O poder da Retórica

O poder da Retórica

 

O poder da Retórica e como ela pode ser utilizada para manipular as pessoas nas redes sociais

Atenção: esse texto contém ironia, sarcasmo e outras figuras de linguagem. Caso você entenda as palavras em sentido literal, por favor, feche este link. Aqui também não encontrará nenhum rigor científico. Apenas as impressões de uma pessoa que já foi chamada dezenas de vezes de comunista, além de uma interpretação totalmente equivocada do Gonzaguinha. Caso seu interesse seja me mandar ir para Cuba, pode pular o texto e ir direto aos comentários. Aos demais, sigamos em frente…

Introdução

São tantas coisinhas miúdas
Roendo, comendo
Arrasando aos poucos
Com o nosso ideal
São frases perdidas num mundo
De gritos e gestos
Num jogo de culpa
Que faz tanto mal…

Convencer é exercer poder. E nada é mais sedutor que o poder. A retórica, portanto, é uma arte imersa em estratégias políticas. E, como tal, pode ser usada para múltiplos objetivos. Não por acaso os primeiros estudos sobre o tema datam da Grécia Antiga, que também era a terra dos sofistas. Estes eram os mestres da retórica, do convencimento. O gordo Górgias, um dos sofistas mais famosos, regozijava-se ao dizer que queria uma quantia de ouro equivalente ao seu peso como meio de pagamento por suas aulas. Seus alunos seriam capazes de convencer os cidadãos atenienses a entrarem em guerra, caso fosse do seu interesse, ou poderiam, igualmente, serem pacifistas. Tudo dependeria do peso, da quantidade de ouro empenhada.

Não mudamos tanto assim. A vaidade, o egoísmo e o desejo pelo poder continuam sendo afetos poderosos e perigosos. E tais características estão na base da decepção generalizada que a internet tem provocado nos especialistas. No início, a rede mundial de computadores era vista como portadora de um potencial revolucionário. Libertaria o homem do julgo dos meios de comunicação. A informação seria plural, o conhecimento estaria ao alcance de todos. O que se viu, no entanto, foi algo muito diferente. A informação descontrolada, e financiada por grupos de interesses, borrou as fronteiras entre o real e a ficção. Notícias falsas “viralizam” com uma facilidade impressionante. A verdade é a la carte. Como existe informação sobre praticamente tudo, eu escolho aquilo em que vou acreditar e que, por coincidência, reforça o que eu já sabia. Fatos são detalhes. Na rede o real é o que eu acredito. Como disse o escritor Humberto Eco, a internet deu voz aos idiotas. E eles se multiplicam, presos numa bolha que ecoa apenas a sua consciência. “O grande isolamento é cercar-se daqueles que pensam igual a você” (Hannah Arendt).

Arte de Paweł Kuczyński. 

O conhecimento também não foi democratizado. Muito pelo contrário. A internet proporciona possibilidades infinitas de pesquisa. Porém, para aproveitar tais ferramentas é preciso um amplo conhecimento prévio. Um historiador, por exemplo, pode pesquisar com precisão e rapidez sobre a Roma Antiga estando no Brasil. Um economista pode ter acesso a estatísticas econômicas sobre um vilarejo perdido na Savana Africana. Porém, caso o primeiro não conheça a História Romana e os métodos de pesquisa historiográficos, de nada adiantaria o Google. O mesmo vale para o segundo exemplo. A informação em rede, portanto, não democratiza o conhecimento, ela aumenta as diferenças.
As técnicas mais comuns de persuasão, porém, não são novas. A ampliação da esfera pública abriu um espaço infinito para os aproveitadores. Nesse caso, o conhecimento prévio também é importante. Se o indivíduo, por exemplo, conhece história, política e outras matérias, dificilmente cairá em certas armadilhas discursivas. Porém, caso contrário, e a maior parte das pessoas apresenta enorme deficiência nessas áreas, pode se tornar presa fácil para esses “estelionatários virtuais”. Assim, o outrora desinformado, vira o neoidiota do Facebook. Assuntos, antes vistos como complexos e distantes do entendimento de muitos, são facilmente explicados e enlatados por sites como “Implicante” e defendidos por políticos como Jair Bolsonaro. Como num passe de mágica, tudo parece fazer sentido. As dúvidas se evaporam. Uma vida vazia ganha uma causa para defender. Está formado mais um “neofacista”.
Mostrar, com casos concretos, como as estratégias retóricas são empregadas é uma maneira de anular seu potencial manipulatório. Esse texto, portanto, usando uma interpretação livre da música do Gonzaguinha, deve ser lido como um “grito de alerta”.

