A história das Constituições
A História das Constituições - Bloco 1
A série de reportagens especiais desta semana conta a história das constituições brasileiras. Dos tempos do Império à nossa atual Carta de 1988, foram sete constituições. Em cinco reportagens, conhecemos as realidades de cada momento em que foram redigidas e as curiosidades em torno da elaboração de cada uma delas.
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"A Constituição é a lei que rege uma Nação. É a Lei principal do país que rege todas as outras leis. Ela é que vai defender os direitos mínimos. Que vai guiar os direitos do cidadão."
Com a Independência do Brasil, elaborar um texto constitucional era como fundar a vida legal do novo país, que se separava de Portugal. Mas o projeto constitucional elaborado por parlamentares constituintes não foi do agrado do imperador. D. Pedro I decidiu dissolver o Parlamento e começa aí a história dos golpes de estado no país. O imperador então outorgou, ou seja, impôs a primeira e única Constituição do Brasil monárquico.
Naquele tempo, conta o historiador Marco Antonio Villa, para ser eleitor tinha que ter uma boa renda.
"Primeiro porque conforme o nível na esfera municipal, provincial como eram chamados os Estados, ou nível federal ia diminuindo o número dos eleitores, porque ia elevando o valor da renda para ser candidato ou eleitor. Dessa forma acabou se excluindo a maior parte da população brasileira livre. Sem esquecer que a maior parte da população era formada por escravos ou descendentes de escravos que, segundo a Constituição, não tinham qualquer direito."
Marco Villa, que recentemente lançou o livro A História das Constituições Brasileiras, diz que o Parlamento funcionava quatro meses por ano.
"Havia a questão limitante que eram as distâncias. Isso dificultava uma reunião contínua do Parlamento. Por outro lado, também não interessava ao Executivo que o Legislativo se reunisse por muito tempo, por todo ano. Queira ou não, por mais dócil que seja o Legislativo sempre acaba incomodando o Poder Executivo."
É curioso lembrar que Minas Gerais, dessa época até a Constituição de 1934, sempre teve a maior bancada dos Parlamentos brasileiros. Não significa que os mineiros tivessem feito a maior parte de primeiros-ministros. Mas a bancada mineira, pelo tamanho, sempre foi elemento importante na negociação entre Minas Gerais e o poder central, informa o historiador.
Em 1891, veio a primeira Constituição Republicana, dois anos após a Proclamação da República. Foi adotada pela primeira vez no país a tripartição dos Poderes como conhecemos hoje: Executivo, Legislativo e Judiciário.
Na primeira Constituição republicana o eleitorado se ampliou. Não era mais o voto pela renda. Passou a votar apenas o homem alfabetizado.
Para o professor de História da Unicamp, Pedro Funari, a Carta Republicana teve inspiração na Carta norte-americana, com um viés conservador.
"Com a República, temos um movimento liberal. Ela foi inspirada na Constituição norte-americana. O país passou de um estado unitário com províncias para um país com estados e uma federação com bastante autonomia em cada Estado, de inspiração norte-americana. O próprio nome era Estados Unidos do Brasil. Mas ela era muito conservadora. A República que foi feita foi uma república oligárquica. Essa devolução de poderes aos Estados permitiu que cada oligarquia local dominasse com mão de ferro seus próprios Estados. Ela permite, com voto aberto, que as pessoas sejam submetidas a um controle dos coronéis locais."
As Constituições refletem o momento político em que foram editadas.
Sobre aquele momento, vale lembrar com o historiador Marco Villa algumas situações da época. Ele destaca a efervescência política dos primeiros anos da República.
"É importante destacar para os mais jovens ou para aqueles que não acompanham a política brasileira que o final do segundo reinado no século 19 foi uma época muito tensa. Com muita discussão política e um intenso movimento cultural. Temos grandes clássicos da literatura brasileira lançados nessa época. O Cortiço, de Aluísio Azevedo, O Ateneu, de Raul Pompéia. É um momento de muita efervescência no campo do romance, da poesia, das artes plásticas e da política. E principalmente com o Abolicionismo, que foi o primeiro movimento de massas da história do Brasil, com uma ampla mobilização popular em todas as províncias do Brasil em especial na Corte, a capital Rio de Janeiro."
O historiador destaca a formação do Partido Republicano, que nasceu nanico e inflou com as promessas da República brasileira. Na última eleição do Império, em agosto de 1889, o partido teve mínima representação de deputados.
