Meu professor tem 13 anos

Meu professor tem 13 anos

Da mesma forma que muitos dos leitores, tenho dois filhos em idade pré-adolescente. Uma experiência ímpar em todos os sentidos. Para nós, educadores, então, um laboratório de observação sem igual. Lembro-me de quando Júlia, a mais nova, interveio numa conversa entre os “adultos” da casa para fazer uma observação sobre a cultura Maia e me deixou de boca aberta. Tinha apenas 6 anos na época. Intrigado, perguntei se havia aprendido aquilo na escola e, de repente, ela soltou: “não papai, foi no Discovery Kids”.

Algumas conversas depois e lá veio ela com outra consideração desse naipe. De novo perguntei: sua professora te disse isso? E ela novamente soltou: “não papai, passou no programa ‘X’, do Disney Channel”. Bingo. Aí me perguntei: continuo pagando a escola ou somente a TV a cabo?

Ainda com aquilo girando pela cabeça saí com o Rafa, o mais velho, na época com 8 aninhos. Enquanto dirigia, emprestei-lhe meu novo smartphone e disse que tinha um joguinho legal para ele brincar. Comentei que, depois de pelo menos uma hora jogando, ainda não tinha conseguido avançar a primeira fase. Pelo retrovisor, podia vê-lo no banco de trás, concentrado, “fuçando” o celular. Quando chegamos ao destino, perguntei a ele: “conseguiu encontrar o joguinho? Tentou jogar”? E ele me respondeu, com a maior naturalidade: “tô na fase 3”.

Hoje em dia, já com 13 anos, ele é meu consultor de mídias. Me ensina a jogar aqueles games que exigem atenção múltipla, destreza manual e raciocínio extremamente rápido para tomar decisões. Me mostra como baixar filmes, instalar softwares e coisas do gênero. Quando pergunto a ele como descobriu determinados “atalhos” no game, ele simplesmente responde: “ué, pai, digita aí no Google: manhas do game ‘X’, que você acha. Aproveite e assista a uns vídeos no Youtube sobre o joguinho. O que eu não descobri, encontrei ao entrar em uma comunidade com outros jogadores, que me ensinaram”. Xeque-mate.

Estou dizendo tudo isso apenas para ilustrar como as novas gerações aprendem e lidam com o conhecimento. Chegam ao ponto de uma criança de 8 anos ensinar a outras, das mais variadas idades. A escola já não é mais o centro das atenções e da aprendizagem, embora esteja lá para cumprir a missão de ensinar. As novas gerações “se viram” de outras formas e o resultado final é extremamente próximo daqueles alcançados pela escola. Às vezes, até melhor.

Recentemente, assisti a uma palestra do indiano Sugata Mitra, na plataforma de conhecimento TED – Ideas Worth Spreading (Veja no site da Gestão Educacional: http://tinyurl.com/mbj9ag9), na qual ele relata situações semelhantes e suas experiências nesse universo. Fala sobre o modelo que suporta as escolas e de como preparamos nossos alunos para serem iguais uns aos outros. Comenta sobre a capacidade das novas gerações em experimentar e aprender sozinhas ou com a ajuda de outras crianças e agentes, que não aqueles da escola formal.

Assim como ele, tente disponibilizar a uma criança em idade escolar um computador e veja o que acontece. Se os programas estiverem em outro idioma, não há problema. Eles dão um jeito. Você se surpreenderá com o que essa criança fará num curto espaço de tempo.

A moral da história é que a lógica do nosso sistema educacional e, em particular das nossas escolas, não se sustenta mais. É preciso incorporar novos paradigmas e começar a trabalhar noutra direção. Pergunto: por que nossas escolas dividem as turmas de acordo com a faixa etária, por exemplo? Certamente não faltarão argumentos de professores e pedagogos para justificar essa premissa. Não os discuto. Apenas questiono se isso traz, de fato, resultados acima daqueles que seriam obtidos no caso de um grupo mais diversificado. Afinal, em casa, os irmãos geralmente aprendem uns com os outros, sem que tenham a mesma idade. As trocas e experiências nesse sentido são ricas.

Os resultados apresentados por Sugata Mitra, os quais compartilho, permite-nos pensar realmente diferente. Os maiores ensinando os menores. Os menores questionando os mais velhos e instigando-os a buscar respostas. Por que não?

As tecnologias estão à disposição para novas experiências de ensino-aprendizagem, mas, antes de qualquer coisa, é preciso mudar o olhar. Ousar. Arriscar passos novos. Enxergar o que está acontecendo e, com base nisso, dar forma às novas maneiras de aprender, fundamentando-se nas novas premissas. E aí, sim, gerir um novo negócio chamado, quem sabe, “escola”.

 

Artigo publicado na edição de agosto de 2013.

http://www.gestaoeducacional.com.br/index.php/colunistas-ge/marcelo-freitas/438-meu-professor-tem-13-anos




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