, que por ser uma forma específica de organização social, é também possível superá-lo. Somente a partir de suas próprias forças é que a maioria da população pode buscar o controle sobre a economia e a política, e é preciso lutar por isso.

Como disse Ricardo Antunes recentemente em Porto Alegre, as janelas de contrução do futuro estão abertas, para tempos melhores ou para tempestades. Ideias como a da ONU reforça a nossa indignação, ao mesmo tempo movimentos anticapitastalistas no mundo nos enchem de esperança. Que a nossa geração consiga construir esta ponte entre a indignação e a esperança para que um dia a produção seja para garantir as necessidade de todos e não para a lógica perversa do lucro privado de alguns. Como diria Karl Marx sobre o socialismo “de cada qual, segundo sua capacidade, a cada qual, segundo suas necessidades”.

Fernanda Melchionna é vereadora do PSOL em Porto Alegre e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal

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