Para Villa, a República surge de um golpe militar. É uma questão que envolve a corporação do Exército e seus dilemas com a monarquia. Os republicanos que arrastaram a insatisfação de alguns militares em relação ao Império chegaram ao poder com esse golpe.
"O Decreto número 1 do governo provisório, que proclama provisoriamente a República diz o seguinte, que cria o federalismo, ou seja, a autonomia para as províncias. Aí subitamente os senhores provinciais viram republicanos. Eles queriam ter poder local e o Império era ultracentralista. Quando vem o Decreto na tarde do dia 15 de novembro em que fica criado os Estados Unidos do Brasil eles aderem à República, mas nunca tiveram espírito republicano ou leram a literatura republicana. Eles foram oportunistas e queriam ter poder local. A partir daí todos viraram republicanos. Essa é uma característica do Brasil, no dia seguinte de alguma modificação política todos aderem ao poder. E parece que o poder antigo não tinha qualquer sustentação."
Marco Villa lembra ainda que na primeira Constituição republicana já constava como dispositivo a mudança da capital federal para o interior do país.
"O Rio de Janeiro era uma capital a beira-mar. Todas as capitais, se pensarmos na Europa, elas não são a beira-mar. Havia o receio de um ataque, um cerco, uma questão militar importante. Por outro lado, existia a necessidade de ocupação do território brasileiro. A Constituição de 1891, ao colocar o dedo nesse ponto central, e isso vai ser repetido em (Constituições de) 1934 e 1946, determina, portanto, a necessidade de transferir a capital. Só que na Primeira República, isso não passou de um relatório que não levou a nada. Na verdade, foi muito mais uma cobrança eleitoral de um eleitor de Goiás, da campanha de JK, que levou a capital em 60 para Brasília."
A Constituição de 1891 determinou também que o primeiro presidente, o militar Deodoro da Fonseca, fosse eleito de forma indireta pelo Congresso, numa eleição que dizem os historiadores teve pressão dos militares, com ameaças veladas aos parlamentares se Deodoro não fosse eleito. A primeira eleição pelo voto popular aconteceu em 1894.
A História das Constituições - Bloco 2
“O que é Constituição? É a Carta Magna de uma Nação. Ali encontra os direitos e deveres do cidadão.”
A Constituição de 1934 é consequência das demandas provocadas pela Revolução de 30 e pela Revolução Constitucionalista de 32 que reivindicam mudanças na antiga ordem de currais eleitorais.
O historiador Pedro Funari, da Unicamp, diz que a Constituição de 1934 é a primeira que contempla os direitos sociais.
"A primeira constituição que podemos chamar de moderna é a Constituição de 34. Porque foi a primeira que resultou de uma eleição própria para isso em um momento que havia ambiente mais propício aos direitos sociais. Foi ela que deu pela primeira vez o direito de voto às mulheres."
O trabalho no Brasil no século 19 foi em geral escravo. A constituição republicana de 1891 não se refere aos direitos dos trabalhadores. Na Primeira República, o movimento trabalhador baseado nos imigrantes foi considerado caso de polícia. A Constituição de 34 é a primeira a reconhecer direitos dos trabalhadores, explica Funari.
"Com a Constituição de 34 há o começo do reconhecimento dos direitos como oito horas de trabalho, jornada de 40 horas semanais e outros direitos que vão sendo introduzidos."
O reconhecimento do operariado estava ainda em suas origens. A atividade sindical continuava sendo controlada pelo Estado, como explica o historiador Marco Antonio Villa. Ele lembra que trabalhadores de forma corporativa foram indicados para realizar os trabalhos constituintes.
"É uma característica da Constituinte de 33 e 34 a da representação classista - 20 dos trabalhadores e 20 do empresariado. Foi o governo quem indicou."
Villa lembra também que a Carta de 34 foi a única experiência no país escrita apenas por constituintes.
"É importante discutir o que é uma Constituinte exclusiva, que é uma discussão terrível que vai ter no Brasil em 85, na discussão da última Constituinte. A de 33 foi exclusiva. Tanto que não elegeu deputados e senadores. A eleição foi correta e elegeram constituintes."
O historiador lembra ainda que foi a primeira vez que mulheres votaram e foram eleitas no país.
"Há um fato extremamente importante que é a participação das mulheres pela primeira vez. O Código Eleitoral de 32 prevê a participação das mulheres. Foi criada a Justiça Eleitoral. Eu cito até o caso do Rio de Janeiro com um número muito pequeno (de votos femininos). Mas a garantia do direito foi fundamental."
