Fies: grande negócio

Fies: grande negócio

Fies: grande negócio para os tubarões do ensino, pesadelo para estudantes

Agiotagem da educação começou com o PSDB, foi ampliada pelos governos do PT e agora segue com Temer. À custa do Fies, grupos estrangeiros passaram a comprar universidades por atacado e a varejo no país, enquanto estudantes endividados ainda sofrem com cobranças “extras”, superfaturamento nas mensalidades, além da baixa qualidade do ensino

ANTÔNIO ROSA

 Nesta continuação de nossa matéria sobre o Fies, veremos o quanto foi ruim para o povo brasileiro o governo do PT ter colocado a expansão do ensino superior nas mãos – ou no bolso - de grupos de ensino privado, e em regra, estrangeiros.

Com a ocasião feita para o ladrão, o Fies se tornou um grande negócio para os tubarões da educação, e uma grande dor de cabeça para os estudantes financiados pelo programa, que se tornaram vítimas da política de “agiotagem da educação ”, iniciada pelo PSDB, no governo Fernando Henrique, e reinaugurada pelo PT, sobretudo a partir de 2010.

Os jovens que sonhavam em entrar na faculdade eram atraídos pelos feirões do Fies, feitos por grupos educacionais, que divulgavam em outdoors, ou faixas nos campos de suas faculdades, slogans do tipo: “Realize seu sonhos com fies”; “Conquiste seu diploma a juros baixíssimos”; “Fies para se realizar”, entre outros.

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Também havia aquelas que se propunham a palestras sobre o tema, como o famoso grupo educacional Uniesp, de São Paulo, que foi visto nas páginas policiais em 2012 - por divulgar propaganda enganosa - após se comprometer a pagar as mensalidades de seus novos alunos.

Para isto, o estudante deveria procurar um banco e contrair (em seu nome!) o financiamento estudantil (Fies). A instituição fornecia um documento ao estudante, no qual o grupo se comprometia a quitar a dívida.

O pior é que, mesmo sendo verdadeiras as denúncias, o grupo foi a terceira empresa educacional a receber mais dinheiro do governo federal em 2014, faturando R$ 405 milhões. Dos seus 30 mil alunos na época, 80% estudavam pelo Fies, segundo divulgado do Estadão.

Outra forma de fazer dinheiro com o Fies foi a busca de alunos que já estavam matriculados  nas universidades, ou seja, alunos que, em tese, teriam condições de pagar o curso.

A criatividade era grande, como apontam os técnicos do TCU: “A Anhanguera (do grupo Kroton), por exemplo, diz em seu site que se ‘você colocar na poupança o dinheiro que iria usar para pagar a faculdade, você acaba tendo lucro’. (http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,regras-atuais-do-fies-incentivam-quem-tem-dinheiropara-curso,1642345)”(cf. Relatório de Auditoria, TC 011.884/2016-9, VOTO. Pag. 7).Até o grupo XP Investimentos, através do InfoMoney quis tirar uma vantagem com o programa: “Como a taxa de juros do FIES é de 0,279% ao mês é possível conseguir ganhos superiores a isto aprendendo a investir. No final do seu curso você já terá grande parte do valor da dívida guardada no banco rendendo juros. E estes juros podem pagar as parcelas do financiamento sem que você tenha que comprometer o seu salário.” (https://www.clubedospoupadores.com/financiamentos/fies-vale-pena-financiarfaculdade.html).(cf. Relatório de Auditoria, TC 011.884/2016-9, VOTO. Pag. 8).

Com toda esta pouca vergonha, o governo, em todo esse período, não fez nada – ou, melhor, fez: cedeu aos grupos de ensino privados, locupletando-os. À custa do Fies, esses poucos grupos que citamos passaram a comprar universidades por atacado e a varejo, neste país.

Em 2016, o governo de Dilma/Temer repassou as faculdades privadas e/ou sob controle estrangeiro R$ 11 bilhões, 316 milhões, 136 mil e 802 reais.

Com a atualização do repasse pagos pelo governo no ano passado, em 7 anos, o governo federal repassou a essas faculdades privadas, R$ 49 bilhões, 317 milhões, 390 mil e 422 reais, através do Fies (ver tabela 19).

Na proporção de alunos matriculados em ensino presencial, que dependem do Fies, em primeiro lugar está o grupo Kroton, que passou de 11%, em 2010, para 54%, em 2015 – tendo seu ápice em 2014, quando atingiu 61% dos seus estudantes financiados pelo Fies. Se somarmos o lucro do Kroton de 2010 até 2015, o grupo teve um lucro líquido sde R$ 3 bilhões, 915 milhões e 630 mil.

Logo em seguida, vem o grupo Estácio de Sá Participações, que passou dos 8% de alunos dependentes do Fies, em 2011, para 41% em 2015. (O grupo Estácio foi comprado pelo Kroton em 2016, porém a fusão não foi a aprovada pelo Cade). Ao todo neste período, o lucro líquido do Estácio de Sá foi de R$ 1 bilhão, 292 milhões e 800 mil.

