Mateus Bruxel / Agencia RBS
No Palácio Piratini, resultado é celebrado, mas o governo sabe que, com as eleições, nada está garantido     Mateus Bruxel / Agencia RBS

Apesar das pressões, da ameaça de tempestade e das eleições batendo à porta, a maioria dos deputados gaúchos aprovou, nesta terça-feira (17), o projeto que faltava para viabilizar a adesão do Estado ao tão falado (para o bem e para o mal) regime de recuperação fiscal (RRF).  

A decisão abre caminho para que o acordo com o governo federal seja selado nas próximas semanas, mas as dúvidas persistem: o que farão os candidatos ao governo do Rio Grande do Sul em relação ao tema? E o novo governador?

A discussão sobre o assunto se arrastou por cinco anos e, de fato, nunca foi consensual. 

Os críticos veem no programa de socorro federal medidas excessivas de responsabilidade fiscal e temem o engessamento das futuras gestões. Como alternativa, defendem a rediscussão - e extinção - da dívida com a União, um passivo bilionário e injusto, que argumentam já ter sido pago.

A questão é que, até hoje, mesmo nos momentos em que nomes de um mesmo partido governaram o RS e o Brasil, não houve avanços nesse sentido. Há uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS) questionando a conta no Supremo Tribunal Federal (STF), é verdade, mas o processo tramita há mais de 10 anos e, embora legítimo, não tem garantia de êxito.

Com o aval da Assembleia, nesta terça-feira (17), foram superados os obstáculos técnicos à adesão. Resta descobrir qual será a decisão na arena política. Os eleitores merecem saber não só o que cada candidato a governador pensa sobre o assunto, como o que planeja fazer, de forma realista e objetiva.

Os concorrentes podem, por exemplo, pedir ao presidente da República que mantenha o assunto em banho-maria até sair o resultado das urnas. Isso deixaria o Estado em uma espécie de “limbo” por meses.  

Caso a adesão se concretize, como quer a Secretaria da Fazenda, o futuro governador terá a prerrogativa de quebrar o acordo, assim que assumir o mandato, a qualquer momento. Fará isso? Se a resposta for “sim”, é bom ter em mente que o Estado terá de voltar a pagar cerca de R$ 3,5 bilhões por ano à União “sem anestesia”. Como será cumprido o compromisso? 

Traduzindo em cifras

Caso o Estado entre no regime de recuperação, o pagamento da dívida com a União (suspenso desde 2017) será retomado de forma gradativa. Começará no início de 2023, em parcelas escalonadas, cujo valor completo será atingido em nove anos. 

A soma inicial ficará perto de R$ 40 milhões mensais. A título de comparação, hoje, a parcela cheia seria próxima de R$ 300 milhões, sete vezes mais. O valor supera, por exemplo, o que o Estado gastou com o custeio de hospitais e medicamentos em fevereiro deste ano, segundo o mais recente Informe Financeiro do Tesouro do RS. 

E os precatórios?

Quando se fala no regime de recuperação, é importante lembrar que há, ainda, outro passivo na jogada: o dos precatórios, de R$ 16 bilhões. 

Com a adesão, o governo terá autorização federal para financiar US$ 500 milhões para acelerar a quitação, que, por lei, tem de ser zerada até 2029. Sem isso, terá de ampliar pagamentos com verba própria.

https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/juliana-bublitz/noticia/2022/05/ultimo-entrave-tecnico-ao-regime-de-recuperacao-fiscal-e-superado-agora-disputa-e-no-tatame-politico-cl3almk35003l019iseg1am56.html 

 

O que diz a história sobre as tentativas de extinguir o contrato da dívida do RS com a União

Tema voltou ao debate pautado por OAB-RS e Ajuris, que questionam a adesão do Estado ao regime de recuperação fiscal como saída para o problema

03/05/2022  - JULIANA BUBLITZ

Reprodução / Zero Hora

Capa de ZH em março de 1979 já dava uma dimensão do problema  Reprodução / Zero Hora 

 

Em 2013, passei um mês ouvindo ex-governadores, ex-secretários da Fazenda e economistas para uma reportagem sobre a história da dívida do RS. A bola de neve teve início há 50 anos. Desde então, passaram-se diferentes governos, e a controvérsia persiste. Às vésperas da adesão ao regime de recuperação fiscal, o debate voltou aos holofotes, pautado por OAB-RS e Ajuris, que representam advogados e juízes gaúchos.