***

Começamos com um caso recente. Um vídeo do youtube, publicado no dia 12/2/2017, mostra a vereadora de fortaleza, Priscila Costa (PRTB), fazendo um discurso indignado na tribuna. Segundo a parlamentar, que havia sido citada numa matéria do jornal “O Povo”, ela estaria sendo vítima de intolerância religiosa por parte de grupos de “extrema-esquerda”. A prova seria um documento assinado por 85 ONGs que pediam a rejeição do seu nome para presidir a Comissão de Direitos Humanos. Tais entidades demandavam um perfil técnico para a pasta e teriam dito que a vereadora não seria adequada para a vaga por seu vínculo com igrejas evangélicas. Aparentemente, um caso típico de preconceito. Priscila, em sua defesa, retrucou dizendo ter sido legitimamente eleita pelo povo e que era livre para expressar a sua religião. E concluiu afirmando que os movimentos feministas eram intolerantes e não aceitavam “mulheres livres”.

Outro grupo que tem ganhado notoriedade, Escola Sem Partido, queixa-se da mesma intolerância por parte da “extrema-esquerda”. O objetivo do movimento, dizem, é lutar por um ensino neutro. Sem a influência de partidos de esquerda, que querem doutrinar as crianças com objetivos políticos. Nada mais justo. Quem seria contra? Sim, mais uma vez a dita “extrema-esquerda”. Sempre ela.

O último caso interessante destacado é a ofensiva dos movimentos gays e feministas contra a família tradicional. Os homossexuais, não satisfeitos com a sua condição, desejariam que todos tivessem o mesmo destino. O objetivo do movimento gay seria o de transformar o Brasil numa “ditadura gaysista”. As feministas estariam querendo colocar homens contra mulheres. A prova do ENEM, que citou a frase da filosofa Simone de Beauvoir “ninguém nasce mulher: torna-se”, corroboraria tal visão. A prova não seria de vestibular, mas da perversidade da “extrema-esquerda”. Ora, minha filha nasceu com órgão sexual, desde o ultrassom o médico havia me informado o sexo, como assim ninguém nasce mulher? Trata-se, portanto, de mais uma investida do “Marxismo Cultural” contra a família tradicional. Socorro! Os valores cristãos estão em perigo. A solução: Jair Bolsonaro, Magno Malta, Silas Malafaia e companhia. O circo da política está montado. Pessoas passam a se digladiar nas redes sociais em defesa da “tradição cristã”, enquanto os verdadeiros problemas são resolvidos no congresso, pelos deputados e senadores, sem maiores questionamentos por parte da população.

Sarcasmos a parte, esses casos são exemplares. Por mais que esses discursos sejam toscos é preciso levá-los a sério. Eles lançam mão de várias estratégias discursivas para convencer o interlocutor e têm obtido certo sucesso. Abaixo esses estratagemas serão esmiuçados usando a obra “A Arte de Ter Razão”, do filósofo alemão Arthur Schopenhauer, como base de análise.

A Dialética Erística



A análise do Schopenhauer parte do seguinte questionamento: como vencer um debate sem ter razão? A vitória, nesse caso, não tem relação com a verdade, mas com o convencimento. Partindo dessa pergunta, o filósofo explicou as 38 estratégias mais comuns usadas nessa arte de enrolar. Para surpresa do leitor contemporâneo, há inúmeros exemplos desse tipo de patifaria no mundo atual. A estratégia principal é simples e potente. Divida o mundo em dois grupos: certo ou errado, bem ou mal, feio ou bonito, céu ou inferno etc. Não é difícil. Desde criança aprendemos a pensar dessa maneira. Depois se coloque de um lado e crie uma caricatura do outro. Bata constantemente nesse espantalho. Pronto! Quem estiver do “lado oposto” automaticamente é silenciado. Quem vai querer ouvir um agente do mal? Lembra da sempre citada “extrema-esquerda”? Pois é.

