Cenário educacional no país

Cenário educacional no país

Uma análise crítica do cenário educacional no país

João Pessoa de Albuquerque - Por Alessandra Moura Bizoni - Folha Dirigida - 06/02/2014 - Rio de Janeiro, RJ


Integrante do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro (CEE/RJ), João Pessoa de Albuquerque estará à frente da Associação Brasileira de Educação (ABE) nos festejos dos 90 anos da entidade, uma das mais tradicionais do setor educacional do país. No último dia 29, o educador foi eleito para exercer a presidência do órgão pelos próximos dois anos.

Fundada em 1924, a ABE, também conhecida como “Casa de Anísio Teixeira” realizará, ao longo desse ano, uma série de atividades. Presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) entre os anos de 1953 e 1954, João Pessoa promoverá um encontro com lideranças estudantis de diversas gerações, registrando depoimentos e ampliando o acervo da entidade, considerado de utilidade pública e social pelos governos estadual e federal.

O recente pleito resultou, ainda, no ingresso de novos membros na diretoria que, neste ano, terá a tarefa de elaborar um novo manifesto da educação. “Assim como tivemos o ‘Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova’, estou pensando em submeter à diretoria a ideia de lançarmos um manifesto novo, propondo alterações na educação brasileira”, adiantou o membro do CEE/RJ.

Na entrevista, o presidente da ABE, que atuou durante 35 anos no Colégio Anglo-Americano, trata de assuntos polêmicos como o fim do Enem e do vestibular e a queda da exigência de licenciatura para o exercício do magistério. Outra faceta apresentada pelo educador é a proposta da “pedagogia da alegria”.

Em 2014, a ABE completa 90 anos. Qual o papel da associação para o cenário educacional?

João Pessoa de Albuquerque - Neste ano, a ABE completa 90 anos de existência. E vou exercer sua presidência em uma data muito significativa. A ABE é a mais antiga instituição educacional do gênero. É uma instituição histórica, considerada de utilidade pública pelos governos estadual e federal. Seu acervo foi considerado de interesse público e nacional por um laudo do Conselho Nacional de Arquivos. Esse documento respaldou um decreto do presidente da República, emitido em abril de 2006, considerando o arquivo da ABE de interesse público e social. Essa instituição é um orgulho para o país.

O senhor foi eleito para mais um mandato à frente da Associação Brasileira de Educação (ABE). Quais os seus planos?

Pretendo promover um encontro de lideranças estudantis, reunindo os presidentes de entidades representativas e diretores dos diretórios acadêmicos. Queremos realizar um encontro de gerações com aqueles que lutaram no passado e as atuais lideranças. Além disso, vamos colher depoimentos fazendo um resgate histórico. Também vou aproveitar os festejos dos 90 anos para sugerir à diretoria lançarmos um novo manifesto à nação. Assim como tivemos o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, estou pensando em submeter à diretoria a ideia de lançarmos um manifesto novo propondo alterações na educação brasileira.

E quais serão os principais pontos desse documento?

Vamos discutir o acesso ao ensino superior. Vou apresentar à nova diretoria uma proposta sobre o tema.

E que sugestões o senhor fará?

Na década de 1990, nós da ABE, a Fundação Cesgranrio e a Academia Brasileira de Educação nos reunimos e fundamos um sistema de acesso ao ensino superior chamado Sapiens (Sistema de Avaliação Progressiva de Ingresso no Ensino Superior). A ideia é realizar uma avaliação gradativa do aluno, ao longo do ensino médio, e não de uma vez só como no vestibular ou no Enem. É muito mais inteligente fazer uma avaliação gradativa do que uma avaliação em um instante.

Mas o último Enem registrou mais de sete milhões de inscrições e mais de cinco milhões de candidatos fizeram as provas. Esse não é um volume excessivo de candidatos para que a avaliação seja feita de forma gradativa?

Esse volume cresce porque a avaliação é aplicada uma única vez. O mérito do Sapiens é a implantação de uma avaliação gradativa, realizada ao final de cada etapa. E, após o terceiro ano, o estudante teria um total de pontos acumulados nessa avaliação. Esse método avaliaria melhor os seus conhecimentos. Com a realização de uma única prova, o sistema nervoso fica bem mais abalado do que com exames anuais. Além disso, haveria mais tempo para os alunos realizarem as provas, que poderiam ter um número menor de questões. O conteúdo a ser estudado também seria reduzido.

O senhor acredita que existe a tendência, junto ao poder público, de passar a aplicar o Enem de forma gradativa?

Nos 90 anos da ABE, vou ressuscitar o Sapiens. Vou levantar junto à opinião pública a proposta da avaliação gradativa. Isso representaria o fim do Enem e o fim do vestibular.

E, com essa última eleição, houve mudanças na composição da diretoria?