Participaram da Constituinte uma mulher eleita e uma representante classista.
É na Constituição de 34 que pela primeira vez uma Carta Magna reconhece os direitos dos índios brasileiros, ainda chamados de silvícolas, como explica Pedro Funari.
"Os índios não foram mencionados nas constituições anteriores porque (os índios) não eram considerados cidadãos de direito. Eles não tinham personalidade jurídica. Quando a Constituição de 34 estabelece que será respeitada a posse das terras silvícolas naquele lugar em que eles permanecerem localizados, sendo vedada a negociação dessas terras."
Marco Vila destaca que nem tudo são flores na Carta de 34. Ele diz que pouco se fala que a Carta apresentava várias disposições autoritárias derivadas do caldeirão ideológico de sua época.
"Tem que ser destacado que a Constituição de 1934 tem algumas características liberais, porém tem em seu interior uma série de disposições autoritárias, como seções dedicadas às Forças Armadas e à Segurança Nacional. A Constituição de 1934 dava enormes poderes ao Presidente da República. Você tem um pouco de liberalismo, um pouco de fascismo, um pouco de direito dos trabalhadores. Forma um pouco desse coquetel infernal dos anos 30. E que no Brasil se revelou um desejo de renovação. Não sabia se ia para a direita ou para a esquerda. E a Constituição de 34 oscilou no meio desse caldeirão ideológico como foram os anos 30 na Europa e no Brasil."
Em setembro de 1937, jornais noticiam que o Exército descobriu um plano comunista para tomar o poder. Essa suposta ameaça foi estopim para que o presidente Getúlio Vargas em pouco mais de um mês, desse um golpe ditatorial, centralizando o poder e fechando o Congresso brasileiro. Para Getúlio, a Constituição anterior, de 34, era um embaraço para seus planos de continuidade.
A Constituição de 37, apelidada de "Polaca", foi imposta pelo ditador.
Foi escrita por Francisco Campos, o Chico Ciência, que como disse o célebre cronista Rubem Braga: quando Chico pensa, a democracia balança.
A autoritária Carta de 37 absorvia influência da Constituição polonesa fascista da época e da própria história do poder no país.
Para Marco Antonio Villa foi a pior ditadura que o país atravessou. A Constituição imposta declarava que até mesmo o Presidente da República fazia parte do Legislativo.
"A Constituição de 37 é assustadora. Eu acho que num momento de aula em que um professor fosse falar entre democracia e ditadura, poderia pegar duas constituições para exemplificar. A ditadura seria a Constituição de 37 e a democracia seria a Constituição de 88. Na Constituição de 37 é incrível o autoritarismo do primeiro ao último artigo. É só repressão e repressão. Suprime o Poder Legislativo, o presidente participa do Legislativo e de conselhos que sequer se formalizaram. A Constituição diz que precisava ter um plebiscito para aprová-la e nunca ocorreu até o final do Estado Novo, até 29 de outubro de 1945. O Poder Executivo nunca teve tanto poder de intervenção efetiva. O Legislativo foi suprimido. E o Judiciário, o presidente e vice do STF, eram designados pelo Executivo."
Marco Villa lembra que não houve eleição no país nos sete anos de ditadura.
"O pai do Collor era jornalista à época, Arnon de Mello. Chegou a perguntar ao Getúlio, no início de 38, depois ninguém mais perguntou porque se perguntasse teria problemas com a polícia política, quando é que aconteceria o plebiscito. E Getúlio disse que era cedo e melhor esperar. Era melhor esperar sentado porque até a queda do Estado Novo em 29 de outubro de 1945 nunca ocorreu qualquer eleição."
Em tempos de guerra interna não declarada, no Estado Novo, o regime autoritário estabeleceu a pena de morte.
"Os processos são extremamente arbitrários. A ação do Tribunal de Segurança Nacional e a violência desse tribunal sobre qualquer forma de manifestação. Cito um caso no Ceará em Fortaleza. Quando estudantes fazem um esforço de guerra quando o Brasil declara guerra às potências do Eixo. Fazem um discurso na Praça do Ferreira. Um capitão passou, não gostou do tom dos discursos, e fez uma denúncia ao Tribunal de Segurança Nacional. Os estudantes foram condenados de 1 a 6 anos de prisão por um simples discurso. E aqueles que colocavam em risco o poder de Estado eram condenados à morte. Fora aqueles que foram assassinados nos porões."
De positivo, o regime do Estado Novo consolidou de forma corporativa a legislação trabalhista.