Bloco 1: A) Generalize as afirmações do seu oponente; B) Confunda a argumentação; C) Mude as palavras do oponente para confundi-lo; D) Homonímia – Mude os significados das palavras chaves do adversário.

Quanto mais amplo for um enunciado, mais fácil será rebatê-lo. Por exemplo, se eu digo que um limão é azedo, dificilmente alguém entrará em desacordo. Mas sua missão é retrucar, você é pago para isso, como fazer então? Simples: diga que ontem você comeu uma jaca e ela não era azeda. Logo é um absurdo afirmar que todas as frutas são azedas. Esta achando uma aberração esse tipo de manipulação? Acha que não funcionaria na prática? Então observe esses exemplos reais.

Muitos defendem a legalização da maconha por suas funções terapêuticas. Umas das contraposições mais comuns que se escuta é a da que as drogas viciam, destroem famílias etc. Na incapacidade de mostrar dados científicos sobre o uso da maconha, colocamos a cannabis no mesmo saco da cocaína e do craque. Pronto, agora basta mostrar os danos provocados por estas duas últimas drogas e a legalização da maconha naufraga junto com elas. Maconha é droga, droga mata, logo a maconha mata. Lógica para leigos a serviço da manipulação.

O mesmo vale para o debate sobre o fim da Polícia Militar (desmilitarização). A “extrema-esquerda” fala: queremos o fim da PM. Como retrucar? Argumentando sobre os benefícios do modelo militar de organização? Não. Mostrando casos reais em que a militarização melhorou a qualidade da segurança? Claro que não. Tudo isso requer trabalho, pesquisa e outras coisas chatas. Pergunte apenas ao filhote de Che Guevara como seria o mundo sem a existência da polícia. Repare que a afirmação é específica. Eles pediram o fim da militarização, não da polícia, mas essa é a sua chance de confundi-los. Depois conclua que pedir o fim da PM é coisa de maconheiro que não respeita a lei e quer se drogar sem maiores incômodos. Pronto, missão cumprida! Passamos para a próxima.

Caso você queira sentir na pele o ódio que esse tipo de manipulação provoca. Faça um teste. Vá até a página do MBL e cite uma frase do Karl Marx. Qualquer coisa do tipo: “tudo que é sólido desmancha no ar”, nesse caso é preciso colocar as referências para eles saberem a origem do pensamento. Você está pensando que vão discutir a influencia de Hegel na obra do Marx? Ou que eles abordarão as transformações estruturais da modernidade? Marshall Sahlins? Nada disso. Aposto o que você quiser que a primeira mensagem irá lhe propor uma viagem a Cuba. – Mas Marx não era cubano. Não importa. Ele era comunista e, ao citá-lo, você receberá o pacote completo, incluindo: Stalin, Gulag, satanismo, pedofilia, Hugo Chavez, e mais um milhão de coisas.

Casamento gay também pode ser rebatido com esse artifício. Se algum comunista petista disser que gays merecem o mesmo tratamento por serem cidadãos, não se intimide. Diga que estimular a homossexualidade é um equivoco, pois relações homoafetivas não geram filho e isso seria um risco para a sociedade. – Mas qual a relação entre estender direitos a uma minoria e estimular um tipo de comportamento que tem a ver com o desejo? Não faça perguntas, diga apenas isso, sempre haverá aqueles que irão acreditar.
Pessoas confusas são mais facilmente manipuláveis. Pegue uma afirmação que a princípio foi feita de maneira relativa e amplie seu sentido, de modo a confundir. No cômico debate entre o ex-governador do Ceará Ciro Gomes e o economista Rodrigo Constantino; o primeiro propôs a seguinte reflexão: “sabe quantas pessoas estão matriculadas no ensino superior público brasileiro?” Ele mesmo respondeu: “06 de cada 100 garotos de 18 a 25 anos. Em cuba tem 48”. E agora? O debatedor deu um número, concreto, objetivo, de um país de extrema esquerda. O que fazer? Simples, confunda. Constantino retrucou: “doutrinados, né”. A afirmativa havia sido direta, objetiva e fazia referência à capacidade do Estado de colocar jovens dentro das universidades. Apenas isso. O que era feito lá dentro não estava sendo objeto do debate. Mas a suposta doutrinação do ensino cubano foi lembrada apenas para confundir. Um telespectador menos atento poderia achar que o ex-governador estivesse defendendo uma educação doutrinária.

