Piso salarial, grande problema

Piso salarial, grande problema

"Piso salarial não é o grande problema dos professores"

Para Mozart Neves, ser "pátria educadora" é tarefa hercúlea

Fonte: Blog do Kennedy Alencar   29 de janeiro de 2015

 

Mozart Neves diz que o piso salarial não é o ‘grande problema’ dos professores. Diretor do Instituto Ayrton Senna, ele avalia que a Lei do Piso, de 2008, foi uma conquista para a categoria. “O grande problema do professor não é o piso, mas o plano de carreira. O salário médio do professor é algo em torno de 40% menor do que a média de outras profissões.”

Para o especialista em políticas públicas em educação, o lema “Brasil, pátria educadora” é uma “tarefa hercúlea”. “As reformas educacionais brasileiras eram pra ontem. O Brasil fez avanços importantes nas séries iniciais, mas, nas séries finais e no ensino médio, é uma lástima os níveis de aprendizagem atuais no país.”

Neves defende que parte dos 10% do PIB sejam destinados também ao ensino superior privado, por meio do Prouni e do Fies. “O sistema público não vai conseguir comportar sozinho o aumento de alunos no ensino superior, que é tão necessário. O que não pode ocorrer é simplesmente dar o dinheiro a universidades de sistemas duvidosos, que abrem vagas para captar o dinheiro público e colocam dinheiro na Bolsa de Valores.”

Confira a entrevista:

1 – O lema do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff é “Brasil, pátria educadora”. O que falta para sermos, de fato, uma país educador?

Ainda falta muita coisa. As reformas educacionais brasileiras eram pra ontem. O Brasil fez avanços importantes nas séries iniciais, mas, nas séries finais e no ensino médio, é uma lástima os níveis de aprendizagem atuais no país. Estamos estagnados em um patamar muito baixo de aprendizagem. O sistema é muito ineficiente. De cada 100 alunos que começam a primeira série, somente a metade termina o ensino médio. A outra metade fica pelo caminho. E os níveis de aprendizagem dos que terminam o ensino médio são muito baixos. Em matemática, de cada 100 alunos, só 19 aprenderam o que seria esperado para a disciplina. Em português, não é nada para se soltar fogos. De cada 100, 27 aprenderam o que seria esperado. Então, a gente tem uma tarefa hercúlea. É preciso avançar muito, porque o país vai precisar melhorar os níveis de aprendizagem das séries finais do ensino fundamental e, principalmente, do ensino médio.

2 – O novo ministro da Educação, Cid Gomes, foi duramente criticado pelo fato de ter dito, em 2011, que professores trabalham por paixão e não por dinheiro. Ele diz que a declaração foi distorcida, colocada fora de contexto. Como avalia a escolha do ex-governador do Ceará para chefiar o Ministério da Educação?

O Cid Gomes traz um resultado importante feito no Ceará, que começou em Sobral. Mas foi um trabalho muito focado na alfabetização e no regime de colaboração entre Estado e Município. Hoje, quem tem melhor no Brasil esse processo de colaboração entre Estado e o Municípios é o Ceará. Entendo que o ex-governador e o ex-prefeito Cid teve um papel muito importante nesse contexto. Isso gerou uma revolução no Ceará na alfabetização e nas primeiras séries do ensino fundamental. Entretanto, esses resultados não se perpetuaram ao longo de toda educação básica. O novo ministro traz esse legado de seu Estado, mas a dimensão de trabalho agora é muito maior.

A partir do momento em que a presidente Dilma Rousseff coloca o slogan de governo “Brasil, pátria educadora”, isso dá uma responsabilidade muito grande ao Ministério da Educação (MEC). O Cid vai ter de ter, então, uma musculatura de trabalho e montar uma equipe extremamente executiva para que, de fato, o cabedal político dele e a experiência do Ceará se concretize numa escala nacional. Ele precisará ter também prestígio político junto à presidente da República. A Dilma precisa ter grande confiança no trabalho do Cid para que ele se sinta fortalecido dentro do governo e o slogan “Pátria educadora” comece a sair do papel. Será preciso também ter recursos para viabilizar essa meta. E, nesse sentido, o corte no MEC foi muito significativo.

