Relatos de um projeto autoritário

Relatos de um projeto autoritário

 

 

Programa de Ensino Integral de SP: relatos de um projeto autoritário e de exceção constitucional

Neste texto nos dedicaremos a relatar fatos que nos foram denunciados em diversas diretorias de ensino quanto às condições dos professores nas escolas que aderiram ao Programa de Ensino Integral (PEI) do Estado de São Paulo.

As escolas de tempo integral de SP vêm sendo implementadas desde 2012, na gestão tucana do governo Alckmin. Foram inspiradas no modelo privatista experimentado no Ceará, sob a tutela do bilionário Jorge P. Lemann. Em outro artigo detalhamos um pouco do histórico desse processo (1).

As escolas de tempo integral já representam 2.311 das escolas públicas paulistas (44% do total). Esse número sozinho é maior que muitas redes de ensino pelo país. Seu funcionamento é distinto das escolas regulares. Diminuem as turmas a serem atendidas e tende à exclusão do ensino noturno, prejudicando os jovens trabalhadores.

Na atribuição de aulas, não há respeito às legislações vigentes para o conjunto dos docentes. É como se criassem outra rede de ensino dentro da já existente. E nela, parte das leis atuais não se aplicariam. Trata-se de um regime de exceção constitucional mantido com a cumplicidade de todos os órgãos públicos em todas as esferas competentes.

Nesse modelo, quando admitidos, os professores passam a trabalhar em uma espécie de “cargo comissionado”, recebendo uma gratificação adicional por isso. Assim, podem ter sua posição cessada a qualquer momento, voltando à escola regular.

A jornada é de 40 horas presenciais na escola (regime de dedicação exclusiva) e a permanência do docente nesse programa estaria condicionada a uma boa avaliação anual. Esta avaliação é denominada “Avaliação 360” e teria a participação da gestão, professores e alunos.

Avaliação “360”

De acordo com Portaria de 16/09/2022 (2), a alegadamente democrática avaliação de desempenho dos professores foi composta em 2022 por 5 etapas:

1.Avaliação de Competências ou “Avaliação 360°”: Aqui é onde ocorre a “definição de participantes”, distribuição e preenchimento dos questionários para avaliação dos docentes. Quem os preenche? Alunos, todos os professores, todos os coordenadores, a direção, os professores especialistas em currículo, o supervisor da escola e o dirigente regional de ensino. E aqui chama atenção a redação da portaria quando fala em “definição de participantes”. Ou seja, são todos os alunos que preenchem tal questionário? Ou existe algum segmento da escola que define aqueles que participarão desse processo avaliativo?

2.Avaliação do docente: Aqui ocorre a análise quanto ao cumprimento de ações planejadas (independentemente do quão absurdas e inexequíveis sejam) e da assiduidade (toda e qualquer ausência é considerada). E quem avalia? Coordenadores, direção e dirigente regional.

3.Calibragem da avaliação 360º: Esta etapa, em si, é bastante curiosa. Após preenchidos os questionários, ocorre uma análise das conclusões acerca das respostas dos questionários da etapa 1. Quem é responsável pela análise? Novamente a gestão escolar. Ou seja, antes da divulgação dos resultados, são os gestores que analisam se os resultados estão “corretos”. Porém, por que analisar dados que seriam objetivos? Não seria o mesmo que um governo validar a votação em urna após as eleições? A existência dessa etapa em si mina qualquer discurso acerca da democracia desse processo avaliativo.

4.Consolidação da Avaliação: A gestão, que definiu a maioria daqueles que participariam do processo avaliativo, que analisou as respostas e que reavaliou os docentes em termos das ações planejadas e assiduidade, agora é também aquela que dará a palavra final sobre quais docentes permanecem no PEI.

5.Divulgação: Por fim, a gestão informa os resultados. Quanto aos recursos, eles serão avaliados (novamente) pelos mesmos que deram as notas nas quatro etapas anteriores.

