Pré-ocupações

Pré-ocupações

Colunista fala sobre as ocupações estudantis e a falta de mobilização dos docentes

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Foto: Quinn Kampschroer

Foto: Quinn Kampschroer

Há mais de cem anos, [o escritor e artista plástico português] Almada Negreiros escreveu: Quando eu nasci, todos os tratados que visavam salvar o mundo já estavam escritos. Só faltava uma coisa: salvar o mundo. Quando decidi ser professor, todos os tratados que visavam salvar a educação já estavam escritos. Só faltava refundar a escola, salvar a educação, sair da zona de conforto.

Já na distante década de 1970, nos pré-ocupávamos e questionávamos o instituído. Os enunciados dos projetos requeriam que se educasse para e na autonomia. Porém, professores cativos de uma platônica caverna, para onde uma “formação” deformadora os havia atirado, semeavam heteronomia. Uma tradição centralizadora e autoritária recusava às escolas o direito à autonomia, contrariando a lei. Provisórias medidas ministeriais adiavam a refundação da escola e negavam o direito à educação. A crença nas virtudes da velha escola mantinha os professores na ilusão de uma possível melhoria de um modelo em decomposição. Se a família terceirizava a educação dos seus filhos e a escola não ensinava, uma sociedade doente considerava normal que assim fosse.

O contraste entre a sofisticação do discurso e a miséria das práticas tornava-se insustentável. Se as medidas de política educativa negavam a muitos alunos o direito à educação (consagrado na Constituição e na Lei de Bases), o poder público teria direito de manter tais políticas? Se o modo como as escolas funcionavam provocava a exclusão de muitos jovens, as escolas poderiam organizar-se desse modo? Se, do modo como ensinávamos, muitos alunos não aprendiam, teríamos o direito de continuar a trabalhar desse modo? Cadê a ética?

Estas foram algumas das nossas pré-ocupações. Até o momento em que, fundamentando as nossas reivindicações na lei e numa ciência prudente, assumimos o estatuto de autonomia, dignidade profissional. Reivindicamos condições de desenvolvimento dos projetos político-pedagógicos, exigimos respeito pelas decisões (políticas e pedagógicas) das nossas escolas e comunidades. Da pré-ocupação passamos à ocupação.

No Brasil, ao cabo de 20 anos, o artigo 15o da LDB do Florestan e do Darcy é letra morta. A lei não foi cumprida e o poder público insiste no fomento de velhas fórmulas. Bem nos avisava o Anísio: Habituamo-nos a viver no país proclamado. Não no país real. Não existe uma política de Estado. Existe uma prática de desgovernos.

Mas há jovens brasileiros que não se mostram condescendentes com ministeriais disparates e ocupam escolas. Surpreende-me que sejam os jovens a ocupar escolas. Deveriam ser os professores a ocupá-las. Porque os jovens sabem aquilo que não querem, mas ignoram a escola a que têm direito. Suponho que os professores saibam…

Se o sabem, por que se mantêm apáticos, quando, na formulação de política educativa, critérios de natureza administrativa se sobrepõem a critérios de natureza pedagógica? Por que não cumprem os seus projetos? Por que consentem que burocratas lhes imponham a mordaça do “dever de obediência hierárquica”? Onde estão os professores? Por que não agem no chão da escola e da comunidade, fazendo o que é preciso e inadiável, assumindo um estatuto de autonomia? Por que não ocupam as suas escolas?

 

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