A História das Constituições - Bloco 3
Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Constituinte promulgamos a Constituição dos Estados Unidos do Brasil.”
Após oito anos de ditadura getulista, em dezembro de 1945 foram eleitos constituintes para redigir uma nova Carta Magna para o país.
Vários constituintes da época falaram sobre a importância do novo texto que restaurava a democracia e sepultava a repressão do Estado Novo.
Edgar de Arruda, da UDN, assim se pronunciou:
"A promulgação da nova Constituição do Brasil representa o mais vivo anseio do povo brasileiro torturado por mais de oito anos pela infâmia do Estado Novo."
O então constituinte Juscelino Kubitschek, do PSD, afirmou:
"O Brasil se congratula com a assinatura da Carta que vai nos garantir a liberdade."
Os comunistas pela primeira vez elegeram constituintes: 15 deputados e um senador. Um deles era o escritor Jorge Amado.
"Hoje o Brasil ingressa em novo período de sua vida política. O Partido Comunista do Brasil, e sua bancada na Assembleia Constituinte, está disposto a lutar para que essa constituição seja cumprida nos preceitos democráticos, para que o povo tenha nela uma bandeira de democracia."
Liberal, a Constituição de 46 restabeleceu direitos democráticos. O historiador Marco Antonio Villa faz uma breve análise sobre o texto.
"A Constituição de 46 que vai descentralizar um pouco o poder em relação ao Estado Novo é uma constituição liberal. Porém uma série de direitos nunca foram regulamentados, como o direito de greve, que era um direito dos trabalhadores. Fala em liberdade partidária e dois anos depois de legalizar o Partido Comunista em 45, depois o Partido foi colocado na ilegalidade. E não havia nada que justificasse colocar na ilegalidade."
Duas questões são controvertidas na Carta de 46. Uma delas é a questão de uma eleição pra presidente, governador e prefeito e outra para seus vices. O que poderia levar e levou em alguns casos a se ter o primeiro mandatário de um partido e seu vice de outro. Este foi o caso do Presidente Jânio Quadros, do PDC, e de seu vice, João Goulart, do PTB.
Outra questão controvertida e que provocou tentativas de golpe ao longo dos governos seguintes foi a exclusão dos militares da vida política do país, como explica o professor de História da Unicamp Pedro Funari.
"A exclusão dos militares do processo político teve como consequência o fato de os militares não aceitarem e ficaram pairando sobre a república de 46 a 64. Tanto assim que teve revoltas militares no governo de Juscelino Kubitschek e no movimento contra o Governo de Getúlio Vargas. E o Golpe e 64 é o resultado disso."
A reação militar levou à ditadura. Mas a nossa atual Constituição de 1988, voltou a proibir a intervenção dos militares em assuntos políticos.
O golpe civil-militar de 1964 encerrou o período conhecido na história brasileira como república populista. Mas a Constituição de 46 continuou em vigor. O Congresso estava aberto, mas o Governo Militar editava as próprias regras, como explica o historiador Marco Antonio Villa.
"Há um vício de legalismo. É como se fazer o arbítrio, se estiver na Lei é permitido. E o regime militar é muito marcado por isso. Chegando até a ter decreto secreto. Atos institucionais foram 17."
Dois anos após o golpe, o presidente, general Castelo Branco, impõe um ato institucional convocando o Congresso a apreciar um novo projeto de Constituição enviado pelo próprio governo. O jornalista Carlos Chagas explica esse momento:
"Veio a bagunça do regime militar editando atos institucionais, rasgando a Constituição e os próprios militares entendem que precisavam de uma nova constituição. Mas para fazer uma nova Carta, de acordo com a justiça e a lógica, era preciso convocar uma assembleia nacional constituinte. Só que aí os militares disseram: se convocar uma assembleia nacional constituinte a oposição vai ganhar e eles vão fazer uma constituição contrária a nós. Então alguns juristas, auxiliares do presidente Castelo Branco, dizem: - presidente, só tem uma solução. É o senhor outorgar a sua constituição. Castelo disse: - Isso não. Porque quem outorga uma constituição é um ditador. Saiu uma solução intermediária. O poder militar, dito revolucionário, transforma o Congresso em final de mandato, já sem legitimidade, sem representatividade. Porque já tinha inúmeros deputados cassados, então era um Congresso que não representava mais o país. "
Uma parte dos parlamentares se insurgiu contra a ideia, diz Carlos Chagas, mas recuaram.
