Adeus de um homem minúsculo
O ADEUS DE UM HOMEM MINÚSCULO
O homem minúsculo, o homúnculo, apagou as luzes do palácio e foi dormir. Depois de tanto bradar, gritar e babar, depois de ameaçar e conspirar à luz do dia, incessantemente, calou-se. Recolheu-se à insignificância que o espera. Amém.
Como os livros de história no futuro irão se referir a esse homem tão pequeno? Terá alguma importância, o seu nome, ou irão se interessar apenas pelo surto coletivo que se apossou de milhões de brasileiros, por meia década ao menos, e que resultou na eleição de um ninguém, um nada, um palhaço macabro? Um fantasma descarnado, insepulto e obcecado pela morte, sua especialidade, no qual milhões projetaram suas próprias fantasias autoritárias. Como? Por quê?
Quantos afinal projetaram naquele corpo sem vida, naquela vida sem alma, a virilidade perdida, as certezas corroídas, o desejo e a inveja da criança egoísta que brinca de motinho enquanto o mundo acaba em fome e doença. As pessoas morrem, ele debocha: e daí? Nada interrompe seu gozo sem fim.
Os livros de história no futuro talvez falem de um homem minúsculo que emergiu dos porões sujos do Congresso Nacional, já em avançado estado de decomposição moral e física, para canalizar todo o ressentimento de uma nação. Esse vórtice de maldade, cercado por gente ainda menor, ainda mais ridícula e ignorante orbitando ao redor de sua sombra.
Homens minúsculos, a história demonstra, podem projetar sombras imensas. Mas passam, os homens e suas sombras.
Ele tentou, com todas as minúsculas forças, tentou eternizar sua sombra horrível. Mas decrépito, fraco, bronco e insignificante, não conseguiu manter-se no poder. Porque destruir é uma coisa, mas construir é outra, muito mais difícil, muito mais complexa. O homem pequeno veio e apequenou o país inteiro, apequenou o Estado e as suas instituições, apequenou o povo, os amigos, as famílias. Destruiu, passou bois e boiadas, sufocou, boicotou, conspirou, enquanto ocupavamo-nos de sobreviver.
Mas então, enfim consciente da sua pequenez, emudeceu no canto do palácio vazio, vítima da própria insignificância.
Depois de destruir e destruir e destruir, descobriu-se incapaz, impotente, brocha. Um fantasma de brochidão e fraqueza, incapaz de fecundar o que quer que seja – planos, corpos, natureza. Homens pequenos não constroem coisa alguma.
Já era hora de dar um basta, já era hora de lembramos a nós mesmos que o homem pequeno é pequeno demais para um país tão grande.
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RENATO ESSENFELDER é jornalista, escritor e professor universitário. É doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutor em Comunicação e Artes pela Universidade da Beira Interior (Portugal)