Adorador de fascistas
O adorador de fascistas estuda para salvar vidas
O novo fenômeno é a proliferação de disseminadores de violência e ódio dentro das faculdades de medicina
Por Moisés Mendes / Publicado em 27 de maio de 2025

“Duas estudantes, uma da universidade Anhembi Morumbi (SP) e outra Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (Faseh), de Minas, fizeram um vídeo zombando de uma paciente que tentava sobreviver a três transplantes de coração”
Fotos: TikTok/ Reproduções
O novo fascista gerado pelas democracias é o sujeito que obteve um mandato, pelo voto, e prega contra o voto e a democracia, além de disseminar ódio, racismo e homofobia? Sim, é. Mas não só ele.
Também é fascista, mesmo que sem o poder da representação em cargos executivos ou legislativos, o sujeito que está aí ao seu lado. Que, em muitos casos, divide a mesa com a família nos almoços de domingo.
O tiozão que vai à missa, que fala em nome de Deus, que tem Jesus como sua celebridade pop, que defende só o casamento entre homens e mulheres, que exalta o sentimento de patriotismo e de propriedade – esse também pode ser um fascista. Às vezes, um fascistinha, mas um fascista.
Não um fascista com o poder de determinar grandes ordens, como Bolsonaro teve, nem com as prerrogativas de propor leis discriminatórias e destrutivas, como todos os fascistas do Congresso têm. Mas um integrante de bases fascistas que criam fascistas.
O fascista amador dos nossos cotidianos é o que permite a existência dos grandes fascistas profissionais, que continuam conspirando contra o Supremo, as instituições, a eleição e o governo eleito.
O seu primo fascista, o seu colega de trabalho, o cunhado, o zagueiro de peladas no futebol, o seu vizinho na sala de aula do curso a distância que lhe assegura um diploma de medicina – esses ajudam a institucionalizar e a empoderar o fascismo.
É nesse contexto que se dissemina por toda parte, como comportamento que deixa de ser uma raridade, a presença de estudantes declaradamente fascistas nas universidades brasileiras, incluindo os já manjados militantes neonazistas. E muitos deles em cursos de medicina, a área que mais oferece exemplos de ativismo de extrema direita na universidade brasileira.
Como o caso mais recente, que ganhou capa em todos os jornais, do estudante de medicina da Universidade Federal de Roraima (UFRR) Fábio Felipe dos Santos Nogueira, de 24 anos, racista e homófobo, com ações públicas e criminosas nas redes sociais.
Estudantes machistas e fascistas de medicina foram expulsos da faculdade Santa Marcelina, de São Paulo, por terem pregado o estupro coletivo de colegas. Duas estudantes, uma da universidade Anhembi Morumbi (SP) e outra Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (Faseh), de Minas, fizeram um vídeo zombando de uma paciente que tentava sobreviver a três transplantes de coração. E que era estudada por elas, pelas fascistas que pretendem ser médicas.
Dois estudantes de medicina serão expulsos da Universidade Federal do Espírito (Ufes) por hackear e vender a prova final de uma disciplina. Outros 16 estudantes, sendo 10 mulheres e seis homens, receberam suspensão de todas as atividades acadêmicas por 90 dias por envolvimento com o caso.
Branquelas bem nascidos ou pobres e remediados que se acham parte de uma elite – e são mesmo – que cursa medicina fingem se dedicar a aprender a salvar vidas, quando o que desejam mesmo é ostentar seus diplomas e obter altas rendas. Desejam ser médicos racistas.
Puristas das definições dirão que não são fascistas, porque não têm, no conjunto de suas ações, um combo suficiente que os defina como fascistas. Não têm poder, idade, nem conhecimento, nem prática política de fascistas.
Mas são os novos fascistas, pelo que expressam, em meio ao crescimento da extrema direita. Porque o maior autoengano, o que nos consola e nos acalma, é o que sugere que fascistas mesmo são os famosos cujos nomes estão associados ao golpismo e às conexões com civis e militares que adoram torturadores.
O aprendiz de fascista, o pregador de atitudes discriminatórias, esse fascista que convive com todos nós, que diz votar em valores, que fala em fé e orientação divina, esse está por toda parte. E bem perto de onde estamos, por laços profissionais, de amizade ou de parentesco. Ele não pertence só às famílias dos outros.
O fascista que diz ser cidadão de bem pode insistir no livre exercício do seu fascismo, como algo sem volta, como pode expressar arrependimento.
Como fez o estudante Fábio Nogueira, quando denunciado pelos próprios colegas. Em texto padrão de advogado (ou de algum robô da inteligência artificial) disse estar arrependido e que fará uma retratação formal.
Fábio está no quinto ano de medicina. Pode se retratar, conseguir reverter a suspensão que sofreu e se formar com traje a rigor, com uma bela beca, ao lado dos colegas que o denunciaram.
Será doutor depois de ter escrito nas redes que “o Brasil é um país de macacos”, que “tem que fuzilar todo psicólogo não cristão” e que “sempre irei militar em favor do preconceito, porque o mundo está falando muito em preconceito”.
Os ídolos desse tipo de gente são os líderes da extrema direita no Brasil, os seis integrantes da família Bolsonaro, o pai, a esposa e os quatro filhos do chefe do clã, o pai que exalta os feitos dos torturadores e hoje, cercado pelo sistema de Justiça, fala em direitos humanos.
Moisés Mendes é jornalista e escreve quinzenalmente para o Extra Classe.
FONTE:
https://www.extraclasse.org.br/opiniao/2025/05/o-adorador-de-fascistas-estuda-para-salvar-vidas/