"A maioria dos deputados, inclusive alguns liberais que apoiavam o regime militar insurgiram-se contra isso. Nós não vamos fazer uma constituição para a qual não temos legitimidade. Ao mesmo tempo eles pensaram: - se nós não fizermos uma constituição com princípios democráticos, vai entrar a constituição radical dos militares, que era um projeto que eles tinham preparado. Então tapando o nariz, os liberais e as oposições fizeram uma nova Constituição, a de 1967, que foi promulgada por uma constituinte fajuta."
Sobre a pressão exercida pela ditadura sobre o Congresso à época discursou o senador pelo MDB da Bahia, Josaphat Marinho.
"Pelo projeto o governo quer que o Congresso lhe dê o que o ato institucional não lhe deu. Porque pretende que aprovemos todos os atos praticados pelo poder federal revolucionário. É insaciável não apenas na distorção dos poderes dos outros órgãos institucionais, mas na supressão e na submissão dos direitos dos cidadãos em geral. Falta-lhe não apenas a compreensão da vida política falta-lhe a grandeza de interpretar a alma do cidadão brasileiro."
O historiador Marco Villa destaca o papel de parlamentares que colocaram em risco a carreira política nesse momento infame da história.
"É importante destacar o papel do Congresso nesses anos tenebrosos entre 68 e 78. No momento em que foram suspensas as imunidades parlamentares. É bom lembrar que no final de 78, por uma emenda, no Parlamento foi restituído as imunidades. É importante destacar nesses dez anos difíceis 68 -78 a ação de deputados e senadores que foram extremamente dignos que colocaram em risco sua carreira política, porque dezenas e dezenas foram cassados. E muitos colocaram em risco também sua própria vida. "
Vale lembrar que não apenas civis foram cassados na ditadura. O livro "História das Constituições Brasileiras", de Marco Villa, informa que mais de 2700 militares foram também cassados.
A Constituição de 67 teve forte viés autoritário. Mas o regime endureceu ainda mais quando editou a Emenda Constitucional número 1. O comentário é do jornalista Carlos Chagas.
"Quando vem a primeira crise entre os militares e a juventude em 1969, os militares resolvem baixar uma nova Constituição sob o nome de Emenda Constitucional número 1. Então esse horror, a Constituição de 69, ficou em vigência e ela estabelecia a censura. Só não dizia que a tortura era permitida. Mas quase isso."
O voto do analfabeto só foi estabelecido como direito pela Constituição de 1988. Mas curioso é saber que muito antes, em pleno regime militar, o presidente general Castelo Branco propôs o voto ao analfabeto tema que o Congresso acabou não decidindo.
O coronel reformado, ex-senador e ministro Jarbas Passarinho confirma a história.
"Ele (Castelo Branco) já pensava na votação do analfabeto e foi vencido. A discussão que havia em grande parte da direita, embora seja difícil fazer esse tipo de distinção nessa hora, era que o analfabeto votaria e a elite deixaria de votar. Não se interessaria mais. Porque estaria com a destinação completa de dar o poder à esquerda."
Vale lembrar também que a ditadura estabeleceu o nome oficial do país como República Federativa do Brasil embora fosse um regime de força e centralizador.
De Brasília, Eduardo Tramarim“Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Constituinte promulgamos a Constituição dos Estados Unidos do Brasil.”
Após oito anos de ditadura getulista, em dezembro de 1945 foram eleitos constituintes para redigir uma nova Carta Magna para o país.
Vários constituintes da época falaram sobre a importância do novo texto que restaurava a democracia e sepultava a repressão do Estado Novo.
Edgar de Arruda, da UDN, assim se pronunciou:
"A promulgação da nova Constituição do Brasil representa o mais vivo anseio do povo brasileiro torturado por mais de oito anos pela infâmia do Estado Novo."
O então constituinte Juscelino Kubitschek, do PSD, afirmou:
"O Brasil se congratula com a assinatura da Carta que vai nos garantir a liberdade."
Os comunistas pela primeira vez elegeram constituintes: 15 deputados e um senador. Um deles era o escritor Jorge Amado.
"Hoje o Brasil ingressa em novo período de sua vida política. O Partido Comunista do Brasil, e sua bancada na Assembleia Constituinte, está disposto a lutar para que essa constituição seja cumprida nos preceitos democráticos, para que o povo tenha nela uma bandeira de democracia."
Liberal, a Constituição de 46 restabeleceu direitos democráticos. O historiador Marco Antonio Villa faz uma breve análise sobre o texto.
