A pior crise da humanidade
“A pior crise da humanidade é não conseguir se tornar humanidade”
- Por Edgar Morin
A crise geral da humanidade é a crise da humanidade que não consegue se tornar humanidade. Por quê? Porque todos os processos que conduziram essa humanidade a se reunir em um mesmo destino comum são, ao mesmo tempo, processos que nos conduzem a catástrofes futuras. E aqui indico dois aspectos contraditórios ou aparentemente contraditórios da globalização. Ela é a pior das coisas e a melhor das coisas que podem acontecer à humanidade.
Por que a pior das coisas? Porque é um processo no qual a ciência permitiu à técnica desenvolver armas de destruição em massa que se multiplicam com uma possibilidade crescente de serem utilizadas, pois os fanatismos, os isolamentos étnicos, os fundamentalismos religiosos criam condições propícias não apenas para múltiplos conflitos, mas talvez para um grande conflito. Sabemos que o processo da nossa civilização técnica e da nossa economia conduziu à degradação da biosfera, à crise do meio ambiente que ainda somos capazes de deter e encontrar os meios de combatê-la.
Assim sendo, o mundo tem novas ameaças e, como esses processos se aceleram e se agravam, evidentemente a globalização é o pior, pois ela produz, nos conduz para catástrofes. Mas, ao mesmo tempo, ela é o melhor porque, pela primeira vez, todos os seres humanos, de todos os continentes, se encontram, sem que eles saibam, reunidos em uma mesma comunidade de destino. Sofrem os mesmo riscos, os mesmos problemas fundamentais, os mesmos problemas ecológicos, os mesmo problemas econômicos, os mesmo perigos vindos da possibilidade de guerras, e isso cria as condições para que nasça um novo mundo.
Essa é a missão, que Zygmunt Bauman conferia às gerações mais jovens, dizendo: ‘Vocês devem inventar novas formas de democracia’. Mas o problema é que se trata agora de inventar uma sociedade, em escala mundial, que não seja feita sobre o modelo de Estados nacionais, que não seja uma espécie de super, de mega Estado mundial a partir do modelo dos Estados nacionais.
Uma nova forma de organização política, assim como a democracia ateniense era uma democracia de cidades pequenas, de alguns cidadãos se transformou em democracia das nações. Hoje há sociedade a ser criada na qual talvez a Internet possa desempenhar um papel nessa democracia. Assim sendo, temos um problema absolutamente vital e fundamental que a comunidade de destino mundial nos revela a possibilidade, talvez, de criar um mundo novo.
E a ideia de humanidade não nos deve fazer esquecer de que fazemos parte de uma nação, de um povo, de uma civilização, mas que o mundo da humanidade é um mundo que tem sua unidade na própria diversidade e a sua diversidade em sua unidade. Acredito que o caminho, repito, não é um caminho traçado. Isso quer dizer que podemos tentar uma direção. E, toda decisão, toda escolha humana contém uma aposta. A ideia de aposta é muito importante. Devemos apostar sem parar. Mas apostar também significa ser capaz de uma estratégia para retificar o caminho que tomamos se percebermos que nos equivocamos.
Nada está assegurado, nada está determinado, nada está garantido, mas, ao mesmo tempo, uma nova humanidade é possível, um mundo melhor é possível. Não o melhor dos mundos, não há um mundo perfeito. É um mundo que sempre terá suas carências, suas lacunas, que carregará a tragédia ou a morte, mas sabemos hoje que um mundo melhor é possível. Improvável, mas possível. Esse é o caminho: a esperança”. Edgar Morin
Este texto é um excerto transcrito pela equipe do Portal Raízes da palestra com Edgar Morin, sociólogo francês, sobre “crise geral da humanidade” em sua conferência ao Fronteiras do Pensamento 2011. Segundo Morin, a base para compreender a série de crises que estamos vivendo é a ambiguidade da globalização: por um lado, se os problema contemporâneos agora são globais, por outro, as nações nunca antes foram tão interligadas em uma mesma “comunidade de destino”. De acordo com o sociólogo, para encontrar respostas aos problemas atuais, é preciso abraçar o que ele considera o maior desafio atual: globalizar e desglobalizar ao mesmo tempo.