Recomendação da Promotoria

Recomendação da Promotoria

Recomendação  da Promotoria da Infância e Juventude de Santo Angelo.

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RECOMENDAÇÃO 

 

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, por sua Promotora de Justiça de Santo Ângelo/RS, no uso de suas atribuições legais, com fundamento no artigo 27, parágrafo único, inciso IV, da Lei Federal nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) e artigo 201, § 5º, alínea “c”, do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), e

CONSIDERANDO que a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente garantem a toda criança e adolescente, com absoluta prioridade, a efetivação de direitos fundamentais;

CONSIDERANDO que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA);

CONSIDERANDO que o ECA, no art. 101, prevê medidas de proteção a serem aplicadas pelo Conselho Tutelar, ou, na ausência deste, pela autoridade judiciária, à criança e ao adolescente, sempre que seus direitos forem ameaçados ou violados;

CONSIDERANDO que tem ocorrido, com certa frequência, a prática de atos infracionais e/ou de indisciplina nas dependências de certas escolas desta Comarca, sem que se saiba, exatamente, como proceder em tais situações;

CONSIDERANDO que existe a visão equivocada de que o ECA é uma lei que apenas contempla direitos a crianças e adolescentes, e que, de certo modo, tem contribuído para o aumento dos atos de indisciplina ocorridos nas escolas e que alunos e educadores não conseguem distinguir o ato de indisciplina do ato infracional;  

CONSIDERANDO que a Constituição Federal, no art. 205, estabelece que a educação, direito de todos e dever do Estado, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho; 

CONSIDERANDO que a finalidade principal da educação é a preparação para o exercício da cidadania, e que, para ser cidadão, são necessários sólidos conhecimentos, memória, respeito pelo espaço público, um conjunto mínimo de normas de relações interpessoais, e diálogo franco entre olhares éticos;

CONSIDERANDO que a relação estabelecida entre o adolescente, o ato infracional e a escola merecem atenção especial, pois é fundamental para o encaminhamento de políticas públicas voltadas à questão social e educacional, possibilitando uma atuação preventiva, direcionada para os problemas detectados; 

CONSIDERANDO que, dos direitos, o aluno cidadão tem ciência, mas de seus deveres, do respeito ao conjunto mínimo de normas de relações interpessoais, nem sempre se mostra cioso, surgindo, assim, a indisciplina, como uma negação da disciplina, do dever de cidadão, e, desta forma, indiretamente, o Estatuto e demais leis tratam da questão disciplinar, como uma afronta ao dever de cidadão, sendo que um dos papéis da escola centra‑se nesta questão, ou seja, de con­tribuir para que o aluno‑cidadão tenha ciência de seus direitos e obrigações, sujeitando‑se às normas legais e regimentais, como parte de sua formação e, dentro deste contexto, crianças e adolescentes devem ser encarados como "sujeitos de direitos e também de deveres, obrigações e proibições contidos no ordenamento jurídico" e regimentos escolares, podendo cometer um ato infracional ou um ato indisciplinar quando não atentam para a observância de tais normas; 

CONSIDERANDO que o art. 103 da Lei 8.069/90 dispõe que “considera-se ato infracional a conduta descrita na lei como crime ou contravenção penal”; 

CONSIDERANDO que o conceito de indisciplina é mais tormentoso, e, segundo o Di­cionário Aurélio, disciplina significa · Regime de ordem imposta ou livremente consentida, · Ordem que convém ao funcionamento regular duma organização (militar, escolar, etc.), · Relações de subordinação do aluno ao mestre ou ao instrutor, · Observância de preceitos ou normas, · Submissão a um regulamento; e que  indisciplina significa · Procedimento, ato ou dito contrário à disciplina; desobediência; desor­dem; rebelião; e que Içami Tiba define disciplina como (o) conjunto de regras éticas para se atingir um objeti­vo. A ética é entendida, aqui, como o critério qualitativo do comportamento humano envolvendo e preservando o respeito, ao bem estar biopsicossocial, apontando como causas da indisciplina na escola as características pessoais do aluno (distúrbios psiquiátricos, neurológicos, deficiência mental, distúrbios de personalidade, neuróticos), característicos relacionais (distúrbios entre os próprios colegas, distorções de auto estima) e distúr­bios e desmandos de professores; 

CONSIDERANDO que, segundo Yves de La Taille, se entendermos por disciplina comportamentos regidos por um conjunto de normas, a indisciplina poderá se traduzir de duas formas: 1) a revolta contra estas normas; 2) o desconhe­cimento delas. No primeiro caso, a indisciplina traduz‑se por uma forma de desobediência insolente, no segundo, pelo caos dos comportamentos, pela desorganização das relações, sendo que, numa síntese conceitual, a indisciplina escolar se apresenta como o descumprimento dos normas fixados pela escola e demais legislações aplica­das (ex. Estatuto do Criança e do Adolescente ‑ ato infracional), tra­duzindo-se num desrespeito, "seja do colega, seja do professor, seja ainda da pró­pria instituição escolar (depredação das instalações, por exemplo), mostrando-se perniciosa, posto que sem disciplina há poucas chances de se levar a bom termo um processo de aprendizagem, sendo que a disciplina em sala de aula pode equivaler à simples boa educação: possuir alguns modos de comportamento que permitam o convívio pacífico”; 