"A Constituição de 46 que vai descentralizar um pouco o poder em relação ao Estado Novo é uma constituição liberal. Porém uma série de direitos nunca foram regulamentados, como o direito de greve, que era um direito dos trabalhadores. Fala em liberdade partidária e dois anos depois de legalizar o Partido Comunista em 45, depois o Partido foi colocado na ilegalidade. E não havia nada que justificasse colocar na ilegalidade."
Duas questões são controvertidas na Carta de 46. Uma delas é a questão de uma eleição pra presidente, governador e prefeito e outra para seus vices. O que poderia levar e levou em alguns casos a se ter o primeiro mandatário de um partido e seu vice de outro. Este foi o caso do Presidente Jânio Quadros, do PDC, e de seu vice, João Goulart, do PTB.
Outra questão controvertida e que provocou tentativas de golpe ao longo dos governos seguintes foi a exclusão dos militares da vida política do país, como explica o professor de História da Unicamp Pedro Funari.
"A exclusão dos militares do processo político teve como consequência o fato de os militares não aceitarem e ficaram pairando sobre a república de 46 a 64. Tanto assim que teve revoltas militares no governo de Juscelino Kubitschek e no movimento contra o Governo de Getúlio Vargas. E o Golpe e 64 é o resultado disso."
A reação militar levou à ditadura. Mas a nossa atual Constituição de 1988, voltou a proibir a intervenção dos militares em assuntos políticos.
O golpe civil-militar de 1964 encerrou o período conhecido na história brasileira como república populista. Mas a Constituição de 46 continuou em vigor. O Congresso estava aberto, mas o Governo Militar editava as próprias regras, como explica o historiador Marco Antonio Villa.
"Há um vício de legalismo. É como se fazer o arbítrio, se estiver na Lei é permitido. E o regime militar é muito marcado por isso. Chegando até a ter decreto secreto. Atos institucionais foram 17."
Dois anos após o golpe, o presidente, general Castelo Branco, impõe um ato institucional convocando o Congresso a apreciar um novo projeto de Constituição enviado pelo próprio governo. O jornalista Carlos Chagas explica esse momento:
"Veio a bagunça do regime militar editando atos institucionais, rasgando a Constituição e os próprios militares entendem que precisavam de uma nova constituição. Mas para fazer uma nova Carta, de acordo com a justiça e a lógica, era preciso convocar uma assembleia nacional constituinte. Só que aí os militares disseram: se convocar uma assembleia nacional constituinte a oposição vai ganhar e eles vão fazer uma constituição contrária a nós. Então alguns juristas, auxiliares do presidente Castelo Branco, dizem: - presidente, só tem uma solução. É o senhor outorgar a sua constituição. Castelo disse: - Isso não. Porque quem outorga uma constituição é um ditador. Saiu uma solução intermediária. O poder militar, dito revolucionário, transforma o Congresso em final de mandato, já sem legitimidade, sem representatividade. Porque já tinha inúmeros deputados cassados, então era um Congresso que não representava mais o país. "
Uma parte dos parlamentares se insurgiu contra a ideia, diz Carlos Chagas, mas recuaram.
"A maioria dos deputados, inclusive alguns liberais que apoiavam o regime militar insurgiram-se contra isso. Nós não vamos fazer uma constituição para a qual não temos legitimidade. Ao mesmo tempo eles pensaram: - se nós não fizermos uma constituição com princípios democráticos, vai entrar a constituição radical dos militares, que era um projeto que eles tinham preparado. Então tapando o nariz, os liberais e as oposições fizeram uma nova Constituição, a de 1967, que foi promulgada por uma constituinte fajuta."
Sobre a pressão exercida pela ditadura sobre o Congresso à época discursou o senador pelo MDB da Bahia, Josaphat Marinho.
"Pelo projeto o governo quer que o Congresso lhe dê o que o ato institucional não lhe deu. Porque pretende que aprovemos todos os atos praticados pelo poder federal revolucionário. É insaciável não apenas na distorção dos poderes dos outros órgãos institucionais, mas na supressão e na submissão dos direitos dos cidadãos em geral. Falta-lhe não apenas a compreensão da vida política falta-lhe a grandeza de interpretar a alma do cidadão brasileiro."
O historiador Marco Villa destaca o papel de parlamentares que colocaram em risco a carreira política nesse momento infame da história.