Ciro Gomes, com sua experiência, percebeu a manipulação discursiva e inverteu a situação: “doutor, não ponha palavras na minha boca. Cuba é um país miserável, que tem um regime deplorável. Você quer que eu fale mal? Cuba consegue num regime deplorável, numa economia ridícula, botar 48 de cada 100 dos seus jovens na universidade. O Brasil bota 06”.

Como podemos observar, ao se antecipar e falar mal de sistema cubano, Ciro Gomes conseguiu anular a única arma do seu debatedor. Ciro percebeu a manobra, a tentativa de confundir o debate, e mostrou que conhecia os limites políticos e econômicos do país referido e matou a questão ao concluir que, mesmo com os problemas citados, eles conseguiam ter oito vezes mais alunos que o Brasil no curso superior. Xeque-mate. Não havia saída. Foi em função de tiradas como essa que o vídeo viralizou no youtube. O sofista estava “nu”.

Passamos para a homonímia. Sim, a língua portuguesa é rica, use-a a seu favor. O exemplo do Schopenhauer é o seguinte: um debatedor diz “você já foi iniciado nos mistérios da filosofia kantiana?” O interlocutor responde “não gosto de mistérios”. Repare, a pergunta foi sobre se o interlocutor conhecia o pensamento de Kant. E, para fugir, ele aproveitou dos múltiplos sentidos da palavra mistério.
A política brasileira também possui os seus mistérios. Na corrida para a prefeitura da cidade do Rio de Janeiro no ano passado, umas das propostas do candidato Marcelo Freixo era a de formar “conselhos” de bairros para discutir os problemas locais. Seria uma forma de democracia participativa, em que a prefeitura ouviria os moradores sobre os problemas regionais. Alguém seria contra? Aparentemente não. Só existe uma forma de derrubar essa proposta, você imagina? Apelar para a “extrema-esquerda”: o coringa de todo sofista.

O equivalente Russo para palavra “conselho” é soviete. Sim, exatamente. Problema resolvido. Esse caso ainda tem a vantagem de ser um estratagema bilíngue, mostrar conhecimento da língua Russa não é para qualquer pessoa. Aproveite!

Essa homonímia me permite refutar o Marcelo Freixo evocando a famosa frase “todo poder aos sovietes”. “Todo o poder” é coisa de gente totalitária, logo a proposta do deputado é totalitária. Não importa se a frase está fora de contexto. Não importa se ela está sendo interpretada de modo equivocado. Quem ainda estuda seriamente a história da URSS? Kerensiki parece nome de personagem de desenho animado. “Poder Dual” também não faz nenhum sentido para muitos. Siga em frente.

Bloco 2: Desqualifique o argumento do outro; Mude o curso, interrompa antes da perda certa; Desfoque, depois encontre uma brecha; Provoque o oponente; deixe o seu oponente desequilibrado; ganhe a simpatia da audiência e depois ridicularize o adversário; como último recurso, parte para o ataque pessoal.

Bem, esse segundo bloco os métodos são bem claros e os títulos autoexplicativos. Não vou me deter muito dissertando sobre algo que é evidente. Mas, caso o leitor queira algum exemplo, sugiro que mostre esse texto para algum eleitor do Bolsonaro ou para algum leitor do Olavo de Carvalho. Em poucos minutos você poderá observar vários desses estratagemas expostos acima.

