Pesquisa com alunos na Rocinha

Pesquisa com alunos na Rocinha

Pesquisa na Rocinha mostra que 10,9% dos alunos faltam muito e 3% abandonam a escola

A dificuldade para manter as crianças e adolescentes em colégios faz com que pais peçam socorro ao Conselho Tutelar da comunidade

Fonte: O Globo Online   06 de julho de 2014

Todos os dias de manhã, Elenice Oliveira da Silva, de 54 anos, moradora da Rocinha, acorda antes das 5h, faz o café da manhã e deixa o uniforme do neto X., de 13 anos, em cima da cama dele. Há mais de um mês ele não vai à escola, mas ela não desiste. No fim do ano passado, quando o menino foi escolhido para atuar num filme sobre a vida de Pelé, no qual faria o papel do ex-craque quando criança, veio a surpresa: apesar de estar no 3º ano do ensino fundamental, X. ainda não sabe ler nem escrever.

São alunos como ele - que, apesar de estarem matriculados, quase não comparecem às aulas - que a PUC passou a pesquisar, pois não constam das estatísticas oficiais. O trabalho está só no começo. Mas, de acordo com levantamento feito num colégio que atende 430 alunos da Rocinha, 47 (10,9%) pouco frequentam as aulas (são os que o estudo chamou de "infrequentes", com mais de 25% de faltas). Além disso, 13 (3%) já abandonaram os estudos.

Mas o cenário pode ser ainda mais preocupante. Segundo o coordenador da pesquisa, o sociólogo Marcelo Burgos, os dados já levantados devem ser somados aos de um censo feito pelo governo estadual em 2008 na comunidade. Esse levantamento mostrou que 18% das crianças e adolescentes em idade escolar (entre 7 e 14 anos) estavam fora da sala de aula. Se os números encontrados agora pela PUC numa só unidade de ensino se repetirem nas demais que atendem os moradores da favela, cerca 32% das crianças e adolescentes seriam "infrequentes" ou já estariam fora do colégio.

O que motivou a pesquisa atual, segundo Marcelo, foi o assassinato de Alan de Souza, de 12 anos, em março do ano passado. O corpo do menino, morador da Rocinha, foi encontrado na Vista Chinesa. Os autores do crime ainda não foram identificados, mas o pesquisador e sua equipe concluíram que, se o adolescente estivesse frequentando a escola, talvez não tivesse engrossado as estatísticas de homicídios.

- A PUC se envolveu na pesquisa porque a Rocinha está no quintal da universidade. Os dados da infrequência, que são difíceis de enxergar, e da evasão escolar não denunciam o fracasso da escola, mas sim da sociedade e do poder público em criar condições para manter os alunos no colégio - avalia Marcelo.

O sociólogo acrescenta que um dos objetivos da pesquisa é fornecer dados ao Conselho Tutelar da Rocinha, para que ele possa atuar com mais eficiência, entrando em contato com as famílias desses alunos, para levá-los de volta às salas de aula.

Segundo Elenice, seu neto de 13 anos passa o dia todo dormindo. Ela já pensou até em bater nele, mas lembra que a lei a impede de fazer isso.

- Eu sempre falo com ele: "Você tem que estudar". Mas ele não ouve os mais velhos. Agora está muito assustado. Há cerca de 15 dias, a PM pegou o meu neto com uma quantidade pequena de droga perambulando perto do meu trabalho. Eu já tinha ido embora. Meteram meu neto na viatura e rodaram com ele até a Vista Chinesa. Brincaram com a vida do meu neto. Ele é um bom menino - diz Elenice, com lágrimas nos olhos, acrescentando que o adolescente ficou internado no Instituto Padre Severino, na Ilha do Governador, cumprindo medida socioeducativa.

O sentimento de culpa vem de imediato. Elenice se lembra de quando também ficou presa por tráfico, de 1997 a 2005.

- Às vezes, fico pensando se ele é assim por causa da minha história. Não sei se é de sangue. Eu fui viciada e vendia drogas, mas mudei pela minha família. A minha filha bebe muito. Eu sou a estrutura da família e tenho que cuidar de três netos. Tive que provar para todo mundo que sou outra pessoa, arrumei emprego. Fui presa injustamente numa segunda vez. Os meus erros eu assumo - conta ela, que é zeladora de dois prédios no Leblon.