"É importante destacar o papel do Congresso nesses anos tenebrosos entre 68 e 78. No momento em que foram suspensas as imunidades parlamentares. É bom lembrar que no final de 78, por uma emenda, no Parlamento foi restituído as imunidades. É importante destacar nesses dez anos difíceis 68 -78 a ação de deputados e senadores que foram extremamente dignos que colocaram em risco sua carreira política, porque dezenas e dezenas foram cassados. E muitos colocaram em risco também sua própria vida. "
Vale lembrar que não apenas civis foram cassados na ditadura. O livro "História das Constituições Brasileiras", de Marco Villa, informa que mais de 2700 militares foram também cassados.
A Constituição de 67 teve forte viés autoritário. Mas o regime endureceu ainda mais quando editou a Emenda Constitucional número 1. O comentário é do jornalista Carlos Chagas.
"Quando vem a primeira crise entre os militares e a juventude em 1969, os militares resolvem baixar uma nova Constituição sob o nome de Emenda Constitucional número 1. Então esse horror, a Constituição de 69, ficou em vigência e ela estabelecia a censura. Só não dizia que a tortura era permitida. Mas quase isso."
O voto do analfabeto só foi estabelecido como direito pela Constituição de 1988. Mas curioso é saber que muito antes, em pleno regime militar, o presidente general Castelo Branco propôs o voto ao analfabeto tema que o Congresso acabou não decidindo.
O coronel reformado, ex-senador e ministro Jarbas Passarinho confirma a história.
"Ele (Castelo Branco) já pensava na votação do analfabeto e foi vencido. A discussão que havia em grande parte da direita, embora seja difícil fazer esse tipo de distinção nessa hora, era que o analfabeto votaria e a elite deixaria de votar. Não se interessaria mais. Porque estaria com a destinação completa de dar o poder à esquerda."
Vale lembrar também que a ditadura estabeleceu o nome oficial do país como República Federativa do Brasil embora fosse um regime de força e centralizador.
A História das Constituições - Bloco 4
"Hoje, 5 de outubro de 1988, no que tange à Constituição, a Nação mudou. A Constituição mudou na sua elaboração. Mudou na definição dos Poderes. Mudou restaurando a Federação. Mudou quando quer mudar o homem cidadão. Foi a sociedade mobilizada nos colossais comícios das Diretas-Já e pela transição e pela mudança derrotou o Estado usurpador . . . Termino com as palavras com que comecei esta fala. A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança. Que a promulgação seja nosso grito. Mudar para vencer. Muda Brasil.”
Esse discurso enfático do deputado Ulysses Guimarães, presidente da Constituinte, foi feito na sessão de promulgação da Carta de 1988, em 22 de setembro de 1988. A data foi escolhida porque coincidia com a data de aniversário de Ulysses.
A atual Constituição brasileira, a mais extensa de todas as Constituições brasileiras com 250 artigos e mais 70 disposições transitórias, restabeleceu a democracia como valor mais amplo no país. A história da nossa Carta Magna começa ainda com Tancredo Neves como candidato civil à sucessão dos militares no poder.
Vencedor na eleição indireta pelo Colégio Eleitoral em 15 de janeiro de 1985 caberia a Tancredo convocar uma nova Constituinte. O presidente eleito morreu sem tomar posse, mas tinha assumido o compromisso, explica o jornalista Carlos Chagas.
"A ideia da convocação de uma Constituinte veio com doutor Ulysses, veio com grandes líderes da oposição, Teotônio Vilela, Tancredo Neves e muitos outros. Veio muito antes da ditadura. Tancredo que estava doente, morreu. O Sarney cedeu à pressão dos líderes da Oposição, a pressão da própria opinião pública que queria passar o país a limpo."
Tancredo também propôs a criação de uma comissão de notáveis para redigir o anteprojeto que serviria de base aos constituintes.
Membro dessa comissão, o professor de Direito pela Universidade de São Paulo, José Afonso da Silva, diz que o anteprojeto adotou o parlamentarismo como sistema de Governo. O que não agradava o presidente da República José Sarney.
Sarney não mandou o anteprojeto aos constituintes. Preferiu apenas publicar o resultado no Diário Oficial, lembra o professor. Mas o texto da comissão Afonso Arinos inspirou os parlamentares, diz José Afonso.
"A Constituição refletiu muito do que estava no anteprojeto. Até na metodologia de começar a Constituição pelos direitos fundamentais, ao contrário das Constituições anteriores que começavam pela estruturação do poder. Direitos fundamentais e sociais estão todos lá. O capítulo dos índios está todo lá."
O então deputado pelo PT de Minas Gerais, João Paulo confirma que os parlamentares adotaram muitas propostas do anteprojeto, principalmente no que se refere a direitos sociais.