Bloco 3: a) Use a exceção para destruir a tese; b) use as premissas do seu oponente contra ele. c) Cole um sentido ruim na alegação do outro; d) Invalide a teoria pela prática; e) apresente uma segunda opção inaceitável; f) prepare o caminho, mas oculte as conclusões.

Use a exceção para destruir ou, eu adicionaria, para corroborar a tese. O movimento Escola Sem Partido usa esse tipo de manipulação o tempo inteiro. Eles partem do seguinte pressuposto: existe um projeto em curso de doutrinação nas escolas. Há dados científicos que corroborem essa premissa? Não. Há pesquisas? Também não. Como então convencer que esse problema existe? Simples, use relatos difusos. É uma menina que disse que foi expulsa do mestrado por ser cristã. É um livro de história, que sequer é adotado mais, que mostra uma visão positiva do socialismo etc. Na impossibilidade de mostrar o problema de forma estrutural, usa-se relatos isolados para confundir aquele que se pretende manipular.

Usar as premissas do oponente contra ele. Você está lembrado de quando destacamos o caso da vereadora Priscila Costa? Do que ela acusou o movimento feminista mesmo? Isso mesmo, de não suportarem mulheres livres. E o que o movimento feminista defende? – A liberdade das mulheres. Ótimo! Já podemos passar para o próximo exemplo.

Cole um sentido ruim na alegação do outro. Chame a oposição de petralha ou mortadela. Chame os defensores dos Direitos Humanos de defensores de bandidos. Chama os programas anti-homofobia de kit gay. Chame as feministas de feminazi etc.

Invalide a teoria pela prática. Esse estratagema é muito útil para quebrar a argumentação do seu debatedor e confundir a plateia. Caso seu oponente fale bem sobre um assunto e você não tenha como argumentar, diga a seguinte frase: “isso é muito bonito na teoria, mas na prática não funciona”. Usando esse artifício você passará a impressão que conhece a fundo tudo o que foi dito, inclusive as experiências empíricas.

Apresente uma segunda opção inaceitável. Faça criticas ao liberalismo na frente de um leitor do Rodrigo Constantino. Diga que o capitalismo não é justo. Que ele gera crises. Que ele não funciona etc. Primeiro ele se defenderá usando uma série de clichês. Caso você insista em apontar os problemas, ele passará a atacar Stalin, Lênin e companhia. Perceba, o debate era sobre os problemas do modelo liberal. Ou sobre as diferentes formas de se adotar o sistema capitalista. Mas ele não está apto a fazer uma discussão dessas. Então recorrerá a uma segunda opção inaceitável. Ou você concorda que tudo que eu digo ou você estará defendendo o terror Stalinista.

Prepare o caminho, mas oculte as conclusões. Trata-se do uso do famoso silogismo aristotélico. Explicando de forma mais simples, o debatedor usa premissa que, isoladas, dificilmente serão refutadas, porém podem levar a conclusões absurdas. “Todos os cavalos raros são caros. Os cavalos baratos são raros. Então, os cavalos baratos são caros” Repare que essa manipulação segue uma sequencia lógica e dificilmente alguém discordaria de cada argumento isoladamente. Porém a conclusão que se chega é absurda e paradoxal. 

Esse método é usado pelo Movimento Escola Sem Partido da seguinte forma: primeiro eles perguntam se o debatedor concorda com a premissa que a educação não deve ser doutrinadora. Claro que a resposta será positiva. Depois afirmam que o professor não deve usar a “audiência cativa” dos alunos para buscar seu interesse próprio. Novamente, não há como se opor. Por fim, eles dizem que nenhum professor deve perseguir um aluno por suas convicções políticas ou religiosas. Total acordo. No fim, vem o salto lógico, se nem os oposicionistas discordam das nossas propostas, por que eles não querem que as crianças saibam desses direitos?

Olhando para além das palavras: analise do discurso movimento do Escola Sem Partido.

