A monetização do ensino
A monetização do ensino

Tem dias em que o furor neoliberal acaba comigo. Aquela exaltação do capital, que coloca o dinheiro em primeiro lugar. Se tenho dinheiro, tenho poder. Posso comprar qualquer coisa: roupas, viagens, carros, pessoas – sim, pessoas, políticos principalmente, mas outras espécies também. A gente sabe que funciona assim. A gente tem assistido de perto o poder do dinheiro e das empresas privadas na elaboração do novo Plano Diretor da cidade. Mas, hoje não quero falar de urbanismo. Quero falar de educação.
Na quarta-feira, 13/08, o governador Eduardo Leite reuniu professores, gestores e diretores das escolas estaduais em um auditório e anunciou um pacote de incentivos para profissionais da educação e estudantes da Rede Estadual. Leite divulgou que o seu novo programa visa “incentivar e valorizar o trabalho dos profissionais de educação e estimular o desempenho e a frequência dos estudantes”, preparar os jovens do Rio Grande do Sul para o futuro, aquele discurso. E como ele vai fazer isso? Pagando, é claro.
A escola atingiu um bom resultado no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica? Décimo quarto salário para todo mundo – proporcional, lógico. Se atingir a meta apenas parcialmente, a bonificação será equivalente. Bora lá, time!!! Se puxar para arrasar nos índices e mostrar que o RS está construindo o futuro que queremos! As escolas tiveram bons índices de presença dos alunos? Vamos!!! Mais um incentivo! Bora cuidar da evasão escolar! Essa tarefa é de vocês, hein profs? Vocês que fazem tão pouco no dia a dia.
Mas se vamos dar prêmios para os profs, melhor não deixar os alunos de lado, certo? Porque, lógico, nada melhor do que o dinheiro para incentivar os alunos a estudarem! Me lembrou até aquelas crianças que aparecem no vídeo do Felca. Um deles, que deve ter uns 5 ou 6 anos de idade, diz: “Eu não quero fazer faculdade… Por que que eu vou ter que saber quem foi um filósofo? Não vai me ajudar em nada na minha vida”. Saber a raiz quadrada ou quem foi Aristóteles não dá dinheiro. Então, bora dar dinheiro para incentivar as crianças a estudarem! Não é uma ideia brilhante?
Alunos do 3o ao 9o ano (ou seja, que têm entre 8 e 14 anos de idade), poderão ganhar até R$ 2.000 se 80% da turma participar do simulado e o aluno for o primeiro colocado no Sistema de Avaliação da Educação Básica. Já os mais velhos, do 1o ao 3o ano do Ensino Médio (alunos entre 15 e 18 anos), poderão receber de R$ 3.000 a R$1.000, a depender da sua colocação no Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Rio Grande do Sul.
Segundo o discurso do governador, que falou em jornada de transformações na educação gaúcha (alguém viu?), e deve estar orgulhoso da sua ideia disruptiva, esses incentivos irão estimular resultados e boas práticas. Eles fazem parte de algo maior: o Programa de Reconhecimento da Educação Gaúcha. Esses caras são bons em criar narrativas.
O ensino público não é uma empresa privada baseada em produtividade e entregas. A lógica capitalista neoliberal não pode reger a construção e o desenvolvimento da educação. Os professores não precisam de bônus por desempenho, eles precisam de um salário digno, compatível com o que eles fazem, que, hoje, é cuidar do aluno em todas as suas demandas, sejam elas educativas, sociais, assistenciais e até psíquicas. Deveriam receber, no mínimo, tanto quanto um professor universitário federal. Mas, é claro, já que nada disso é aventado pelas mentes neoliberais, que não colocam a educação de fato em primeiro lugar, um bônus já é alguma coisa, ainda que por uma lógica totalmente equivocada.
É por isso que eu digo que esse furor neoliberal acaba comigo. Me gera uma mistura de tristeza, raiva e revolta, e o que é pior, completamente desprovida da força de luta. Fica só o peso da impotência.
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