Como vemos, ao contrário do que é dito, não há avaliação democrática nas escolas de tempo integral. Todas as etapas são controladas pela gestão escolar. Mesmo na etapa considerada a mais horizontal, não são todos os alunos que participam e aqueles que preenchem os questionários são definidos pela gestão. E caso os resultados não representem a percepção dos gestores, na fase de calibragem dos resultados do questionário isso pode ser alterado. Trata-se de um processo avaliativo profundamente autoritário, expressão evidente da ditadura de classe da sociedade na qual vivemos.

Relatos da realidade das escolas de tempo integral

Os relatos que recebemos ajudam a desmontar qualquer narrativa que tenta vender a ideia de que as escolas de tempo integral sejam um ambiente democrático e inovador quanto ao ensino e aprendizagem. Ao contrário, o que predomina nos relatos observados é o desprezo permanente aos direitos dos trabalhadores e de ataque às liberdades democráticas. Destacamos 5 pontos nos relatos recebidos:

  • Desconto de ponto nas avaliações por faltas médicas, inclusive em caso de doença infectocontagiosa:

Dentre os relatos recebidos, professores com Covid-19 tiveram desconto no quesito assiduidade. Ocorre que o afastamento por doença infectocontagiosa é obrigatório, trata-se de uma proteção dos alunos e dos outros trabalhadores. Ou seja, o PEI, de modo dissimulado, incentiva que professores compareçam ao trabalho contaminados, aumentando a difusão do vírus nesse contexto escolar.  Isso é um crime do qual a administração do Governo do Estado de São Paulo é conivente.

Em outras situações, a ocorrência de doenças típicas da profissão docente como distúrbios psicológicos, pressão alta e inflamação das cordas vocais são tratadas como descaso com a educação pública, sendo essa uma das justificativas para a retirada desses professores do PEI.

  • Decisão arbitrária dos alunos que avaliam os professores e ausência de retorno quanto às avaliações:

O retorno das supostas avaliações realizadas nas escolas que aderiram ao PEI parece não existir. Além disso, conforme apontado na seção anterior, as testemunhas confirmam que os alunos que avaliam os professores são escolhidos arbitrariamente pela gestão. Em alguns casos, alunos que sequer tiveram aula com tal docente são colocados na posição de avaliá-lo. Trata-se de um mecanismo de fachada com vistas a permitir aos gestores implementar uma avaliação autoritária sob um matiz democrático.

  • Necessidade de financiamento de materiais pedagógicos para cumprimentos dos projetos educacionais:

Além do critério assiduidade, outro que teria algum tipo de concretude na avaliação docente seria a conclusão das atividades planejadas. Ocorre que os relatos recebidos apontam a ausência de materiais pedagógicos e didáticos para a finalização ou mesmo início dos projetos. Nessas circunstâncias, onde qualquer reclamação ou pedido de materiais pode ser considerado uma razão para diminuir a nota docente, ele passa a tirar dinheiro do próprio salário para garantir a finalização dos projetos e sua consequente permanência.

  • Assédio moral permanente e Escola Sem Partido:

Um dos relatos mais assombrosos recebidos foi a proibição de conversas na sala dos professores que não tivessem o teor aprovado pela gestão, seja qual fosse este. Trata-se de uma clara restrição do direito à livre expressão de pensamento, que é garantido constitucionalmente. Estamos diante de uma grave violação de liberdades democráticas. E nem é preciso dizer que falas de conteúdo sindical são radicalmente proibidas nesse espaço.

Além disso, a perseguição individual também foi citada. Isso causou problemas a diversos professores, o que culminou em afastamento para tratamento psiquiátrico e, consequentemente, exclusão do PEI pelo critério assiduidade.

Como vemos, a escolas que aderiram ao PEI são espaços privilegiados para implementação não oficial da Escola Sem Partido, que visa impor um regime obscurantista nas escolas de total repressão à liberdade de pensamento e, especialmente, de organização política de estudantes e professores.