“We don’t need no education
We don’t need no thought control”

O Movimento Escola Sem Partido nasceu da indignação do promotor Miguel Nagib com uma aula de história que sua filha havia recebido no colégio. O professor havia comparado Che Guevara a São Francisco de Assis. Tal fato fez com que o promotor chegasse à conclusão de que havia um processo de doutrinação em curso nas escolas e universidades brasileiras. Sim, isso mesmo, partindo de um relato de uma comparação infeliz, Miguel Nagib montou um movimento com o objetivo de acabar com esse suposto partidarismo. Mas como provar que tais práticas eram recorrentes? Estudar a história da educação? Ler os PCNs? Procurar os vínculos existentes entre o governo e os colégios para mostrar como este influencia no ensino? Nada disso. O caminho escolhido foi a manipulação e distorção dos fatos.

O primeiro passo você já conhece, isso mesmo, dividir o mundo em dois. Bem contra o Mal. O nome escolhido já ajuda a identificar essa manobra, de um lado estão aqueles que defendem a escola sem partido e do outro, por exclusão, os que defendem a escola partidária. Você já deve saber quem está no lado das trevas, sim, ela mesma, a extrema esquerda. São os herdeiros de Lênin que querem ocupar a mente das crianças indefesas.

Os defensores do projeto, para “provar” que a doutrinação é uma prática recorrente, apontam uma pesquisa, encomendada pela Revista Veja ao instituo Instituto CNT/Sensus, em que era perguntado qual era o principal papel da educação. Segundo o levantamento, 78% dos professores entrevistados teriam dito que é formar cidadãos. Pronto, hora de manipular as palavras e seus sentidos. Para Nagib e seus seguidores, com este resposta, os professores estariam assumindo que doutrinavam os alunos. Também passaram a confundir a argumentação. Usaram os péssimos resultados das escolas brasileiras nos exames internacionais para mostrar os efeitos desse suposto partidarismo. Ignoram todos os problemas estruturais do educação: falta de estrutura, baixo salários dos professores, falta de professores, desmotivação, pouco investimento por aluno etc. Tudo se resume mais uma vez a um plano diabólico da “extrema-esquerda” para conquistar o poder. Obviamente que um projeto que coloca a culpa nos professores pela baixa qualidade do ensino e ainda desqualifica a esquerda chamaria a atenção dos deputados e senadores. Era a chance de transferir a culpa para a oposição e para uma classe profissional.

Os erros teóricos, conceituais e as contradições do projeto são inúmeras. Mas, como já dito, poucos estão interessados nessas coisas chatas. Mas não custa apontar aqui os erros mais gritantes. Os professores responderam que o papel da educação seria o de “formar cidadãos” porque só foi dada uma opção de escolha. Isso não quer dizer que eles ignorem outros objetivos do ensino que, diga-se, não são excludentes. O processo educacional é múltiplo e é perfeitamente possível que várias habilidades cognitivas sejam estimuladas ao mesmo tempo. Mas as manipulações não param por aí.

Em seguida a turma do Nagib resolveu formular uma série de orientações que, segundo eles, seriam deveres do professor. Camufladas por um discurso de “neutralidade”, tais propostas, caso aplicadas, inviabilizariam qualquer forma de ensino crítico.

Além de colocar “teorias” e “opiniões” lado a lado e sem especificar o que seriam essas “opiniões”, o projeto parte de uma concepção errada do que seria o “pensamento crítico”. Obrigar os professores a tratar de todas as questões (e opiniões) políticas, socioculturais e econômicas importantes não é estimular o pensamento crítico. O resultado será muito parecido com o que já acontece nas redes sociais, ou seja, os alunos irão começar a buscar visões que corroboram os valores que eles já trazem. Pensamento crítico não é uma teoria, mas um método. Um método de desconstrução de crenças arraigadas e de crítica do próprio sujeito. Ou seja, o pensamento crítico é algo para ser usado para relativizar, não sendo construído apenas ouvindo todo o tipo de opinião. Se assim fosse, o Facebook estaria povoado por grandes pensadores. A capacidade crítica é uma habilidade que precisa ser desenvolvida ao longo do processo de aprendizagem e ela não se encontra nas teorias, mas na capacidade do aluno e pensar e desconstruir seus pressupostos.