CONSIDERANDO que nem todo ato de indisciplina corresponde a um ato infracional, e que um mesmo ato pode ser considerado como de indisciplina ou ato infracional, dependendo do contexto em que foi praticado, a exemplo de uma ofensa verbal dirigida ao professor, que pode ser caracterizada como ato de indiscipli­na, e, dependendo do contexto e do tipo de ofensa, bem como da forma como foi dirigida, pode ser caracterizada como ato infracional ‑ desacato, e que, para cada caso, os encaminhamentos são diferentes; 

CONSIDERANDO que o ato infracional é perfeitamente identifi­cável na legislação vigente, enquanto que o ato indisciplinar deve ser regulamentado nas normas que regem a escola, assumindo o regimento escolar papel rele­vante para a questão;       

CONSIDERANDO que ao ato infracional praticado por criança (de 0 a 12 anos incompletos) corresponderão às medidas previstas no art. 101 do ECA (art. 105 da Lei 8.069/90) e que, verificada a prática de ato infracional por adolescente (de 12 a 17 anos), a autoridade competente poderá aplicar uma das medidas socioeducativas previstas  pelo art. 112 da mesma lei;

CONSIDERANDO que, para a aplicação das medidas a crianças ou adolescentes envolvidos em ato infracional, é necessária a observância dos procedimentos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente;

CONSIDERANDO que ao ato de indisciplina aplicam-se as sanções  disciplinares, com a observância da Constituição Federal, em seu art. 5º, incisos LIV e LV, que garante a todos o direito ao devido processo legal, ao contraditório e a ampla defesa

CONSIDERANDO que compete ao Ministério Público tornar efetivo o respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e aos adolescentes;

CONSIDERANDO que a indisciplina, assim como o ato infracional, transita indistintamente nas escolas públicas e privadas, oriundo da questão econômica ou social, dada a relação existente com o aluno, e que, na verdade nossas escolas podem se constituir em espaços onde a cultura e as experiências dos alunos e dos professores (seu modo de sentir e ver o mundo, seus sonhos, desejos, valores e necessidades) sejam os pon­tos basilares para a efetivação de uma educação que concretize um projeto de emancipação dos indivíduos, e, ainda, que a conquista da cidadania e de uma escola de qualidade é projeto co­mum, sendo que, no seu caminho, haverá tanto problemas de indisciplina como de ato infracional sendo necessário enfrentá‑los e superá‑los, como um grande desafio, e, 

CONSIDERANDO, por fim, os constantes atendimentos desta Promotoria de Justiça que buscam informações quanto ao procedimento a ser tomado contra atos de indisciplina e atos infracionais cometidos por alunos no interior das Escolas;  o MINISTÉRIO PÚBLICO

 

RECOMENDA

Ao Coordenador Regional de Educação de Santo Ângelo/RS – 14ª CRE;  ao Secretário Municipal de Educação e aos Diretores dos estabelecimentos de ensino da rede pública da Comarca de Santo Ângelo-RS, que: a) positivem as normas de convivência no regimento escolar dos referidos estabelecimentos de ensino, atendendo ao Parecer n.º 820/2009 do Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul (CEE/RS); e b) sigam as instruções abaixo, nas situações de atos infracionais ou de indisciplina que eventualmente venham a ser praticados nas dependências dos Estabelecimentos de Ensino pelos alunos:

1 - O ato infracional (conduta descrita na lei como crime ou contravenção penal), praticado por adolescente entre 12 e 18 anos no interior da escola, deve ser analisado pela direção com base na sua gravidade, a fim de que seja realizado o encaminhamento correto.

2 - Verificados os casos de maior gravidade, devem estes ser levados ao conhecimento da autoridade policial, para que esta providencie a elaboração do Boletim de Ocorrência e a requisição dos laudos necessários à comprovação da materialidade do fato, requisito imprescindível no caso de instauração de processo contra o adolescente, visando a aplicação de medida socioeducativa. 

Assim ocorre, entre outras hipóteses, nos casos de:

¨lesão corporal em que a vítima apresenta sinais da agressão, em razão da necessidade de laudo de exame de corpo de delito;

¨homicídio em que a vítima deve ser submetida a laudo de exame cadavérico;

¨porte para uso ou tráfico de entorpecentes, pois a autoridade policial realizará a apreensão da droga e irá requisitar o laudo de exame químico toxicológico;

¨porte de arma, vez que é necessária a apreensão da arma que será submetida a exame pelo instituto de criminalística (as revistas devem ser feitas em local reservado, sem constrangimento ao aluno);

¨porte de explosivos ou bomba caseira, pois também é necessária a apreensão do material que será objeto de exame pelo instituto de criminalística;

¨dano intencional ao patrimônio público ou particular, em que deverá ser efetuado o levantamento do local.

