O desmonte do ensino médio

O desmonte do ensino médio

Resta agora resistir nas escolas à implantação da reforma aprovada

por Ana Júlia Ribeiro* — publicado 14/02/2017 

Aloisio Mauricio/Fotoarena
Ocupação

As ocupações não podem ter sido em vão

O Senado aprovou, na noite da quarta-feira 8, a Medida Provisória 746, conhecida como a (contra)reforma do ensino médio. Será um dia triste para a rede pública de ensino. O governo que chegou ao poder sem voto popular mais uma vez passou por cima da opinião pública e ignorou a luta realizada pelos estudantes secundaristas e universitários. 

Desde 26 de setembro de 2016, quando foi publicada a MP 746, estudantes de todo o Brasil têm se manifestado contra a proposta por meio de ocupações, trancamento de vias e manifestações de rua, por entenderem o quanto ela agride a rede pública e distorce as reais necessidades dos alunos. Recebemos como resposta a perseguição policial e uma forte repressão às nossas manifestações.

Com um discurso fraco e promíscuo, as bases do governo tentaram desmoralizar o movimento dos estudantes com argumentos do tipo “os alunos vão poder escolher o que estudar”. Como se não soubéssemos que, na realidade, será a escola que escolherá qual área curricular será ofertada. Como se não soubéssemos que escolas periféricas terão o ensino ainda mais precarizado.

Os estudantes ouviram e leram discursos a respeito da queda do desempenho do ensino médio nos últimos 20 anos. Esse seria o motivo da (contra)reforma, mas não vimos propostas de se mudarem o método e a didática de ensino, bem como o modelo de avaliação.

Da mesma forma, não foi discutida uma proposta de formação humana cidadã. Ao contrário, houve uma priorização do mercado de trabalho e de um sistema que só enxerga o estudante como futura mão de obra.

O mercado não quer pôr a mão no bolso para promover treinamentos e qualificação profissional para as suas necessidades de força de trabalho, e quer que o Estado faça os investimentos que lhe cabem.

A Medida Provisória objetiva a implantação do ensino integral de sete horas, mas seus formuladores e o ministro da Educação, Mendonça Filho, se esquecem de que as escolas não têm estrutura para os alunos ficarem nem sequer por quatro horas.

A MP também defende o professor com notório saber, mas esquece, propositalmente, de que, hoje, cerca de 50% dos mestres não têm formação específica nas áreas em que atuam e que esse fato prejudica muito a qualidade do ensino.

Em seu texto original, a MP 746 retira a obrigatoriedade de quatro disciplinas – filosofia, sociologia, artes e educação física. Assim, reafirma definitivamente que a reforma do ensino médio atende ao objetivo de sucumbir o aprendizado crítico do estudante de escola pública.

Que reforma é essa que valoriza ações prejudiciais à qualidade do ensino? Almejaria realmente a melhora da educação pública? Como um governo impopular consegue aprovar todas as suas propostas? Como uma Medida Provisória reprovada por mais 94% da população pode ser aprovada? Quem são os representantes do povo e por que não atendem a sua vontade?

Está mais do que claro que a nossa democracia, há algum tempo, tem sido ignorada e descartada com falsas legalidades e desrespeitos à Constituição Federal. Não podemos, porém, desanimar nem desistir. Não podemos ceder aos retrocessos promovidos por quem pretende se apropriar dos direitos do povo.

Mendonça Filho
A MP de Mendonça Filho passou no Senado (Foto: Elza Fiúza/ABr)

 

Vivemos numa sociedade, todos somos sócios dessa sociedade. Ninguém é dono mais do que ninguém. Por conta disso, nós, estudantes, não podemos deixar de lutar. A luta não acaba com a aprovação da MP. Mesmo aprovada, a luta deve continuar e poderá ser travada no interior das instituições de ensino.

A resistência é não deixar a (contra)reforma do ensino médio ser implementada em nossas escolas. De que maneira? Sugiro a todos os estudantes que se unam com seus colegas e professores progressistas e elaborem uma proposta de uma nova escola. Uma proposta de escola que queremos, que nos represente e que tenha caráter emancipatório.

Encaminhem as propostas às respectivas Secretarias de Educação e de forma alguma recuem. Pressionem os governos estaduais até que eles abram o diálogo e estejam dispostos a conversar e elaborar um projeto de escola em parceria conosco. Agora é a hora de mostrarmos tudo o que vivemos nas ocupações.

Depois de termos passado por noites de tensão, em decorrência da repressão e das ameaças feitas todos os dias, depois de noites sem dormir por estarmos preocupados com a segurança uns dos outros e por planejar a todo instante como a escola poderia se tornar um ambiente de convivência saudável, muitos aprendizados e descobertas ficaram evidenciados. Ficou mais do que comprovado que temos o direito e o dever de participar da elaboração e discussão de um novo sistema de ensino para o País.

Por fim, é hora de colocarmos no papel a experiência de uma gestão democrática nas escolas. Temos a consciência de que o poder é do povo. O poder é nosso e, por princípio, nos pertence. Temporariamente o emprestamos aos nosso governantes. Se eles não nos atenderem, nós o tomaremos de volta.

*Estudante secundarista. Tornou-se um dos símbolos do movimento de ocupação das escolas públicas em 2016

 

http://www.cartacapital.com.br/revista/939/o-desmonte-do-ensino-medio 




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