3 – Segundo dados do IBGE, em 2012, o analfabetismo no país era de 8,7% da população com 15 anos ou mais, o que correspondia a 13,2 milhões de pessoas. Esse número fez com que o Brasil ocupasse o oitavo lugar entre os países com maior número de analfabetos adultos em um ranking feito pela UNESCO em 150 países. Em 2013, o analfabetismo no país recuou um pouco e alcançou a taxa de 8,5% da população. Essa melhora não é muito tímida?

Nesse ano, acontecerá na Coreia do Sul a avaliação das metas educativas. Uma dessas metas é a alfabetização de jovens e adultos a partir dos 15 anos. O Brasil deveria chegar em uma redução em torno de 6%, mas não vai conseguir atingir a meta. Vai ficar em torno de 9,5%, 9,3%, com cerca ainda de 13 milhões de brasileiros plenamente analfabetos nessa faixa etária de 15 anos ou mais. Esse dado não considera o percentual significativo de analfabetos funcionais.

Temos uma dívida histórica na questão do analfabetismo que países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e da comunidade europeia já venceram há muitos anos. Então, além do dever de casa que é do ensino regular, o Brasil ainda tem essa dívida com a alfabetização de sua população adulta. É bem verdade que o analfabetismo não está espalhado em todo território nacional. O problema está principalmente no nordeste. São pessoas com faixa etária superior a 40 anos que vivem nos grotões dessa região. São pessoas negras, que não tiveram tanto acesso a educação. O país tem uma enorme dificuldade a vencer no que se refere à alfabetização dessas pessoas.

4 – Uma das queixas dos profissionais ligados à educação é o baixo salário recebido pelos professores. O vencimento inicial dos profissionais do magistério público da educação básica é de R$ 1.697, com jornada de 40 horas semanais. A partir de fevereiro, o valor deverá ser reajustado em 13% e chegará a R$1.918. O piso dos professores brasileiros é adequado?

A Lei do Piso é de 2008. Foi uma conquista ter uma legislação determinando o aumento gradual do piso. Se a gente observar, houve um aumento significativo de 2008 para 2014, implementado nesse ano. A Lei tem permitido, de alguma forma, dar avanços no piso. E esse aumento aconteceu na mesma proporção em outras profissões. Então, quando a gente compara o piso do professor com outros profissionais com a mesma titulação e que estão iniciando a carreira, a diferença é da ordem de 11% a menos para os professores. Ou seja, não é tão grande. O grande problema do professor não é o piso, mas o plano de carreira. O salário médio do professor é algo em torno de 40% menor do que a média de outras profissões. À medida que o tempo vai passando, os outros profissionais vão se distanciando dos professores.

5 – Alguns municípios já manifestaram preocupação com esse reajuste e alegam não ter recursos para pagar o novo salário dos professores. A Confederação Nacional dos Municípios estima um aumento de cerca de R$ 7 bilhões nos gastos dos municípios. O que deve ser feito para solucionar essa equação? A União deveria ampliar a participação financeira para que os municípios consigam pagar o novo piso dos professores sem tirar recursos de outras áreas da educação?

Precisamos analisar a forma como os recursos são centralizados. De tudo que é gerado de impostos no país, 70% fica para a União e apenas 30% é redistribuído para Estados e Municípios. E há um percentual significativo de municípios, algo em torno de 65%, que vive basicamente do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é gerado pela redistribuição do Estado onde se encontra, e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). É essencial que seja repensado o poder centralizado de impostos do governo federal para resolver essa questão do piso dos professores nesses municípios.

6 –Uma das metas do Plano Nacional da Educação, aprovado no ano passado, é ampliar o investimento público em educação pública para atingir, até 2024, o equivalente a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação. O problema da educação brasileira é dinheiro? Separar 10% do PIB para a educação será suficiente para melhorar o ensino no país?

