Fala, professor!

Fala, professor!

 Escrito por Carolina Mainardes

Condições de trabalho longe do ideal: salas de aula lotadas, instalações inadequadas, carga horária excessiva e estresse constante estão colocando em risco o instrumento de trabalho do professor: a voz. A constatação alarmante está presente nos consultórios de fonoaudiólogos e otorrinolaringologistas, bem como em estudos sobre a qualidade de vida e saúde do professor. Segundo pesquisa do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), publicada em março de 2007, 57,1% dos professores apontaram os problemas vocais entre as principais queixas relacionadas à saúde.

O mau uso da voz ameaça o desempenho profissional e pode chegar até a fazer com que o docente seja obrigado a desistir da carreira. “É muito angustiante você fazer todo um investimento na sua profissão e, no futuro, pensar que seu principal instrumento de trabalho lhe falte e você tenha que mudar de ocupação”, adverte a fonoaudióloga Fabiana Zambon, especialista em Voz, mestre e doutoranda em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Por perceber a tempo que estava com um problema vocal, Solange Steiner, professora de uma escola particular de São Paulo, trabalha hoje consciente dos cuidados que deve ter com a voz. Há 17 anos no magistério, ela acredita que os educadores precisam mudar o olhar sobre a profissão. “O professor está sempre preocupado com sua formação intelectual, em fazer cursos e mais cursos, mas não se preocupa com o corpo e a mente. Porém, não cuidar da sua formação integral tem um preço”, ressalta.

Solange despertou para o seu problema ao assistir o vídeo Minha voz, minha vida (disponível em http://youtu.be/d9e4oHqtIXY). produzido por meio do Programa de Saúde Vocal do Sindicato dos Professores de São Paulo (Sinpro-SP). “Fui me identificando com muitas situações do vídeo e percebi há quanto tempo vinha apresentando sinais e não tinha feito absolutamente nada”, conta. Rouquidão constante – “a gente aprende a conviver com ela”, diz a professora –, cansaço e irritação estão entre os sintomas que faziam parte da sua rotina. Ao procurar uma fonoaudióloga, foi encaminhada a uma otorrinolaringologista, e veio o diagnóstico: Solange estava com uma pequena fenda nas cordas vocais. Hoje, faz acompanhamento e garante que o principal trunfo está na mudança de atitudes: “não tento falar mais alto que meus alunos, procuro nunca subir meu tom de voz em classe, crio estratégias para conseguir a atenção do grupo e não chamo mais o aluno, vou até ele. Poupo minha voz”, ensina. Ela também pratica exercícios vocais indicados pela fonoaudióloga. Como conselho aos colegas de profissão, Solange é categórica: “O professor está sempre adiando, mas nesse caso não dá para esperar ou se perde a chance de resolver o problema a tempo.”

Ameaça

A rotina do professor em sala de aula merece atenção para que não acabe se tornando uma ameaça à sua saúde e ao uso correto da voz. De acordo com a fonoaudióloga Maria Carolina Furlan, de São Paulo (SP), o tempo prolongado de uso da voz é a principal causa dos problemas. “O professor, em geral, dá ao menos seis aulas ao dia e, muitas vezes, torna-se o foco principal da aula, tendo que falar bastante e muito alto”, comenta, referindo-se às salas com número grande de alunos, o que gera uma competição sonora. O estresse também é outro grande motivador de problemas vocais, segundo a fonoaudióloga.

Os nódulos vocais são os principais problemas registrados entre os docentes. A rouquidão é um dos sintomas básicos apresentados por aqueles que podem ter o problema, seguido da soprosidade. Esses sintomas indicam que é necessário esforço para falar e o organismo está compensando a tensão das cordas vocais. “Os nódulos vocais são resultado do abuso e do mau uso da voz”, alerta Maria Carolina. Deve ficar atento o profissional que sente a voz oscilante, mais fraca no final do dia, com demora na recuperação, sintoma acompanhado de muito cansaço.

