Não dá nada!

Não dá nada!

 

By Galileoh getyourpaydaytoday.co.uk


“Os alunos são desafiadores, principalmente os adolescentes, que acabam sendo os maiores problemas [da escola]. Eles acham que são os donos do mundo e dizem ‘não dá nada’ em relação à consequência dos seus atos”. A afirmação de Margarete Cunico, orientadora educacional e disciplinar no Colégio Novo Ateneu, de Curitiba (PR), ilustra bem o comportamento de boa parte dos alunos de hoje. Indisciplina, excesso de faltas, desrespeito com professores e até mesmo com os colegas compõem um cenário conhecido das escolas brasileiras. Conquistar o comprometimento, de alunos e de pais, para uma boa convivência escolar tem se tornado um grande desafio.

Segundo Margarete, o colégio em que ela atua não tem muitos problemas sérios relativos a esse tipo de comportamento, mas eles existem. “Há os alunos chamados de opositores, de comportamento opositor, ou seja, não gostam de seguir as regras, não respeitam a hierarquia. Temos alguns alunos que acham que podem quebrar as regras. E lidar com essa situação é bastante trabalhoso, tanto para os professores quanto para a coordenação”, revela.

Fazer da escola um ambiente harmonioso exige mesmo dedicação da equipe de profissionais. Amaro Luiz de França, diretor-geral do Colégio Sagrado Coração de Maria, do Rio de Janeiro (RJ), concorda que a tarefa não é das mais fáceis. “Buscar um ponto de equilíbrio é um desafio constante da escola, e da sociedade, para a boa convivência”, afirma. Ele acredita que a referência que vem da família, na atualidade, dificulta o trabalho na escola. “A geração de pais (de hoje) ainda é fruto daquela geração que viveu a busca pela liberdade e, de certa maneira, ficou sem referência maior de autoridade. Pai e filho confundiram muito os papéis, em nome da amizade e de elementos que são importantes, mas as relações pai e filho, professor e aluno, não são relações de iguais, mas de construção de respeitabilidade, de valor”, ressalta.

Segundo a psicopedagoga e assessora pedagógica Larissa Fonseca, especialista em Comportamento e Desenvolvimento Infantil, essas questões são realmente desafiadoras e, para lidar de modo construtivo com elas, é imprescindível que a escola mantenha-se fiel e firme em relação à sua proposta pedagógica e código de conduta, sem ceder a possíveis pressões dos pais e alunos. “Cada idade demanda um tipo de abordagem para resolver essas situações de modo educativo. A escola deve agir com rigor e coerência, responsabilizando os alunos por suas escolhas e ações, seja com reforço positivo quando agirem de acordo, mas também com perdas de privilégios e consequências para quando descumprirem as normas da escola”, orienta Larissa.

Nesse processo, a parceria e a congruência entre a família e a escola facilitam a assimilação de regras de comportamento, além de reforçar valores em comum, o que dá mais segurança aos alunos, auxiliando-os a fazer escolhas construtivas diante dos conflitos. “Quando há o apoio e o comprometimento dos pais, reforça-se bastante os valores e princípios que a escola prega e fica mais fácil para a criança assimilar regras e entender o que deve seguir, o que a ajudará a fazer melhores escolhas, uma vez que ela sabe que vai sofrer a consequência de seus atos, tanto em casa como na escola. É importante escola e família falarem a mesma língua”, enfatiza Larissa.

Por isso, é essencial que os pais, no momento de escolherem a escola do filho, avaliem se o perfil da instituição está de acordo com suas expectativas e seu estilo de vida. No Colégio Novo Ateneu, durante a entrevista para os novos alunos, já são apresentados os principais tópicos que fazem parte do Manual da Família, no qual as normas de boa convivência escolar estão expressas. “É muito importante os pais entenderem que os alunos têm seus direitos e deveres”, comenta a orientadora educacional Margarete. Durante a primeira semana de aula, a escola promove um trabalho de conscientização com os alunos, reforçando as normas. Em pauta, estão questões relacionadas a namoro dentro da escola, uso de aparelhos eletrônicos, proibição do uso de bonés na sala de aula e de cigarros.

No Colégio Sagrado Coração de Maria, o Guia do Estudante é o referencial para o aluno e a família em relação às regras da escola. O guia aborda tópicos referentes às responsabilidades e aos direitos do aluno. Uso de aparelhos eletrônicos, principalmente celulares, internet, a pontualidade, o namoro e os danos ao patrimônio estão entre os tópicos. Além disso, a instituição produz o Guia do Educador, direcionado aos professores e membros da equipe pedagógica.

Larissa considera fundamental a escola elaborar um código de conduta, com questões norteadas pelo regimento interno da instituição, que deve ser divulgado para alunos, pais, funcionários e toda a comunidade escolar. “A escola pode criar seu regimento interno com base na proposta pedagógica e nos fatos e necessidades constatados no cotidiano”, sugere. E completa: “tentar evitar atritos nem sempre é o melhor modo de resolver questões importantes. Assim, mesmo que os conflitos aconteçam, a escola deve considerar as contribuições de pais, funcionários, alunos e comunidade escolar. Sempre esclarecer as medidas adotadas, que devem ser baseadas em coerência e respeito ao individual e ao coletivo”.