O Brasil investe algo em torno 6,1% do seu PIB em educação em todas as etapas, níveis e modalidades de ensino. Para atingir 10% do PIB em 10 anos, como está no Plano Nacional da Educação, precisamos ampliar em mais de 50% do que é atualmente investido. Estamos falando em algo em torno de 60%.

Há duas questões importantes: de qual PIB estamos falando? É o PIB de 2005, 2007, que estava em alto crescimento ou o que começa a encolher? Se for o PIB que começou a encolher, como está acontecendo agora, não iremos muito longe do ponto de vista do investimento relativo.

O segundo aspecto que temos que tratar: os recursos oriundos do pré-sal. O petróleo está passando por uma crise que não parece ser momentânea. Para que o pré-sal seja eficiente do ponto de vista da sua pesquisa e, portanto, da sua lucratividade, o barril de petróleo precisa estar em torno da ordem de 60 dólares. Hoje, está custando aproximadamente 50. Se esse contexto continuar, talvez será preciso elencar prioridades: vou cortar dali para colocar mais recurso em educação. Aí vamos saber se, de fato, o Brasil vai ser uma pátria educadora ou não.

7 – Na avaliação do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que foi ministro da Educação do governo Lula entre 2003 e 2004, a medida que separa 10% do PIB para educação é uma “farsa”. Segundo o senador, o PIB é um “conceito abstrato de estatística” e ninguém saberá de onde o dinheiro irá sair. Para outros críticos, no cálculo dos 10% do PIB não deveriam estar incluídos os recursos de isenção fiscal dado às instituições particulares que participam do Programa Universidade para Todos (Prouni). Na visão desses críticos, isso provocará uma distorção no cálculo e permitirá que o dinheiro destinado a melhorias na educação pública seja transferido para grupos privados de ensino. O senhor concorda essas críticas?

Não concordo. O ministro Cid Gomes está com uma posição interessante em relação ao Prouni e ao Fies (Programa de Financiamento Estudantil). Esse tema é muito debatido no Congresso: se esses do 10% do PIB são para educação ou para a educação pública. O Brasil vai precisar fazer um enorme esforço de ampliar o número de alunos no ensino superior. Temos 7,2 milhões de alunos universitários, o que representa 16,7% na faixa etária de 18 a 24 anos. Ao fim do PNE, será precisar dobrar esse percentual para 33%. Já fui reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e acho que as universidades públicas não teriam condições de fazer essa expansão sozinhas. Ou seja, será preciso contar com a contribuição do setor privado.

8 – O Prouni é um dos principais programas na área de educação do governo do PT e da presidente Dilma Rousseff. Segundo dados do MEC, o programa já atendeu mais de 1,4 milhão de alunos de baixa renda. Mas, para alguns especialistas, ao conceder incentivos fiscais às universidades privadas, o ProUni ajuda a consolidar um modelo de Ensino Superior que prioriza o lucro em detrimento da baixa qualidade de educação. Qual é sua avaliação sobre o ProUni? Como garantir a expansão de acesso ao ensino superior com qualidade?

O governo está certíssimo ao buscar alternativas para alunos menos favorecidos da educação básica, egressos do ensino médio e estudantes de baixa renda concluírem seu ensino superior. Garantir o diploma do ensino superior é uma forma de distribuir melhor a renda no país. Achei muito interessante o aperto que o ministro Cid Gomes deu agora: ‘Quero Fies e Prouni desde que sejam cursos de qualidade e que o aluno realmente faça o esforço mínimo a partir do Enem, que tenha nota mínima de 450 pontos’. Desta forma, você espera tanto do aluno, que já deve fazer algum esforço no Enem, como das universidades proponentes a ingressar nos programas.

Concordo com Cid também porque o sistema publico não vai conseguir comportar sozinho o aumento de alunos no ensino superior, que é tão necessário. O que não pode ocorrer é simplesmente dar o dinheiro a universidades de sistemas duvidosos, que abrem vagas para captar o dinheiro público e colocam dinheiro na Bolsa de Valores.