Instalada a Assembleia Constituinte, em fevereiro de 1987, coube a ela estabelecer a nova lei fundamental do país. Quando a Constituinte se reúne um conflito de poder se estabelece, lembra Carlos Chagas.
"Quando a Constituinte se reúne, a primeira dúvida levantada foi a seguinte. Levantaram-se alguns líderes mais radicais da Oposição, do MDB, e disseram: pela jurisprudência, pelo direito e pela doutrina, a Constituinte detêm todos os poderes. Mas isso não era lógico. Pois a Constituinte havia sido convocada por um presidente, por um poder instituído, poder que detinha as Forças Armadas. Então alguns líderes da Oposição começaram: Sarney está destituído não tem mais o poder que nós temos na Constituinte. Era uma fantasia. O poder estava no presidente da República. Então abandonaram depois de alguns meses aquela ideia de que a Constituinte poderia tudo até destituir o presidente Sarney."
Testemunha daquele momento da história, o ex-secretário geral da Mesa da Câmara, Mozart Viana, realizava trabalhos de apoio na Constituinte. Ele, que hoje é chefe de gabinete do senador Aécio Neves, lembra o ritmo de trabalho à época.
"Foi um momento de muito trabalho. Virávamos noite, ficávamos fins-de-semana trabalhando. Mas todo mundo consciente. Os parlamentares conscientes da sua importante missão na redemocratização."
Mozart lembra que a proposta original para sistema de governo na Carta era a solução parlamentarista.
"Pelo texto que saiu da Comissão de Sistematização, o regime seria parlamentarista. E o Executivo reagiu. Através do senador Humberto Lucena, apresentou emenda que transformou o regime parlamentarista para regime presidencialista."
O então senador pelo PDS Jarbas Passarinho, hoje com 92 anos, lembra que as medidas provisórias eram solução da proposta parlamentarista de governo.
"(O relator Bernardo) Cabral preparou um texto completamente parlamentarista, que foi modificado no Plenário. Então seríamos um país parlamentarista se não tivesse a reação do presidente Sarney. Ele mobilizou a casa de forma que teve quantidade expressiva de votos de maioria. Então temos esse absurdo de ter a Constituição presidencialista com medida provisória, que é tipicamente parlamentarista da Itália... A medida provisória só fazia sentido no parlamentarismo."
A Constituinte de 88 foi a única que aceitou emendas populares. O então deputado Cunha Bueno, um dos raros parlamentares que defendia o regime monárquico na Constituinte, lembra a aprovação de uma emenda popular que levou a Carta a estabelecer um plebiscito para o dia 7 de setembro de 1993.
"Uma das poucas emendas populares que foram feitas era sobre a forma e o sistema de governo. Os parlamentaristas queriam que o país passasse ao sistema parlamentarista de governo. O que acabou não dando certo. Eles viram como tábua de salvação a nossa emenda popular onde se obrigava o governo a fazer um plebiscito. Eu continuo achando que o sistema parlamentar de governo é muito superior ao sistema presidencialista que nós temos em que há um prazo fixo (de governo) e é difícil removê-lo (o presidente) se não der certo. O presidente da República precisa buscar maioria nas Casas legislativas de qualquer forma. Não existe desde o início do Governo uma maneira estável de governar. A cada dia é um tormento para quem exerce a presidência da República ter que buscar maioria no Legislativo para conseguir governar o país."
No plebiscito de 93, a população brasileira decidiu pela República e não Monarquia, e pelo sistema de governo presidencialista e não parlamentarista.
Para o historiador Marco Antonio Villa o plebiscito, que já era previsto na primeira Constituição republicana brasileira, e nunca foi realizado, valeu como um "segundo turno" sonhado pelos que defendiam o parlamentarismo na Constituinte de 88.
Ele também defende a estabilidade de uma Constituição como condição para manter os direitos individuais e a liberdade do cidadão.
"Nós temos um problema de querer refundar o Brasil. Todo governo gosta de ser novo e demoniza o passado. Geralmente um prefeito, governador, um presidente que assume diz que o que ele encontra é uma herança trágica. Esta foi a história dos últimos 200 anos no Brasil. Isso marca nas Constituições em que raríssimas vezes você teve efetivamente direitos e liberdades. Ao contrário, sempre tivemos estados fortes e raramente liberdade cidadã."
O escritor Machado de Assis uma vez disse que estávamos em fase de infância constitucional. Mas isso faz tempo, é da época da Primeira República. Será que nós brasileiros já amadurecemos?