Nas mãos, Elenice tem uma carta da coordenação da escola de outro neto, Adriano Silva, de 8 anos, que cursa o 1º ano e, assim como X., não sabe ler, nem escrever. A zeladora esteve no colégio e foi aconselhada, por uma professora, a procurar uma psicóloga para o garoto, porque ele estaria beliscando outros meninos. Na opinião de Elenice, as escolas precisam criar mais atrativos para os alunos e ter psicólogos.

Perguntado por que machucava os colegas de turma, o menino responde:

- Eles me chamam de Adriana. Não gosto de estudar. Não gosto da escola.

O aparente bullying sofrido por Adriano afastou Josiane Gomes, de 8 anos, da escola no ano passado. Ela era chamada de gorda pelos colegas e, como reagia, agredindo-os, costumava ficar de castigo. Segundo a mãe da estudante, a dona de casa Jeane Gomes, de 35 anos, a direção do colégio tirou a menina do período integral e, no ano passado, a proibiu de participar de passeios, por causa do seu comportamento.

- Ela não queria mais ir à escola. Ficava acordada a noite inteira jogando no iPad, debaixo do edredom. Josiane ficou doente. Como ela faltou muito, quase perdeu a vaga na escola. Foi encaminhada para uma psicóloga, porque disseram que ela não se concentrava. O Conselho Tutelar está nos ajudando. Ela voltou para a escola, e a nova professora dá atenção a ela - contou Jeane.

A menina comemora.
- Tirei o primeiro 10 da minha vida! - disse ela, que cursa o 1º ano e também não sabe ler, nem escrever.


MORADORES CORREM AO CONSELHO TUTELAR

A mãe conta que a filha sonha em frequentar as aulas de teatro da escola, mas não tem oportunidade. Quando não está no colégio, Josiane passa o dia numa casa de cerca de nove metros quadrados. O quarto não tem janelas e é iluminado o dia todo por uma lâmpada e uma TV de 42 polegadas de LCD. Para arejar o local, o ar-condicionado permanece sempre ligado.

Jeane não deixa a menina sair de casa, pois teme tiroteios na Rocinha. A maior parte do tempo, Josiane vê filmes de terror no tablet e, desde que melhorou o desempenho na escola, encostou num canto o boneco Meu Bebê, cuja barriga está em farrapos pelos golpes de tesoura que desferiu nele. O rosto do brinquedo é repleto de marcas feitas com caneta.

A dificuldade para manter as crianças e adolescentes na escola faz com que todos peçam socorro ao Conselho Tutelar da Rocinha. O conselheiro Edmilson Ventura já perdeu as contas do número de vezes em que precisou subir o morro para buscar as famílias e servir de intermediário entre elas e as escolas:

- O fato de estarmos, desde novembro do ano passado (quando o órgão se mudou para um prédio em frente à favela), quase dentro da Rocinha ajuda muito. Nós fomos abraçados pela população. São muitos os problemas, desde conflitos familiares à falta de infraestrutura. Mas ainda há quem pense que o Conselho Tutelar é uma espécie de polícia, quando estamos aqui para servir de facilitadores - explica Edmilson.

Vítima de uma denúncia no Conselho Tutelar, Margareth Ferreira imaginava que a instituição tinha poder de polícia e ia puni-la pelo fato de o filho de 9 anos nunca ter frequentado o colégio. O menino não tinha o nome de Margareth na certidão de nascimento, apesar de ela ser a mãe biológica. O que aconteceu é que, ao dar à luz, ela usou a identidade de uma amiga, por não ter documentos. Quando soube do caso, o Conselho Tutelar pediu uma vaga para o garoto na escola. Atualmente, Margareth luta na Justiça para ter o nome dela na certidão de nascimento da criança.

Segundo a Secretaria municipal de Educação, a evasão escolar na Rocinha, em oito unidades que atendem a região, foi de 6,04% em 2009, caindo para 3,75% no ano passado. O órgão não tem dados sobre infrequência. A subsecretária de Educação, Jurema Holperin, afirma que não faltam vagas e ressalta que a prefeitura tem várias ações para manter os alunos em sala de aula:

- Buscamos um ambiente mais agradável, com novas tecnologias, para tornar a escola atrativa. A questão da evasão escolar não é fácil, principalmente numa cidade como a nossa, com muitos atrativos. Muitas crianças e adolescentes acabam saindo. A nossa proposta é criar alternativas, novos programas. Temos um programa de mães voluntárias, que observam e procuram na comunidade esses alunos que faltam às aulas. Numa rede muito grande como a nossa, às vezes as orientações não chegam a todos, se dispersam. Se a gente sabe que tem um processo de evasão, é preciso verificar o que faltou à escola para ser mais interessante.




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