Em terceiro, o grupo Ser Educacional, que partiu dos 3,6% de alunos do Fies, em 2010, para 45,2% em 2015, com um lucro líquido, nesse período, de R$ 664 milhões e 647 mil (v. tabela 10 e 11).

Para boa parte alunos que aderiram ao programa, acreditando estar mais próximos da realização de um sonho – a realidade se tornou cruel. Os estudantes financiados denunciam que estão sofrendo com cobranças “extras”, superfaturamento nas mensalidades, além da falta de estrutura e baixa qualidade do ensino.

Em sua grande maioria, entre as instituições que estão realizando cobranças indevidas de alunos com 100% de bolsa, estão as faculdades pertencentes ao grupo Kroton, segundo denúncia de estudantes à revista Veja.

Segundo o relato de estudantes que cursam medicina na Universidade Anhanguera-Uniderp,  em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, mesmo tendo a mensalidade de R$ 11 mil, 217 reais e 45 centavos, cem por cento custeada pelo fincamento estudantil – a instituição privada está cobrando “taxas extras” dos estudantes.

Os mais de 200 alunos da Uniderp que estão sob o Fies, procuraram a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, e acabaram obtendo na Justiça, liminarmente, a proibição por parte da faculdade de cobranças indevidas.

Porém em julho do ano passado, o desembargador do Tribunal de Justiça do MT, Nélio Stábile, suspendeu a decisão, e até hoje os estudantes aguardam novo julgamento.

Outra denúncia dos estudantes é a diferença do valor das mensalidades cobradas entre alunos financiados com dinheiro público e estudantes sem o Fies. Segundo apurou a repórter Fernanda Allegretto, por exemplo, na Faculdade Pitágoras de Ipatinga, em Minas Gerais, “no curso de engenharia mecânica, a mensalidade para os estudantes dentro de uma mesma sala varia de 700 a 1.501 reais. No curso de engenharia elétrica, vai de 769 a 1.501 reais. Sempre quem paga o preço mais alto são os alunos do Fies”.

Como se explica tal fenômeno?

É simples, o Fies é um dinheiro certo para os tubarões do ensino, pois tanto com o governo Dilma (e mesmo com a chuva de cortes realizada por seu ministro da Fazenda. Joaquim Levy), quanto no governo Temer, com o teto de gastos para as despesas primárias (ou seja, congelamento de investimentos e gastos da educação pública, saúde e demais setores que atendem ao povo por 20 anos), eles terão seu quinhão garantido, uma vez que as despesas do Fies são enquadradas como despesas financeiras – as mesmas despesas que garantem o lucro de banqueiros e outros rentistas.

Com esta barbada, as empresas educacionais lançaram um novo feirão - mas agora de “descontos” para mensalistas fora do Fies, para que os preços cobrados dos estudantes dependentes do Fies pareçam reais.

Se não fosse isso, seria impossível a mensalidade do curso de medicina da  Anhanguera-Uniderp ser de 11 mil, 217 reais e 45 centavos. Quantos alunos essa faculdade conseguiria, com esse preço, sem o Fies? Essa mensalidade é quase duas vezes (1,9 vezes) as mensalidades das Faculdades de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (R$ 5 mil, 883 reais e 30 centavos), que a Universidade Católica de Brasília/DF (UCB) - R$ 5 mil 630 reais e 18 centavos - ou 1,7 vezes mais cara que o mesmo curso na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) - R$ 6 mil e 521 reais.

Pela falta de controle sobre o programa, estudantes, em regra de baixa renda, e na sua grande maioria ludibriados pelas facilidades propagandeadas por malfadados grupos privados, levaram os estudantes a se endividarem.

Além disso, há o endividamento de estudantes que se formaram, ou os que adiantaram o período de carência/amortização, isto quer dizer, estudante que tiveram cortados seus financiamentos, mas que terão que pagar o tempo que cursou.

   Segundo dados do FNDE, em 2015 apenas 53% do total de contratos em período de amortização encontravam-se em dia, ou seja, 47% dos contratos estavam com algum nível de inadimplência, havendo quase 26% dos financiamentos em atraso de mais de 360 dias.

Segundo o TCU, o número de estudantes inadimplentes referem-se à somente o período de expansão do Fies – a partir de 2010, considerando que a amortização somente se inicia após o término do curso e do período de carência (até 18 meses, a depender do momento da assinatura do financiamento). Ou seja, em regra, o financiamento de um curso de quatro anos, iniciado no início de 2010, somente começará a ser amortizado em meados de 2015 e essa amortização somente cessará no final de 2028 (cf. rel. cit. p. 37).

 

http://www.horadopovo.com.br/2017/02Fev/3512-15-02-2017/P8/pag8a.htm 




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