Sim. Hoje nossa equipe é formada pelos professores Vitor Notrica e José Carlos Portugal, que são os novos membros, e também por Patrícia Lins e Silva, Sohaku Bastos, Delmo Morani, Paulo Alcantara Gomes e Roberto Boclin. A diretoria da ABE tem alta representatividade. Todos eles têm competência.

Quais são as suas principais preocupações como educador e presidente da ABE?

Nós, no Brasil, não temos a educação como prioridade. Já se tornou um componente cultural do país a não-essencialidade do processo de educação. Historiadores que analisaram a formação cultural do Brasil mostram que incorporou-se à nossa cultura a não-essencialidade da educação.

E, na sua avaliação, por que isso aconteceu?

Não se fabrica uma cultura. Ela se forma gradativamente. No Brasil, não havia a obrigatoriedade da matrícula nas escolas; havia a escravatura; os brasileiros, para estudar, iam para Europa. O Brasil, além de nunca ter hierarquizado de modo essencial a educação, é marcado pelas dificuldades de implementar mudanças culturais. A solução seria ter um governante de muito carisma, que conseguisse conquistar a sociedade para operar essa metamorfose.

Quais devem ser as políticas públicas prioritárias na sua avaliação?

Precisamos de muito tempo para modificar uma cultura. Precisamos começar de baixo para cima. Os municípios iniciam as suas transformações, dando exemplo de educação como prioridade, influenciando o estado a seguir essa linha. Nesse caso é muito provável que o desenvolvimento de políticas nos vários estados tenha efeito multiplicador, levando o governo federal a ter a mesma postura. Começando de baixo é possível irradiar, gradativamente, uma nova postura na área educacional. O homem surge de uma célula-mãe, que dá origem ao embrião, que se transforma no feto e por fim em um novo ser. Essa alegoria mostra que tudo que começa pelo começo tem mais possibilidade de se consolidar.

O Brasil amarga os últimos lugares de indicadores de qualidade, como o do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, o Pisa. O que pode ser feito para transformar esse quadro?

Eu tenho um texto em que defendo muito a força da alegria no processo pedagógico. Um deles chama-se “O aprendizado através da emoção” e outro “A força da alegria no exercício da Pedagogia”. Está cientificamente comprovado que a alegria faz bem à saúde. O que aprende com um professor de bom humor, o aluno assimila com muito mais facilidade e boa vontade do que com um professor mal educado, frio. O calor humano é essencial no processo de aprendizagem. É preciso que na sala de aula haja a chamada “bossa da conquista”.

Como o senhor define a “bossa da conquista”?

É o processo de conquista do aluno que vê em seu professor, não apenas um mestre, mas também um ídolo, um ícone. O aluno vai para a aula com alegria pois o docente conquista espíritos e mentes. Isso é muito diferente do que assistir a uma aula em que o professor chega triste, desanimado; vai ao quadro-negro, cumpre seu dever pedagógico e vai embora.

E ao longo de sua trajetória profissional, que característica mais marcante o senhor observou nos educadores?

Tive um mestre que marcou minha formação: Cleóbulo Amazonas Duarte. Ele foi meu professor de História em Santos, onde fui criado. O professor Amazonas, como era chamado, conquistava pela oratória e pela mímica. Ele se dirigia ao aluno de uma forma conquistadora. Ele não era uma estátua no quadro-negro. Era um homem que ria, que se movimentava, que olhava para os alunos e desenrolava a História do Brasil de forma conquistadora. Quando o ensino é humanizado, evidentemente, o interesse pelo aprendizado se multiplica.

O senhor acredita que esse tipo de pedagogia tem condições de ser aplicada nas redes públicas hoje em dia?

Sim. Desde que nos cursos de licenciatura essa tese seja enfatizada. O meu texto “O aprendizado através da emoção”, escrito na década de 80, faz sucesso em vários colégios e até mesmo em igrejas. As pessoas ficam maravilhadas quando o leem e se surpreendem com essa proposta.

E, além de enfatizar a emoção, que outras competências os professores devem apresentar?

Acredito que a transmissão do conhecimento não deve ser feita apenas por quem tem diploma, mas por quem tem a competência comprovada. O magistério deveria ser exercido por quem demonstra comprovadamente a competência e não o diploma. O Brasil despreza a competência. O magistério não deve ser monopólio de diplomados e sim de competentes.

Por quê?

Porque o essencial é ter a competência. Na época em que dirigia o Colégio Anglo-Americano, um físico estava com dificuldades de pagar as mensalidades do filho e propôs, como pagamento, dar aulas de reforço. Aceitamos. Ele era bacharel e não professor, mas foi excelente. Os alunos preferiam as aulas de reforço, oferecidas pelo físico, do que as aulas regulares, oferecidas por um professor licenciado. Esse caso revela a competência que independe do diploma. No caso, dava apenas aulas extras. A carga horária regular era oferecida por um professor licenciado, que tinha seu lugar assegurado.