O “dever” 06 é igualmente absurdo. Como um professor, num sala com 50 alunos, irá ministrar uma aula, digamos, sobre nazismo ou sobre o Golpe Militar de 1964 com um papel desses fixado na frente dos alunos? Imagina quantas crianças escutam em casa que o que houve em 64 foi uma Revolução Cívica? Ou que Hitler era comunista? Não há nenhuma base historiográfica para tais afirmações, são apenas opiniões, mas o projeto também contempla opiniões! E se o aluno entender que a ética existencialista não está de acordo com sua tradição cristã?

O pensamento crítico causa desconforto, pois é resultado de uma permanente desconstrução e reconstrução do sujeito, dos saberes, dos dogmas e das crenças. Ele não cria espantalhos para bater, ele não desqualifica o outro, ele não transfere a responsabilidade. E, por isso, provoca incomodo.

Considerações finais 

Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro
Transformam o país inteiro num puteiro
Pois assim se ganha mais dinheiro.

As redes sociais criaram uma realidade em que os usuários foram se colocando em nichos de opinião. O grande fluxo de informação desorienta. Como processar uma quantidade quase infinita de opiniões conflitantes e divergentes? Imerso numa torre de babel de palpiteiros, os usuários começaram a procurar lugares em que tais informações cheguem a eles filtradas e explicadas. Nesse caso, quanto mais simples melhor, ninguém tem tempo a perder. Se a página do MBL me diz que a esquerda não presta, ótimo, estou autorizado a ignorar boa parte das publicações que chegam até mim. Bem, se eu não gosto de petista e sigo o MBL, é porque eu devo ser liberal. Pronto, agora basta procurar que pensam iguais a mim. Ali eu encontrei explicações prontas para qualquer coisa. As dúvidas se evaporam, o desconforto desaparece. Sinto-me pronto para debater com qualquer um, pois tenho todas as respostas.

Arte de Paweł Kuczyński. 

As redes sociais, portanto, mais que um local de troca de ideias ou de informação, transformou-se num ambiente de construção de identidade. Um espaço para demarcar uma posição. Por isso o debate tem sido tão pobre. O que se pretende não é construir ideias, refletir, mas rivalizar com aqueles que pensam diferente. Se não há dúvidas, não há reflexão, isso já é sabido desde os gregos.

As manipulações, muitas delas grosseiras, de imagens e dos discursos, tem conseguido enorme repercussão em função disso. O critério principal não é a verdade, mas o engajamento a uma determinada visão de mundo. O outro lado que se vira para desmentir esse conteúdo, minha função é “atacar” o inimigo. É uma disputa de narrativas, de imaginários, em que a grande vítima é o pensamento.

Ou seja, vivemos uma realidade distinta daquele de Schopenhauer. Quando o filósofo alemão pensou A Arte de Ter Razão, ele estava escrevendo partindo do princípio de um debate entre duas pessoas diante de um público neutro, aberto das diferentes ideias em jogo. Não é o que normalmente acontece na rede. A discussão na internet é travada entre grupos de opiniões, fechados às divergências e que estão mais preocupados em demarcar território que construir qualquer forma de saber. E, como nos lembra Tolstoi: “os temas mais complexos podem ser explicados ao menos inteligente dos homens, caso ele ainda não tenha uma opinião formada sobre eles; mas o assunto mais banal não pode ser esclarecido ao mais inteligentes dos homens caso ele esteja convencido de que já conhece sem sombra de dúvidas o que tem diante de si”.

A internet não tem sido um instrumento democrático de acesso ao conhecimento, mas ela não perdeu esse potencial. Por isso, precisa ser repensada. O maior drama é saber que textos críticos só chegarão àqueles que já perceberam o problema. Um artigo como esse que você acabou de ler, voltado para pessoas que discordam da sua opinião, é como uma garrafa com uma mensagem esquecida no oceano à espera que alguém em terra firma a encontre. E, caso você resolva ler esse artigo e mesmo assim não concorde comigo, por favor, não se ofenda, “eu busquei as palavras mais certas, vê se entende o meu grito de alerta”.

Para saber mais:

• A Arte de Ter razão, de Arthur Schopenhauer.

 

http://voyager1.net/sociedade/voce-esta-sendo-enganado-no-facebook/ 




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