Nem a campanha “Criança não é Mãe”, puxada pelos coletivos feministas e abraçada por mulheres dos mais variados setores da sociedade, abalou o cinismo parlamentar. Não importa que, em um ano, mais de 17 mil meninas menores de 14 anos se tornem mães no Brasil, idade em que a legislação considera relações sexuais como estupro de vulnerável.
Em um país em que o machismo é regra (até o presidente da Câmara já foi acusado de violência doméstica por sua ex-esposa) e os direitos das mulheres são satanizados por militantes religiosos e explorados politicamente pela direita, o debate foi sumariamente suprimido.
Exatamente o que queriam os padres, pastores, deputadas e deputados de extrema direita que se autodenominam “pró-vida” e se uniram ao Conselho Federal de Medicina (CFM) em uma estratégia tão perversa quanto o projeto de lei que pretendem aprovar.
O primeiro lance foi uma resolução travestida de ciência emitida em 24 de março pelo CFM, o mesmo que durante a pandemia liberou os médicos para engabelar os pacientes com um tratamento sem eficácia de agrado do então presidente da República.
Com ela, vetou-se a assistolia fetal, o procedimento mais seguro segundo a Organização Mundial de Saúde, e mais usado para interromper gestações acima de 22 semanas. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, entendeu que o CFM estava extrapolando sua atuação ao alterar a legislação e barrou a iniciativa no dia 17 de maio. No mesmo dia, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) protocolou o PL 1.904/24.
Na prática, o PL extingue um direito legalmente garantido há quase cem anos para mulheres vítimas de violência ou com a vida em risco que enfrentam lentas e dolorosas batalhas para interromper legalmente a gravidez, como revelam as reportagens da Agência Pública desde 2014.
Dez anos depois, uma nova matéria sobre o tema, mostrou o agravamento da situação, com a suspensão do atendimento pela prefeitura de São Paulo no único hospital da capital paulista que atendia ao aborto legal com idade gestacional acima de 20 semanas.
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