A conjuntura política tem demonstrado uma dinamicidade enorme nas últimas semanas. Desde que o ex-presidente Lula foi conduzido de forma coercitiva pela Polícia Federal para depor no Aeroporto de Congonhas. É óbvio que todos os ataques sofridos nas últimas semanas pelo governismo e o ex-presidente são questões que os movimentos sociais já vinham sofrendo há bastante tempo, não há dúvida disso. O Estado Democrático de Direito duramente conquistado na luta contra ditadura empresarial-militar vem sendo sistematicamente desmontado. Seja com o processo de privatização tocado durante todos os anos 90 e que continua a acontecer até hoje, mas sob outras nomeclaturas, seja o recrudescimento cotidiano do Estado penal e do processo de criminalização da pobreza que também perdura desde a redemocratização até agora.

O Brasil sempre foi um país conservador, só olharmos a nossa história galgada na escravidão de negros e indígenas, o apagamento da história sobre nossas revoltas e revoluções e a garantia de repassar apenas o que as elites achavam importantes passar. Sim, o Brasil sempre foi e continua a ser um país conservador. Porém, houve um momento histórico que garantimos direitos mínimos.

Os últimos acontecimentos apenas são o ensaio para o ato final de um processo que se desenvolve há tempos: A burguesia nunca suportou garantia de direitos constitucionais mínimos dando condição da classe trabalhadora em toda sua diversidade de raça, identidade gênero e orientação sexual reivindicar e conquistar direitos. Passaram os últimos 30 anos retirando rodos os direitos que conseguiam, recrudesceram o que podiam para assim enterrar as conquistas importantes que a classe trabalhadora e a esquerda arrancaram nos anos 80. Sim, mês após mês, ano após ano a democracia foi sendo fragilizada e chegamos onde hoje estamos: o ato final do desmonte do mínimo que assegura continuarmos a lutar por nossos direitos.

Não é porque fazemos oposição a um governo que, desastroso e catatônico, não consegue governar o país, quanto mais cumprir minimamente suas propostas de campanha, que fecharemos os olhos a um golpe de natureza institucional que começou em Curitiba, tramita pelo parlamento e hoje se alastra em manifestações incentivadas pela mídia e pelas entidades patronais em todo o país (não à toa que, em São Paulo, o ato foi em frente a uma FIESP enfeitada com um letreiro luminoso pedindo a renúncia de Dilma; pra não esquecer que Beto Studart, da federação da indústria cearense, propôs uma greve patronal pela queda do governo). (Moro, o “herói” conservador)

É um ataque final e precisa ser respondido de conjunto, não há dúvida. Infelizmente, os ataques a democracia não param de aparecer. Já vimos bem esse filme várias vezes, fosse as incursões militares contra o Quilombo Rio dos Macacos, indígenas ocupando Belo Monte ou a polícia federal criminalizando todos que lutam para garantir a demarcação de terras no nosso país. Vimos isso com a Lei Geral da Copa que ajudou a criar um Estado de Exceção durante todo período do megaevento empurrando as mulheres negras para morarem nas periferias das periferias com seus projetos de reorganização das cidades brasileiras.

Durante a posse dos novos ministros, Dilma falou da garantia da presunção de inocência e do amplo direito a defesa. Dois pontos fundamentais do direito penal cotidianamente desrespeitados no Brasil, principalmente quando se refere a população negra. No mesmo dia em que a presidenta aponta algumas questões necessárias para a garantia do Estado Democrático de Direito nos deparamos com mais um grande ataque. Dessa vez o ataque não vem da direita, dos verdeamarelos ou dos adoradores de pato.

O golpe veio do próprio governo federal. Na edição extra do Diário Oficial da União está lá a Lei Antiterrorismo do dia 17 de março de 2016 está publicada a Lei Antiterrorismo com vetos parciais feitos pela presidenta Dilma. Mesmo com os vetos, que podem ser derrubados pelo Congresso Nacional, a lei ainda abre uma brecha gigantesca para a criminalização dos movimentos sociais.

Ter essa lei sancionada nesse exato momento da conjuntura só ajuda a atacar a democracia mais do que ela já foi nas últimas décadas e semanas. Dá para a direita mais ferramentas para a perseguição despolitizada que vem sendo feita ao conjunto da esquerda brasileira. Além, de recrudescer profundamente o processo de encarceramento em massa que vivemos no país e não dá pra pensar efetivamente a garantia de democracia seja onde for se não pensarmos o que é o processo de encarceramento em massa e por que é de interesse do capital que isso aconteça.

A lei antiterrorismo foi enviada ao Congresso Nacional pelos Ministérios da Fazenda e da Justiça e já na justificativa do projeto lei já consta que a importância do projeto é garantir acordos internacionais com o GAFI (Grupo de Ação Financeira).

O grupo faz parte da rede de proteção que busca intervir em padrões institucionais com efeitos negativos sobre a “integridade” do sistema financeiro. O objetivo é reagir às possíveis ameaças advindas da lavagem de dinheiro e do financiamento ao terrorismo. Para tanto, o GAFI desenvolve recomendações e, em seguida, monitora a aplicação das medidas em seus países membros. Ao final, emite relatórios de avaliação que classificam os países como “conformes”, “parcialmente conformes” e “não conformes”. (Projeto de “lei antiterrorismo”: para quem?)

Para garantir que o país fique bem junto ao sistema financeiro internacional se aceitou recomendações de instituições que defendem abertamente reduzir o espaço político de movimentos sociais para diversos países. Os interesses se movem por aí, aumenta o processo de criminalização e militarização do Estado para garantir os investimentos da burguesia. Ter essa lei sancionada agora dificulta a luta pela garantia das mínimas garantias legais já conquistadas, até por que quem luta pela garantia de direitos são os movimentos sociais. E sabemos quem mais sofre com leis como esta: imigrantes, negros, indígenas e lutadores sociais.

Na semana do 8 de março diversas entidades apresentaram nota técnica com motivos para que Dilma vetasse integralmente o PL 2016/2015. Reiterando a desnecessidade de tipificar o crime de terrorismo no Brasil. Segundo o documento, o projeto em sua totalidade simboliza o maior retrocesso político-criminal desde a redemocratização em 1988.

Podem vir me dizer que neste momento não é momento de fogo amigo. Mas fogo amigo é o que veio do governo federal ao mandar para o Congresso Nacional esse projeto e agora sancioná-lo em meio a tal conturbação política e jurídica. Sabemos que a justiça tem lado numa sociedade de classes, misógina e racista e esse lado não é daqueles que lutam por igualdade e mais direitos sociais.

Se a grande mídia tivesse feito a quantidade de matérias sobre esse fato assim como fez sobre a Operação Lava-Jato era provável que os adoradores de pato da Av. Paulista achassem uma medida importante e dessem seu apoio, pois vai ao encontro com tudo o que eles vem defendendo no último período.

Estamos em um momento em que é preciso politizar o debate, garantir a ocupação das ruas em defesa dos direitos historicamente conquistados pela classe trabalhadora e, sobretudo, não deixar o processo de retrocesso de consciência de classe avançar. A lei antiterror ser sancionada não ajuda nisso, não ajuda no processo de organização da luta que precisa ser travada nesse momento.

O que vemos hoje no Brasil é o Estado Democrático de Direito agonizando e os ataques vem de todos os lados. O que nos resta? Nos resta lutar e defender o que resta da democracia para podermos seguir travando a disputa por mais direitos e por mudanças sociais profundas.

 

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