  • Culpabilização dos docentes pelos problemas estruturais da educação pública:

Em mais um exemplo das atrocidades vividas cotidianamente nesse ambiente que se diz de ensino e aprendizagem, atos de indisciplina e mesmo de violência contra os professores são considerados advindos dos próprios docentes. Seria uma resposta do aluno oprimido contra o docente opressor. Assim, caso um aluno ofenda ou ameace um servidor público em exercício, como um professor, isso será considerado falta de gestão de sala de aula.

Essa constatação é digna de concorrer ao prêmio Nobel da estupidez humana. Desconsidera as condições sabidamente insalubres para o desenvolvimento da educação pública em todo o país: salas de aula lotadas, professores cansados, jornadas exaustivas, pouco tempo para preparação e execução de aulas, violência escolar, falta de funcionários, terceirização e precarização do trabalho, dentre tantos outros problemas. Ignora-se tudo isso, e culpabiliza-se o docente por não resolver os complexos sociais, culturais e, sobretudo, econômicos que se sintetizam no chão de escola.

O papel dos professores é a difusão dos conteúdos historicamente construídos pela humanidade para as novas gerações. Contudo, o PEI é mais um exemplo de como, sob o capitalismo, isso não poderá ser alcançado.

Perspectivas da luta contra o PEI

O que ocorre hoje no PEI não é fruto de uma simples maldade dos tucanos. Isso é expressão da política burguesa de destruição dos (parcos) direitos trabalhistas conquistados durante o século XX e oficializados com a constituição de 1988. E mesmo esses poucos direitos são cotidianamente colocados em questão há décadas.

Agora, vivemos o desmembramento da Nova República nascida em 1988. Isso fica evidenciado com as contrarreformas da Previdência, Trabalhista, da Terceirização e do Ensino Médio. A regra é retirada de direitos e aumento dos lucros da classe capitalista. Ainda estão na mira da burguesia outras medidas, como a Reforma Administrativa. Esta última seria a oficialização das barbaridades que acabamos de descrever sobre o PEI.

Sob o governo de Tarcísio, a tendência é a situação nas escolas que aderiram ao PEI piorarem. Ele já adiantou a intenção de colocar membros das forças armadas dentro das escolas, potencializando os conflitos no espaço escolar. Também as terceirizações, inclusive das gestões escolares, passam a ser algo possivelmente presente nesses espaços, com a indicação de Renato Feder a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.

Ao passo que a luta local contra a aprovação do PEI nas escolas regulares deva continuar, o aumento alarmante das adesões gera uma massa de trabalhadores e estudantes nesses espaços. Assim, o que veremos no próximo período é o aumento dos questionamentos frente às arbitrariedades do PEI. Isso pode se desenvolver em um movimento de resistência por parte dos professores e estudantes contra esse modelo autoritário e privatista de educação. Porém, para que isso aconteça, precisamos estar organizados.

Denuncie os absurdos da PEI e entre em contato para que possamos organizar uma real luta contra as escolas de tempo integral. Só a luta traz conquistas!

Contatos:

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https://www.facebook.com/educadorespelosocialismo

Fonte:

1 – https://www.marxismo.org.br/a-reforma-do-ensino-medio-de-temer-na-pratica-parte-1-o-caso-do-estado-de-sao-paulo/

2 – Portaria Conjunta CGRH-COPED 01, de 16-09-2022. Disponível em:  https://www.cpp.org.br/index.php/procuradoria/publicacoes/item/18759-portaria-conjunta-cgrh-coped-01-2022-cronograma-do-processo-de-avaliacao-de-desempenho-dos-integrantes-do-quadro-do-magisterio-que-atuna-nas-escolas-pei#:~:text=A%20Portaria%20Conjunta%20CGRH%2DCOPED,o%20ano%20letivo%20de%202022.

 

https://www.marxismo.org.br/programa-de-ensino-integral-de-sp-relatos-de-um-projeto-autoritario-e-de-excecao-constitucional/?fbclid=IwAR1XkviMWB8QZA6Fzr9ew6X0Y5MOeElA7wcipHxCBhqijJD-clTMk-5gHZ0 




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