A beira do narcoestado

A beira do narcoestado

O BRASIL À BEIRA DO NARCOESTADO

O AVANÇO INVISÍVEL DO PCC NA ECONOMIA, NA POLÍTICA E NAS INSTITUIÇÕES

Por João Guató

 

 

Lincoln Gakiya não é apenas um promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo. Ele se tornou, ao longo de mais de 20 anos, o rosto mais conhecido da resistência institucional contra o Primeiro Comando da Capital (PCC). Vive sob escolta, recebe ameaças diárias e, ainda assim, fala com a naturalidade de quem já atravessou todos os limites do medo.

Em entrevista ao jornal *O Globo*, Gakiya disparou uma frase que soa como epitáfio do Brasil democrático:

“É mais fácil dizer em qual ramo da economia o PCC não está”.

A declaração não é retórica. É diagnóstico. O promotor vê o crime organizado ocupando espaços formais da economia, infiltrando-se em bancos, fintechs, usinas, postos de gasolina e até mesmo campanhas eleitorais. O PCC já não é apenas facção criminosa — é máfia.

DA CADEIA AO COMBUSTÍVEL: A “CARBONO OCULTO”

O estopim da entrevista foi a megaoperação que desvendou os laços entre o PCC e o setor de combustíveis. A “Carbono Oculto” revelou refinarias, usinas e importadores de metanol ligados a empresários cúmplices ou associados ao crime.

Segundo Gakiya, não é caso isolado:

A Operação Sharks mostrou fintechs servindo de rota para enviar dinheiro sujo ao Paraguai.

Já a Carbono Oculto exibiu um nível superior de sofisticação, em que empresas reais — com funcionários, contratos e sede — funcionavam como motores da lavagem.

O modus operandi é simples, mas eficiente: adulteração de combustível, fraude em notas fiscais e uso de doleiros digitais para circular o dinheiro da cocaína vendida na Europa.

A NOVA ECONOMIA DA FACÇÃO

O PCC abandonou o exibicionismo de fuzis e assaltos cinematográficos. O poder hoje está nos balancetes e contratos formais. A facção injeta o dinheiro sujo em empresas aparentemente legais, transformando-se em sócia invisível de cadeias inteiras da economia.

“É impossível saber em quantos setores o PCC atua”, diz Gakiya. “Ele já é uma organização mafiosa. O dinheiro do tráfico internacional precisa circular e encontra nas empresas reais — de postos de gasolina a fintechs — a porta de entrada.”

O PCC E AS USINAS DE CANA

Outro ponto delicado da entrevista foi o avanço no agronegócio. O promotor confirma relatos de que a facção ameaça proprietários de usinas e fazendas para forçar vendas a preços abaixo do mercado.

No ano passado, incêndios em plantações de cana no interior paulista levantaram suspeitas de ação criminosa. Embora não se confirme o envolvimento direto, Gakiya admite que a facção já opera nesse setor estratégico.

“Nem todo o setor de combustíveis é PCC”, ressalva ele. “Mas há empresários associados, intimidados ou cúmplices.”

O TENTÁCULO POLÍTICO

Mais explosiva ainda foi a revelação do financiamento de campanhas eleitorais.

Segundo o promotor, já há provas de candidaturas de vereadores e prefeitos apoiadas pela facção. E a lógica é mafiosa: quem recebe apoio financeiro precisa, depois, devolver em forma de contratos, facilidades e licitações.

“Quando você elege, você cobra a fatura depois”, resumiu.

FINTECHS E BANCOS NA BERLINDA

A entrevista também repercutiu no setor financeiro. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que as fintechs passarão a ser tratadas como instituições financeiras — uma medida que só entraria em vigor em 2029, mas foi antecipada após as operações.

Para Gakiya, a decisão foi fundamental. A brecha que permitia a lavagem em larga escala começará a se fechar.

“Agora, bancos e fundos terão que rever seus padrões de compliance. Até hoje não foram cuidadosos em verificar a idoneidade dos investidores. Isso é obrigação deles.”

O ESTADO DESORGANIZADO

Enquanto o crime se articula como máfia, o Estado brasileiro segue fragmentado. Ontem mesmo, MP-SP e Polícia Federal anunciaram operações parecidas no mesmo horário, disputando protagonismo.

“Há 34 anos escuto falar em integração. Nunca se resolve. Cada instituição age como feudo”, lamenta Gakiya.

Por isso, defende a criação de uma Agência Antimáfia, nos moldes italianos. Um organismo suprainstitucional, com dados compartilhados, foco comum e blindagem contra a vaidade dos chefes de cada corporação.

A PROTEÇÃO DO CRIME

Gakiya não hesita em admitir: sem agentes públicos corrompidos, o PCC não teria chegado onde chegou. Policiais, fiscais, promotores, juízes. A infiltração garante proteção, impunidade e continuidade.

“Infelizmente, quando uma organização se torna mafiosa, só sobrevive corrompendo o sistema por dentro”, disse.

O NARCOESTADO EM FORMAÇÃO

O PCC está presente em 28 países, Controla rotas de cocaína para a Europa, compra usinas, financia campanhas e contamina instituições. O Brasil, se nada mudar, caminha para se tornar um narcoestado.

Para Gakiya, a saída passa por dois caminhos simultâneos:

Políticas sociais que supram a ausência do Estado nas periferias, onde hoje o PCC substitui polícia, escola e posto de saúde.

Coordenação nacional antimáfia, unindo todas as agências de investigação.

Se nada disso for feito, o promotor não hesita em prever:

“Daqui a algumas décadas, teremos cruzado a linha do não retorno.”

FONTE:

Pasquim Cuiabano Joao Guato

https://www.facebook.com/joaoguato?locale=pt_BR




ONLINE
9