O direito fundamental

O direito fundamental

O direito fundamental à frustração

Fim de semana passado, meu filho mais novo, quase quatro anos, se apaixonou pela monitora do Hotel Fazenda. Fantástico. Não pode entender direito o que sentiu. Notei o olhar interessado, no restaurante, no movimento de monitores e crianças. Procurava-a, acompanhava de canto de olho. Rechaçou-a, porém, desdenhosamente, na apresentação formal. Escondeu o rosto envergonhado na minha coxa, esfregando o nariz e a boca de palhaço, vestígio (não lavado) do suco de uva mal tomado.

Falava dela, desconversando, sem tocar no assunto. Escondendo a intenção. Perguntou por ela, com ar de desinteresse. Sem revelar o sentimento. Enfim, aceitou sentar do seu lado, no jantar. Ele lá, no cadeirão, altivo na sua pureza e simpatia. Não imagino o que pensava, mas era lindo. Sem rodeio, aceitou até oferta de comida na boca. Desfilou de mão dada, pelo salão, para escolher sobremesa. A situação, desse jeito, com essa versão, só eu vi.

É verdade, no fim, recusou seguir nas burocráticas atividades infantis programadas. Ficou comigo. Mas o receio não teve mais vez. No encontro seguinte, ele foi corajoso. Coragem que, procurando nas lembranças da minha infância, projetadas na cena, eu não tinha. Depois do almoço de domingo, despediu-se de mim com um fortíssimo e carinhoso abraço, cafuné, beijo na testa. Entendeu que, na vida, uma escolha é também uma perda. Escolheu. Saiu, no meio da criançada, sem ver mais ninguém, de mãos dadas com a paixão de suas férias.

Enfrentou seu medo e o desconhecido. Expandiu seu pequeno mundo. Passou a tarde. Confortável, relaxado, feliz, no aconchego do colo da monitora, não percebeu que dormiu. Muito menos que havia esquecido de fazer xixi. Aconteceu o que poderia ter acontecido.

Voltou mijado, triste e frustrado. Quis meu lado, meu colo. Mais nada. Não veria mais a monitora. Ela foi embora.

A frustração dele doeu em mim, fundo e amargo. Naquele instante, com meu abraço, quis sentir toda aquela vergonha, no lugar dele. Esgotá-la, em mim. Obstá-la. Negá-la. Voltar o tempo, sei lá. Não posso.

É claro, meu abraço de pai estará sempre aqui, quando precisar. Mas, definitivamente, meu amor não é um muro construído para privá-lo de sentir o gosto e o desgosto do mundo. Não vai impedir que caminhe, cresça, supere-se, transborde-se. Na dialética de Hegel, realize-se ao se perder, tornando-se sempre outro para se tornar, sempre mais, a verdade de si mesmo.

Meu grande homenzinho fez valer seu direito fundamental à frustração, tão essencial ao processo de educação que deveria vir expresso na Constituição. O direito de tropeçar – ou cair feio mesmo, não importa –, para aprender, depois do susto e do machucado, a levantar e andar. De novo. Mais uma vez. Com integridade. O direito de perder o jogo, mesmo quando tudo o que queria era vencê-lo, reconhecendo os próprios limites e os expandindo, então. O direito de experimentar o mundo todo, compreendendo a possibilidade (grande) de insucessos, extraindo lições do que é bom e do que é ruim, para, enfim, quem sabe um dia, gozar com plenitude o que realmente vale a pena.

Frustrou-se, sim. E saiu vitorioso. Foi corajoso. Parabéns, meu filho. Você é só orgulho para esse pai aqui.

GUILHERME PEREZ CABRAL

Guilherme Perez Cabral é advogado especialista em direito educacional, doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito.

 

http://educacao.uol.com.br/colunas/guilherme-cabral/2015/08/03/o-direito-fundamental-a-frustracao.htm?cmpid=fb-uolnot




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