É claro que o ideal seria - como defendem as entidades - a revisão e a consequente extinção do contrato (de fato, impagável) assinado em 1998, quando a União assumiu o passivo, na gestão de Antônio Britto. Mas a história sugere que a saída não é simples.  

Naquela época, o governo estadual se comprometeu a devolver, em 30 anos, cerca de R$ 9 bilhões à União (em torno de R$ 60 bilhões em valores corrigidos), com juros de 6% e incidência do IGP-DI. O indexador cresceu além do esperado, e o passivo se multiplicou. Hoje, depois de ter repassado quase R$ 40 bilhões aos cofres federais, o RS ainda deve R$ 73 bilhões. É um absurdo, não há dúvida. 

O fato é que, nas últimas duas décadas, houve inúmeros questionamentos ao contrato, inclusive na Justiça - o primeiro deles ocorreu já em 1999, no governo de Olívio Dutra. Sem nunca chegar a uma solução definitiva, a discussão prosseguiu, ano após ano, em meio à crise.

Em 2013, Tarso Genro conseguiu viabilizar uma  renegociação, concluída por José Ivo Sartori. Após dezenas de reuniões, foi possível alterar as condições de pagamento (correção e juros), alongar o prazo em 20 anos e abater parte do saldo. A União jamais se dispôs, contudo, a dar o contrato por encerrado, hipótese que também não avançou na seara judicial.

Ainda que a intenção seja a melhor possível, nada garante - diante do histórico do problema - que, agora, haverá um desfecho diferente.

Como surgiu a bola de neve

A dívida do RS começou a sair do controle em 1970, quando o Estado entrou no mercado de capitais e passou a emitir títulos com correção monetária. Os papéis tiveram rápida aceitação no mercado, o que viabilizou obras. Mas, na década seguinte, veio à tona a explosão do endividamento. Os prazos expiraram, e o pagamento passou a ser adiado. Novos títulos foram emitidos para cobrir papéis vencidos (dívida para pagar dívida). A situação piorou, até que a União assumiu o passivo, dando início à realidade que temos hoje.

Tire suas dúvidas

Quanto já se pagou à União?

Em 1998, ao assinar o acordo com a União, o Estado ficou obrigado a pagar cerca de R$ 9 bilhões (equivalente a em torno de R$ 60 bilhões em valores corrigidos) em 30 anos, com juros anuais de 6% e correção pelo IGP-DI. Com o passar do tempo, o indexador cresceu além do esperado, e o passivo se multiplicou. Em renegociação recente, o governo conseguiu revisar as regras do contrato, mas, mesmo assim, em dezembro de 2020 (dado do último relatório oficial sobre o tema, divulgado em 2021), depois de ter repassado mais de R$ 35 bilhões à União, o Estado ainda devia R$ 69,1 bilhões aos cofres federais. Por conta disso, há setores que questionam o pagamento e exigem auditoria da dívida.

O Estado tem uma liminar no STF autorizando a suspensão provisória do pagamento. Quanto se deixou de pagar à União?

A liminar autorizando a suspensão dos pagamentos está em vigência desde julho de 2017. O pedido de suspensão foi feito pela Procuradoria-Geral do Estado, alegando impossibilidade financeira de manter os repasses. O fôlego ao caixa foi de R$ 1 bilhão em 2017, R$ 3,2 bilhões em 2018, R$ 3,45 bilhões em 2019, de R$ 3,47 bilhões em 2020 e de pelo menos mais R$ 3 bilhões em 2021, se aproximando dos R$ 15 bilhões na soma. O valor não será perdoado pela União. No futuro, terá de ser pago com juros e correção.

Quantos contratos são?

São 28 contratos de empréstimos, sendo 20 de financiamentos nacionais (dívida interna) e oito de operações internacionais (dívida externa). Entre os contratos nacionais, está a dívida com a União, que assumiu parte dos débitos do Estado em 1998 e representa 84,9% do total do passivo público. Em dezembro de 2020, o saldo devedor equivalia a quase o dobro da receita corrente líquida do Estado no ano (isto é, toda a arrecadação em tributos, descontadas as transferências legais).

https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/juliana-bublitz/noticia/2022/05/o-que-diz-a-historia-sobre-as-tentativas-de-extinguir-o-contrato-da-divida-do-rs-com-a-uniao-cl2p0y9fl005701678mgnkknz.html