Para darmos conta da meta 12 do PNE, que trata das matrículas no ensino superior, eu faria o investimento tanto no sistema público, que sabemos que tem melhor qualidade, e no sistema privado, que já demonstrou qualidade e cursos que de fato farão diferenças.

9 – O principal indicador da qualidade do ensino do país, o Ideb, mostrou que, em 2013, o Brasil não atingiu as metas previstas para os anos finais do ensino fundamental. Para os alunos do sexto ao nono do Ensino Fundamental, a meta era de 4,4 pontos no Ideb. Mas o resultado foi 4,2 pontos. As notas do ensino médio também não foram alcançadas. O Ideb foi de 3,7, o mesmo resultado de 2011. A média prevista era 3,9 pontos. Por que é tão difícil para o país melhorar a educação nos últimos anos do ensino fundamental e no ensino médio?

O Brasil tem feito seu dever de casa nas séries iniciais do ensino fundamental. São anos em que as crianças têm uma única professora por turma. Isso é um fator muito importante. Há uma identidade entre o professor e seus alunos. De certa maneira, a gente já encontrou a tecnologia correta para fazer com que as nossas crianças aprendam nesses anos. Quando observamos as séries finais, nós deparamos com outro formato de escola onde cada turma tem um conjunto de professores. A partir desse momento, não conseguimos definir um currículo atrativo e capaz de dialogar com o mundo do adolescente. Além disso, faltam professores bem formados para dar algumas disciplinas. Esse problema se torna mais grave no ensino médio, onde há uma carência de professores extremamente elevada em matemática, química, física e biologia. Alguns professores não se formaram na área em que lecionam. Ou seja, há problema de formação e escassez de professor, associado a um currículo que não dialoga com o mundo do adolescente e do jovem.

10 – Em 2014, a USP perdeu o posto de melhor universidade da América Latina para a PUC Chile, em ranking elaborado pela consultoria britânica QS Quacquarelli Symonds University Rankings. No grupo das 10 melhores do continente, só há 3 federais brasileiras: UFRJ (4º), UFMG e UFRGS (as duas em 10º). Em outro levantamento internacional publicado em 2014 pela Times Higher Education, só há uma universidade brasileira entre as 100 melhores do mundo: a USP, que apareceu na faixa entre o 81º e o 90º lugar. O que falta para nossas universidades ocuparem lugar de destaque no cenário acadêmico internacional?

Três fatores contribuem muito para essa situação. Primeiro, o nosso sistema universitário ainda é pouco eficaz. A relação aluno/professor é muito baixa quando comparamos com universidade estrangeiras. Esse fator, tanto no ranking japonês como no da Inglaterra, tem reduzido a nota de nossas universidades mais conhecidas: USP, UFRJ, Unicamp e outras.

Outro fator que contribuiu muito é a baixa taxa de internacionalização, que seria a oferta de cursos em inglês, mandarim e francês dentro das nossas universidades, a presença de professores bilíngues. Nós, praticamente, adotamos apenas o português. As universidades estrangeiras oferecem diversas disciplinas em outros idiomas. É uma forma de ampliar a mobilidade acadêmica de nossos estudantes. Nesse sentido, o Ciências sem Fronteiras foi, na minha opinião, uma grande iniciativa do governo federal. É óbvio que é preciso fazer ajustes, mas, recentemente, vi na Europa vários jovens do programa em diversas universidades.

Ainda quanto à internacionalização, também precisamos mudar as nossas universidades para dar dupla titulação. Não somos muito flexíveis no reconhecimento das disciplinas lá de fora. O nosso sistema universitário curricular é muito duro. É preciso torná-lo mais flexível e bilíngue para que, de fato, a internacionalização esteja mais presente no cotidiano de nossas universidades.

O terceiro ponto é a inovação. As nossas universidades até que vem produzindo bastante inovação tomando como referência o número de patentes. Mas ainda temos um número baixo de patente produzidas em parceira com empresas brasileiras. As nossas empresas produzem muito poucas patentes e têm pouca articulação com as universidades. Lá fora é diferente. As universidades têm uma relação muito forte com as empresas, produzindo patentes e inovação.

Leia a entrevista no site original aqui

 




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