Leitura, o segredo da redação

Leitura, o segredo da redação

Leitura, o segredo da redação nota mil no Enem

Candidatos que gabaritaram comentam prova e dizem que tema foi mesmo mais difícil

Fonte: O Globo (RJ)    15 de janeiro de 2015

 

Estar entre os 250 felizardos que obtiveram a nota máxima (mil) na redação do Enem 2014, num universo de 5,9 milhões de candidatos que tiveram seus textos corrigidos, surpreendeu muitos deles. Os cariocas Carlos Eduardo Lopes Marciano, de 19 anos, e Maria Eduarda de Aquino Correa Ilha, de 18, conseguiram o feito. Ambos fizeram o exame pela segunda vez, apesar de já terem sidos aprovados para cursos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com as notas do Enem 2013.

Ao GLOBO, ambos analisaram seu desempenho e arriscaram explicações para o bom sucesso mesmo diante de um tema que Professores consideraram “árido”: publicidade infantil.
Aluno do 2º período de Engenharia Elétrica na UFRJ, Carlos Eduardo fez o exame no ano passado pensando em trocar sua habilitação para Engenharia Química ou da Computação. Em 2013, ele havia tirado 960 na redação. Agora, gabaritou. Mesmo sem estudar.

— Sempre tive o dom de escrever. Escrevia poemas e outros textos e gostava de redação argumentativa. Tive uma Professora muito boa de redação, chamada Marilene Tinoco, que me ajudou muito — conta o estudante, que chegou a cursar o primeiro semestre de Direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro ( Uerj), em 2014, mas não gostou do curso.

‘TIVE DE PENSAR MAIS’
Carlos Eduardo também tentou vaga na Universidade de São Paulo (USP) e leu os nove livros indicados pela Fuvest, realizadora do exame paulista. Ele concorda que o tema da redação do Enem em 2014 foi mais difícil que o do ano anterior (Lei Seca):

— Tive que pensar mais para desenvolver o texto. Lei Seca era algo mais debatido. Estudei muito durante 2013. Então, essas coisas ficaram fixadas na minha cabeça. Tenho lido menos do que gostaria agora. Mas adoro Jorge Amado.

Como ele, Maria Eduarda também atribui ao amor pelos livros parte do repertório que acumulou e foi fundamental ao argumentar sobre prós e contras da publicidade infantil no país. O texto de apoio e o senso crítico que ela desenvolveu também ajudaram.

Com o desempenho no Enem 2013, ela já havia passado para o curso de Direito na UFRJ, no turno da noite. Mas fez o exame de novo a fim de garantir uma vaga no período integral (matutino e vespertino).

— Em 2013, tirei 840 na redação. Passei para o noturno da UFRJ e da UFF (Universidade Federal Fluminense), mas resolvi tentar de novo. Aprendi a escrever com meus Professores do cursinho — ela brinca. — O tema de 2014 foi mais complexo por não ter sido tão trabalhado pela mídia. Já o de 2013 se refere ao cotidiano dos candidatos, pelo menos nas metrópoles, e foi tratado de diversos pontos de vista em diferentes veículos, inclusive no Twitter, uma rede social bastante utilizada pelos jovens. Portanto, para se sair bem eram necessários uma bagagem cultural maior e um nível mais intenso de reflexão.

Professores avaliam queda
A queda de 9,7% na média da nota de redação dos concluintes (de 521,2, em 2013, para 470,8, em 2014) é explicada por Professores de diferentes formas. Para o coordenador de redação do curso _A_Z, Bruno Rabin, ela está relacionada à aplicação de um tema mais árido, que exigia uma formação cultural mais ampla e uma maior recepção prévia de informações.

Além disso, de acordo com Rabin, é importante lembrar que o texto é feito juntamente com as provas de linguagens e matemática. Levando-se em conta que o desempenho nesta última disciplina também caiu, é possível inferir que o segundo dia de provas foi mais duro:

— Os Alunos provavelmente ficaram pressionados com o tempo, e isso influiu.