Os arquivos da ABE são abertos aos educadores. Como tem sido a procura? Que tipo de documentos os estudiosos podem encontrar na instituição?

Os anais dos encontros educacionais, realizados desde a década de 30, e as conferências nacionais de educação, são alguns dos itens mais procurados. Os pesquisadores também consultam, bastante, o original do “Manifesto dos Pioneiros da Educação”. Os pensamentos de Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Cecília Meireles, desses educadores do passado, estão todos lá, guardados. Qualquer estudante, mesmo de graduação e ensino médio, pode procurá-lo. A ABE está sempre de portas abertas.

Pela segunda vez, no governo da presidente Dilma Rousseff, o ministro da Educação foi trocado por conta de reforma política. Como vê esta postura em relação ao MEC?

A simples mudança de nomes não resolve estruturalmente o problema da educação brasileira. É preciso que haja um nome carismático, com força conquistadora, que promova a educação ao lugar que ela merece. Os ministros que têm se sucedido não têm conseguido essa força junto à opinião pública no sentido de transformar a educação no setor mais importante da atividade de um país — como ocorre na Coreia do Sul, por exemplo.

Qual deve ser a prioridade do novo ministro?

O professor é o profissional mais importante de nossa sociedade. E ainda não tivemos no Brasil um ministro ou secretário que tivesse o carisma para enaltecer a figura do professor. Não existe nenhum profissional com o perfil de dimensão tão multiplicadora quanto o professor. Se o professor, no Brasil, tivesse o salário de um procurador do Ministério Público, quem não gostaria de ser professor? O piso salarial do magistério foi para R$1.697, valor não muito distante do piso das empregadas domésticas. Ele deveria ter o maior salário da república, pela sua importância para a sociedade. Não basta enaltecer a figura do professor, é importante valorizá-lo do ponto de vista salarial. O salário maior é de quem tem mais importância. Em uma empresa, o diretor ganha mais do que o servente. E na área da educação, o professor é quase um servente, em termos salariais. O ministro da Educação e os secretários de Educação devem ter como empenho principal a valorização docente. Mas é preciso também aprimorar os cursos de formação que deveriam apresentar abordagens sobre o valor da emoção na abordagem pedagógica. O professor não é apenas o transmissor de conhecimento. Ele é aquele que detém a bossa da conquista.

O Plano Nacional de Educação está há anos no Congresso Nacional e ainda não foi aprovado. De que forma isto reflete a relevância que o setor educacional tem para o país?

Eu não dou muito valor a este e a nenhum outro Plano Nacional de Educação. O último plano, que terminou em 2011, teve apenas 30% das metas cumpridas. Não adianta fazer planos pretensiosos e bonitos se conseguimos cumprir apenas 30% das metas. Não acredito que um plano decenal seja a solução para a educação no país. O grande caminho deve ser aquele trilhado pela Coreia do Sul, pela Finlândia, que é dar através de atos concretos a valorização do setor educacional, começando pelo professor altamente remunerado.

O governador Sérgio Cabral vetou a lei 1.643/08 que transformava o Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro (CEE/RJ) em órgão de Estado. Como integrante do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro (CEE/RJ), o senhor poderia comentar esse episódio?

O veto se deu não pelo mérito e sim porque essa matéria é de competência do Executivo, que deveria ter enviado uma mensagem à Assembleia Legislativa pedindo a alteração. E o que aconteceu foi que a iniciativa partiu do Legislativo. Quando se criam cargos e despesas, a competência é do Executivo.

Que importância essa autonomia financeira e administrativa tem para o CEE/RJ?

Essa lei que não foi sancionada transformava o CEE/RJ de órgão de governo em órgão de Estado. O órgão de governo não tem autonomia e o de Estado sim. O Ministério Público, por exemplo, tem autonomia de ação, de quadro de pessoal, tem dotação orçamentária específica. É esse status que o CEE/RJ assumiria ao ser transformado em órgão de Estado. Hoje o CEE/RJ aprova uma deliberação que só entra em vigor se o secretário estadual de Educação homologar. E isso acontece somente se a assessoria jurídica der o sinal verde. Por isso, a posição do Conselho é castrada por ser órgão de governo e não órgão de Estado.

Na sua avaliação, a autonomia financeira e administrativa do CEE/RJ poderia contribuir para o aprimoramento das políticas públicas na educação fluminense?

Acredito que o Conselho seria muito mais eficaz como órgão de Estado. Poderíamos colocar em vigor deliberações, decisões e pareceres, o que hoje em dia somos impedidos de fazer. O CEE/RJ também não dispõe de funcionários próprios. Temos servidores emprestados, cedidos de outros órgãos públicos. Ou seja, o órgão normativo da educação do Estado não tem quadro de pessoal próprio, não tem dotação orçamentária específica e não tem autonomia.

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