Parágrafo Único - O ato infracional deverá ser narrado de modo detalhado, sendo necessária a qualificação completa do adolescente (nome, filiação, data de nascimento, endereço completo), indicando a data, o horário, o local, o nome dos alunos ou professores que foram VÍTIMAS e testemunhas (ex.: professor ou funcionário que presenciou, com qualificação completa), bem como eventuais danos causados ao patrimônio da escola ou de terceiros.

3 - Os casos de comportamento irregular e indisciplina apresentados pelos alunos devem ser apreciados na esfera administrativa da escola, aplicando as sanções previstas no regimento escolar.

4 – As providências referidas no item 2 devem ser tomadas, independente das consequên­cias na área administrativa escolar. Assim, um adolescente infrator que co­meteu ato infracional grave na Escola, será responsabilizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, sem prejuízo das sanções disciplinares a se­rem impostas pela Escola. Entretanto, se o ato for de indisciplina (e não ato infracional) praticado por criança ou adolescente, a competência para apreciá‑lo é da própria es­cola.

 § 1º - A falta disciplinar deve ser “apurada pelo Conselho de Escola ou outra instância indicada no regimento escolar (sob pena de violação do verdadeiro princípio insculpido no Art. 5º, LIII, da Constituição Federal) que, em reunião específica deverá deliberar sobre as sanções a que os mesmos esta­riam sujeitos, dentre as elencadas no Regimento escolar, após assegurada a ampla defesa e o contraditório”. 

§ 2º - A infração disciplinar deve estar prevista no regimento escolar, e o procedimento para a aplicação de sanção disciplinar deverá obedecer rigorosamente ao princípio da legalidade, com a observância da Constituição Federal, em seu Art. º, incisos LIV e LV, que garantem a todos o direito ao devido processo legal, ao contraditório e a ampla defesa;

§ 3º - Em qualquer circunstância, quer seja em relação ao ato infracional, quer seja em relação ao ato de indisciplina, a escola deve ter presente o seu caráter educati­vo/pedagógico, e não apenas o autoritário/punitivo.

§ 4º - Em qualquer hipótese, os pais ou responsável pela criança ou adolescente deverão ser notificados e orientados, bem como deverão acompanhar todo procedimento disciplinar, podendo juntamente com seus filhos interpor os recursos administrativos cabíveis (conforme art. 53, parágrafo único, e art. 129, inciso IV, ambos da Lei nº 8.069/90).

5 – A Escola deverá abrir um livro próprio para o registro de todas as ocorrências tratadas na presente recomendação.

6 – A prática de atos infracionais ou de indisciplina não pode resultar na aplicação, por parte das autoridades escolares, de sanções que impeçam o exercício do direito fundamental à educação por parte das crianças ou adolescentes acusados, que deverão ser submetidos, pelos órgãos competentes, a uma completa avaliação sob os pontos de vista pedagógico e psicológico, de modo a apurar as necessidades especiais que porventura apresentem, com o posterior encaminhamento aos programas de orientação, apoio, acompanhamento e tratamento adequados à sua peculiar condição (conforme art. 100 da Lei nº 8.069/90).

7 – Tendo em vista a necessária preocupação em prevenir a ocorrência de atos de indisciplina ou infracionais, a direção da escola e os professores deverão procurar, a todo momento, orientar os alunos acerca do binômio direitos x deveres, incutindo em todos, noções básicas de cidadania, como aliás é exigência da Constituição Federal (em seu art. 205), Estatuto da Criança e do Adolescente (em seu art .53, “caput”), Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e Declaração Universal de Direitos Humanos, promovendo a cultura da paz nas escolas.

8 – Ainda no mesmo sentido, a Secretaria de Educação competente deverá promover uma articulação (conforme art. 86 da Lei nº 8.069/90) com órgãos públicos responsáveis pela saúde e serviço social, de modo a permitir o rápido encaminhamento, diretamente pelas Escolas ou, se necessário, pelo Conselho Tutelar, de casos de crianças e adolescentes nos quais sejam detectados distúrbios de comportamento que demandem avaliação e eventual tratamento, sem prejuízo de também assim agirem quando já caracterizada a prática do ato de indisciplina ou infracional. Os órgãos de saúde e serviço social que receberem crianças e adolescentes encaminhados pelas Escolas ou Conselho Tutelar, por sua vez, deverão zelar para que o atendimento seja prestado de forma célere e prioritária, tal qual preconiza o art. 4º, parágrafo único, alínea “b”, da Lei nº 8.069/90 e art. 227, “caput”, da Constituição Federal.

Santo Ângelo, 05 de julho de 2011.

Rosangela Corrêa da Rosa,

Promotora de Justiça.

 

 

 

 

 

 

 




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