Soma-se a isso, segundo diz, o fato de o exame ter sofrido um aumento considerável no número de candidatos.
— Essa elevação provavelmente diz respeito a um novo grupo de estudantes que passou a enxergar o Enem como caminho para a universidade. É possível que eles tenham mais dificuldade e acabem puxando a nota para baixo — avalia. — O número de apenas 250 redações com nota máxima é espantosamente.

Carlos Eduardo Marciano, que tirou mil: ‘Sempre gostei de redação argumentativa e tive uma Professora muito boa’
Candidata que tirou mil baixo. Acho improvável que só 250 estudantes, num universo de 6 milhões, tenham proficiência máxima em redação. Isso pode ser reflexo de um cuidado excessivo para que a avaliação não volte a enfrentar críticas, como já aconteceu em edições anteriores.

Filipe Couto, coordenador de Língua Portuguesa e Literatura do curso pH, também diz que o tema “Publicidade infantil em questão no Brasil” exigia um repertório cultural que, segundo ele, “infelizmente, muitos Alunos não têm”:

— O que chama a atenção também é que temos quase 50% dos candidatos com nota até 500, e apenas 0,5% acima de 900. Ou a orientação que eles dão aos corretores está equivocada, ou quase nenhum Aluno do Brasil tem proficiência máxima em redação. Se uma turma inteira vai mal, é de se pensar se o problema está com o avaliado ou com a forma de avaliação.

Das 529.374 redações que tiraram zero, 217.339 receberam a nota por fugir ao tema, segundo o Ministério da Educação. Entre os que tiveram o texto anulado porque copiaram trechos da coletânea motivadora, estão 13.039 candidatos. Já 7.824 escreveram menos de sete linhas, daí a anulação.

‘QUESTIONO SE CORRETORES TIRARIAM MIL’
Professor de redação do curso Descomplica, Rafael Cunha tem explicação diferente para o recorde de notas mínimas: — A nota zero me parece clara. A quantidade grande já devia ter acontecido antes, mas, na tentativa de não fazer a média cair muito, eles (corretores) acomodaram. Agora, parece que se determinou que notas mil têm que ser poucas, mesmo que (as redações) atendam aos critérios. Afunilaram de outra forma e, na dúvida, diminuíram a nota e tiraram algum ponto. Questiono se todos os corretores seriam capazes de tirar nota mil se fizessem a prova.

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Editorial: A educação não para de preocupar 

Há duas explicações para a nomeação do ex-governador do Ceará Cid Gomes ministro da Educação, uma função estratégica. Uma, o interesse do Planalto em dar espaço ao PROS para contrabalançar a dependência que tem em relação ao PMDB no Congresso. Outra, devido a experiências bem-sucedidas na política educacional de Cid, principalmente na sua base eleitoral, a cidade de Sobral. 

Seja válida uma ou outra, ou mesmo a mistura das duas, Cid Gomes recebe o MEC num momento difícil. Consta até que ele preferiria passar um período distante da política brasileira, em alguma instituição multilateral em Washington. Mas terminou ministro da Educação quando vários indicadores apontam para a enorme dificuldade de o país transferir para o Ensino médio os avanços, ainda tímidos, conquistados na fase inicial do ciclo básico, o fundamental.

Com poucos dias no MEC, Cid Gomes tem diante de si o péssimo resultado na prova de redação do último Exame Nacional do Ensino médio (Enem), de 2014, em que houve uma queda de 9,7% da nota média em relação ao exame anterior, e com o recorde de 529 mil candidatos, 8,5% do total, com o conceito zero. Mesmo que a dificuldade do tema - "publicidade infantil" - tenha contribuído para isso, trata-se de mais um alerta ao MEC e à sociedade sobre a qualidade do Ensino. Em Matemática também houve queda (de 7,3%), preocupante dada a importância da disciplina para áreas de que qualquer país depende, a fim de se desenvolver de maneira equilibrada - tecnologia, pesquisas etc. A melhoria em Ciências Humanas, Ciências da Natureza e Linguagens não compensa a má avaliação em Matemática.