Regras em debate

No Colégio Global, de São Paulo, as referências disciplinares também estão no Manual do Aluno. Segundo a diretora pedagógica do colégio, Eliana de Barros Santos, no material está previsto, em linhas gerais, o que se espera do aluno quando se trata de respeito ao colega, aos professores, aos demais funcionários e ao patrimônio da escola. “Os pontos principais são salientados, com base na ética, para um bom convívio social”, diz a diretora. Ela comenta que como as normas são claras, justas e justificadas, não há grandes problemas, mas há espaço para debate. “De forma geral, os alunos cumprem, mas também questionam, em muitos momentos. Mas isso faz parte do exercício de ‘ser social”, comenta. Eliana ressalta que a escola atua com base nos princípios humanistas e os questionamentos são estimulados. “Em alguns casos, já fizemos boas alterações nas normas, tendo em vista a fundamentação apresentada por alunos. O adolescente quer que sejamos justos e esperam que sejam fundamentadas as normas”, avalia.

Da mesma forma que ocorre em outras escolas, o Colégio Global também prioriza o diálogo com o aluno, nos casos de descumprimento das regras estabelecidas. A diretora Eliana explica que ouvir o aluno é o primeiro passo para buscar entender o que está implícito no descumprimento de uma norma disciplinar: “com um bom diálogo, geralmente chegamos a um acordo e o próprio aluno se coloca à disposição para reparar e assumir a consequência de sua atitude inapropriada ou inadequada”. Agressão física, por exemplo, é considerada pelo colégio como um ato de extrema indisciplina. “Partimos do princípio de que o diálogo precisa ser alimentado, temos o poder da palavra e, se usa de agressividade física, o aluno perde a razão”, completa.

Pais difíceis

Mesmo com um código de conduta, seja em formato de manual ou guia, as escolas enfrentam problemas com pais que tentam justificar o erro dos filhos e fecham os olhos para as normas. “A escola tem que manter aquilo em que acredita, não pode ceder à pressão dos pais. O ideal é que o trabalho seja feito em parceria com as famílias, mas com a escola mantendo a sua linha de atuação, porque os pais são pais, os educadores estão na escola”, alerta Larissa. Ela reforça que, justamente por isso, é fundamental que os pais, ao escolherem a escola, façam a opção de acordo com o que praticam em casa e conforme o que esperam em relação ao processo de aprendizagem.

O diretor do Colégio Sagrado Coração de Maria, Amaro de França, analisa essa questão de forma veemente: “se a escola não sabe para onde vai, fica ao sabor do vento e ao sabor das opiniões dos pais. O diálogo da escola com a fa­mília é fundamental para a construção de sua identidade, mas a escola tem que saber o que ela quer, ter bem definidos seus princípios e valores, pois isso é o nosso norte”. França lembra que, na esfera comportamental, a sociedade vivenciou dois extremos nas últimas décadas. “Havia um modelo de educação muito rígido, de forma até ditatorial, depois migramos para outro extremo: o de não ser responsável pelas atitudes, ser inconsequente e mantendo a visão ‘os outros que se virem’. Essa postura reflete a conjuntura social dos últimos anos, de transformação, em que a velocidade da tecnologia impacta muito no nível das relações, e a escola não fica isenta a essa questão. Hoje, vivenciamos muito a sociedade dos direitos e pouco a sociedade dos deveres, e a escola reflete um pouco desse contexto mais amplo”, considera.

A orientadora Margarete comenta que, na maioria das vezes, os pais são parceiros e buscam na escola um ponto de apoio quando se trata de filhos com problemas de comportamento. “Eles buscam na escola uma ajuda, e, às vezes, vêm nos procurar desesperados”, revela. O colégio tem um procedimento próprio para atender os casos de insubordinação, em que o atendimento começa inicialmente com o próprio aluno, chegando aos pais quando as tentativas iniciais não são satisfatórias. “Os pais gostam muito disso, eles são participativos e agradecem. Muitas vezes, é necessário orientar a família para algumas mudanças na rotina que vão contribuir”, conta.

A psicopedagoga Larissa ressalta a importância do exemplo dos adultos – educadores e pais – para a formação do caráter e da personalidade da criança. Se há tanto desrespeito na escola, será que é esse o exemplo disseminado? “A forma como a gente lida com os problemas, como reagimos quando alguém nos desagrada, toda situação é importante, pois a criança está atenta a tudo e ela aprende pelo exemplo mesmo, pelo que ela vê e vivencia em seu dia a dia. Não adianta o pai falar de um modo e agir de forma contrária”, enfatiza. A valorização dada pelos adultos que convivem com a criança às boas atitudes é um aspecto fundamental, bem como o nível de comprometimento com as questões do cotidiano. “A indisciplina é gerada também por essa fal­ta de responsabilidade que a criança acaba desenvolvendo quando não se compromete. E aí vem aquele pensamento: ‘se eu não resolver, meu pai resolve, alguém resolve”, adverte Larissa. Para ela, quando a escola mantém uma postura firme, com o apoio da família, é possível fazer a criança entender que lá terá que agir assim, o que contribuirá para o sucesso do processo de ensino-aprendizagem e de formação integral do cidadão.

Questões que geram maior preocupação na escola

- Convivência pacífica

- Uso de aparelhos eletrônicos

- Namoro

- Danos ao patrimônio

- Regras comportamentais

A melhor forma de contornar

- Diálogo

- Normas claras e objetivas

- Manuais e guias para divulgação aos alunos e às suas famílias

- Atuação preventiva da escola

- Comprometimento de alunos e pais

 

Leia mais:

- Boa conduta está na lei

 

Matéria publicada na edição de julho de 2013.

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