De acordo com o médico otorrinolaringologista Gustavo Korn, diretor da Academia Brasileira de Laringologia e membro da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial, o ideal é que o professor consiga fazer uso da voz sem agredi-la. “Há cuidados e dicas importantes que ajudam muito a prevenir lesões como os nódulos nas cordas vocais, problema mais comum”, relata. E alerta que, em casos de rouquidão por mais de 15 dias, é imprescindível buscar orientação médica. “Se o paciente demora a procurar um médico, pode ser surpreendido com um diagnóstico de doença mais grave como o câncer de laringe”, enfatiza. No caso específico do câncer, as chances de cura são grandes quando o diagnóstico é precoce.

Korn comenta, ainda, que todos os sintomas são importantes e devem ser valorizados. “O fundamental é não demorar para iniciar um tratamento médico”, recomenda. Entre as principais orientações destacadas pelo médico estão evitar gritar ou pigarrear. “Estas são posturas que agridem as cordas vocais”, frisa. Por outro lado, ele adverte que cochichar ou falar baixo demais também não é recomendado. “É uma atitude que prejudica ainda mais a voz”, revela.

Qualidade de vida

Para evitar problemas com a voz, a fonoaudióloga Maria Carolina sugere hábitos simples e saudáveis que devem fazer parte da rotina do professor. “Uma boa noite de sono e alimentação leve são fundamentais”, observa. Segundo ela, a alimentação mais pesada pode levar a problemas como o refluxo gastroesofágico, que também resulta em lesões nas cordas vocais. Beber muita água para se manter hidratado é outra dica valiosa. Para garantir resultados eficientes, esses hábitos devem ser acompanhados de dinâmicas dentro da sala de aula, a fim de garantir a preservação da voz. “É essencial criar estratégias para que não apenas o professor fale durante as aulas”, orienta. Entre as ações sugeridas estão formação de grupos de discussão, realização de seminários e atividades com vídeo. Além disso, o docente deve falar sempre de frente para os alunos e nunca enquanto estiver escrevendo na lousa, para evitar a elevação da voz e a aspiração do pó do giz. Exercícios de aquecimento vocal também são indicados, mas sempre com orientação de um fonoaudiólogo.

A fonoaudióloga Fabiana, que também coordena o Programa de Saúde Vocal do Sinpro-SP, defende o uso do microfone para que o professor não force tanto a voz enquanto dá aulas. “O ambiente da sala de aula é desfavorável, com muitos ruídos, barulho interno e externo”, comenta. Ela recomenda que o professor fale somente o necessário e que até as conversas durante os intervalos devem ser evitadas. “É importante fazer um repouso vocal”, acrescenta.

Também devem ser descartados o fumo e o consumo exagerado de bebidas alcoólicas e, nos casos de infecção das vias aéreas superiores (como resfriados, gripes e sinusites) ou sintomas de Tensão Pré-Menstrual (TPM), é imprescindível que a voz seja poupada.

Prevenção

As condições desfavoráveis do ambiente de trabalho e a falta de conscientização do próprio professor sobre a importância do uso correto da voz chamam a atenção para a falta de prevenção dos problemas vocais. “Os professores sabem que não podem trabalhar sem a voz, mas não conseguem se mobilizar para cuidar dela. Acham que é assim mesmo”, ressalta Maria Carolina. Ela acredita que ações de orientação e prevenção deveriam fazer parte da formação destes profissionais. “Geralmente, o professor procura orientação quando já está com alguma alteração. Seria fundamental que ele aprendesse a usar a voz, bem como estratégias para cuidar dela desde o início e durante toda sua vida profissional”, observa.

Fabiana afirma que são poucas as escolas que têm ações direcionadas aos cuidados com a voz. “O professor grita porque não teve um treinamento básico para saber como usar sua voz”, adverte. Ela enumera ações que seriam muito efetivas no ambiente escolar para reduzir os problemas como a instalação de microfones nas salas de aula. “Mas, para isso, também seria necessário um treinamento dos professores”, completa. Além disso, preparar as salas de aula para que tivessem menos ruídos. Ela também defende uma orientação desde a formação do professor: “seria essencial uma disciplina para percepção da voz e da comunicação”.

 

Matéria publicada em maio de 2012.

http://www.profissaomestre.com.br/index.php/especiais/saude-do-professor/436-fala-professor




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