Cid Gomes teve êxito, no seu estado, ao aprimorar a qualidade do Ensino fundamental. Há avanços em várias outras regiões, e eles se traduzem no atingimento de metas parciais pactuadas entre governos e organizações da sociedade, um projeto cujo objetivo final é se chegar em 2022 à nota média (6,0) no Ensino básico que têm hoje os países mais desenvolvidos, congregados na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Mas , sem melhorar o Ensino médio, o Brasil não atingirá o alvo. Um problema que abrange as Escolas particulares, também mal avaliadas quando comparadas com o mundo desenvolvido.

Cid defende, e é correto, um currículo nacional, bem como a revisão do ciclo médio, no qual as disciplinas seriam divididas em "exatas" e "humanas", como nos antigos clássico e científico, para o jovem se adequar à carreira que pensa em seguir. O enciclopedismo tem mesmo levado à superficialidade no aprendizado.

Enquanto se faz o necessário debate, os consensos mínimos precisam se implementados, porque a percepção é que as melhorias estancaram, enquanto o tempo passa. Mas o pior que pode acontecer é o MEC ser apenas uma base para o exercício de política partidária.

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Opinião: Falência intelectual 

Thiago Mourão

De cerca de seis milhões de participantes, 250 conseguiram nota máxima na redação do Enem 2014. Não é possível que este placar não nos mostre de uma vez por todas que estamos falidos. Intelectualmente falidos. O fechamento, por falta de verba, do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, é prova irrefutável da nossa falência.

Enquanto insistirmos num sistema padronizador, em vez de um sistema diversificador, teremos deste placar para baixo. Enquanto a Educação brasileira for pensada como um "X" que se marca no vestibular, continuaremos formando jovens sem grandes capacidades de desenvolvimento de ideias através da escrita e, muito provavelmente, através da oralidade. É na escrita, no ato de escrever e de ler, que pensamos sobre nossas ideias, nas causas e consequências dos pensamentos que, unidos, formarão uma opinião, da opinião um conhecimento e do conhecimento um cidadão profissional, pai de família, pensador do seu tempo e ciente do seu papel social.

Nosso sistema é um grande trator de ideias e talentos. É defasado e isso sobressai quando a Secretaria municipal de Educação do Rio de Janeiro orgulhosamente distribui um cartaz que mostra uma fila de carteiras Escolares, em uma esteira de fábrica com o slogan: "Nossa linha de produção é simples: construímos Escolas, formamos cidadãos e criamos futuros".

Não é simples dar Educação de verdade. A Educação não é linear, não pode ser de cima para baixo. Ela começa com a liberdade de seus pensadores, pela segurança de estabilidade profissional e valorização dos salários e benefícios, com instrumentos, caminhos e passagens livres para que estes condutores do futuro, pedagogos e Professores, possam experimentar e criar uma Educação de fato a quem mais interessa e se destina: o jovem.

É preciso que as Escolas sejam pontos de cultura, de ideias, de aprendizados diferentes. Federalização e Ensino integral somente não resolverão nada. A Escola precisa ser um potencializador de divergências, de criações, de expressões. Há algo muito errado quando uma Escola se preocupa mais com a calça rasgada ou com a falta de uniforme (que palavra tosca!!!) do que com as ideias e experiências que o Aluno traz na mente.
A Escola não pode ser um caixote odiado pelos Alunos, para onde se vai para competir quem tirou a maior nota em Matemática ou quem ficou em menos ou mais recuperações. Quantos "xis" foram mais assertivos?

A Escola deve ensinar ao Aluno o amor ao conhecimento, ao seu próprio talento, à sua humanidade transformadora, ao seu espaço individual, que sempre se confunde com o do outro. A sua capacidade de pensamento. O Aluno deve ter clareza de que é capaz de formular ideias e que ideias, em conjunto, formam uma convivência e a convivência, uma sociedade.

O Enem e os resultados das redações são o xeque-mate da falta de capital intelectual nos centros de Ensino brasileiros. É o grito de quem sabe qual sua carência, mas não consegue pautá-la racionalmente.

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