Agora é a Venezuela

Agora é a Venezuela

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“Esqueça a Arábia Saudita, esqueça os sauditas. Eu quero dizer, temos mais petróleo. Quero dizer, potencial infinito. Vamos abrir mercados, vamos expulsar o governo do setor petrolífero, nós vamos privatizar toda a nossa indústria. A Venezuela tem muitos recursos, petróleo, gás, minerais, terra, tecnologia, e como você disse antes, tínhamos uma localização estratégica, sabe, nossa, dos Estados Unidos, e então, vamos fazer isto direito. Sabemos o que temos de fazer. E as empresas americanas estão, você sabe, e, uma posição super estratégica para investir. Este país, a Venezuela, será a oportunidade mais brilhante para o investimento de empresas americanas, de pessoas boas que vão ganhar muito dinheiro”. Maria Corina Machado, prêmio Nobel da Paz, 2025.

O que hoje se chama de Venezuela, foi invadido pelos espanhóis em 1522. Assim como no litoral brasileiro, a resistência dos povos originários aos europeus foi continua e sangrenta, mas acabou se desfalecendo, tanto pela brutalidade das tropas invasoras, como pela chegada de vírus até então desconhecidos por estes povos. Trinta anos antes, em 1492, embarcações guiadas pelo genovês Cristóvão Colombo haviam chegado no continente, acreditando que seria a Ásia.

Os Diários de Cristóvão Colombo são riquíssimos em detalhes quanto ao contato com estes grupos, mas deixam lacunas sobre a expansão em relação ao sul. Em 1513, os espanhóis, já sem colombo e sabendo que ali não eram as Índias, chegaram ao Panamá e identificaram o Oceano Pacífico. Em 1526, os espanhóis chegaram ao Peru. A rapina foi completa: em apenas 200 anos, os espanhóis teriam tirado do Altiplano Peruano, 17 mil toneladas de prata e 185 de ouro. Mas este amor pelo ouro ia além do tal Eldorado e das lendas de fundo medieval. Se baseava no sistema econômico que havia sucedido o Feudalismo: o Mercantilismo. Neste sistema, a riqueza seria medida pelas reservas de metais preciosos.

O acúmulo de ouro e prata, junto a outros fatores, fez com que no Século XVII, o Capitalismo vivesse a sua primeira crise. Os estoques de metais preciosos eram tão grandes e o consumo tão desenfreado, que frente à parca produção artesanal, os preços dispararam. O ouro despencou no Mercado e arrastou com ele, as Metrópoles da Europa. Esta primeira crise econômica do Capitalismo, 200 anos antes do Crash da Bolsa de 1929, deixou uma onda de fome e mendicância. A burguesia rapidamente fechou as manufaturas e recolheu as suas reservas nos bancos. Só em Madrid, 10 mil pessoas morreram de fome. Mais do que isto, o mundo conhecia agora o Capitalismo para além de Adam Smith: era um sistema cruel e sem princípios.

Na América espanhola, enquanto isto, se desenvolvia uma complexa rede de interesses pessoais e corrupção. Além dos “Chapetones”, que vinham da península e detinham privilégios dados pelo rei, criou-se um outro grupo de homens brancos e ricos, nascido no Novo Mundo: Os criollos. Estes, sem títulos de nobreza, logo passariam a se interessar pelas ideais liberais que eclodiam antes da Revolução Francesa. Um deles, em especial, Simon Bolivar, estava na Espanha quando a Revolução na França chegou ao ponto de ebulição. Bolivar era branco e com os anos, foi também se apoderando de outras questões que estavam em debate na América espanhola: a servidão indígena, que era mediada pela Mita, e a escravidão dos negros, que em 1791, haviam se insurgido no Haiti.

Maria Corina Machado, a heroína da União Europeia, é isto: é branca e rica, em um país de mestiços e muito pobres. Esta semana, ela deixou claro que se os Estados Unidos invadirem a Venezuela, “será a oportunidade mais brilhante para o investimento de empresas americanas, de pessoas boas que vão ganhar muito dinheiro”. E se milhares de pessoas morrerem? Bom, isto não é um problema, nem para ela e muito menos para Washington. O que chama a atenção é que esta senhora ganhou o Nobel da Paz em 10 de outubro último.

Em 1811, a Venezuela tornou-se uma das primeiras colônias da América espanhola a declarar a sua independência, dentro da Grã-Colômbia, uma imensa nação federalista, que incluiria diversos povos e diversas línguas para além do espanhol. Em 1828, Simon Bolivar, um criollo carregado de idealismos dos ventos liberais que haviam varrido a Europa, escreveu que a sua impressão é que se a América toda tivesse de passar fome, em nome do desenvolvimento industrial dos Estados Unidos, tudo correria normalmente. A tal “Doutrina Monroe” era clara até demais: “A América para os americanos”. Sim, para os americanos de lá. Filha de um empresário do aço, bilionário naquele que era o país mais pobre das Américas, Corina estudos nos Estados Unidos e admitiu, sem véu, que não sabia nada da realidade da Venezuela, até passar a fazer oposição a Hugo Chavez.

Se um dia leu Bolivar, Maria Corina Machado sabe bem que não há acordo com os Estados Unidos, a não ser que eles levem muita vantagem. Em 1830, quando nasceu a Venezuela como conhecemos, dentro dos princípios de Bolivar, o país tentou não ser um satélite da Doutrina do presidente James Monroe ao Sul. Naquele período, os ingleses dominavam o mundo através da industrialização e da circulação da Libra esterlina, que era a moeda adotada nas negociações internacionais. O país, assim como todos os outros da América, sucumbiu com uma economia atrasada, baseada na agropecuária, exportando gêneros tropicais e couro. A única nação que tentou se industrializar e tornar-se independente dos britânicos, em uma “incrível coincidência”, acabou varrida do mapa: o Paraguai. A Guerra do Paraguai foi uma mostra clara que os Impérios usam todas as armas para varrer os insurgentes.

No dia 15 de outubro, o presidente norte americano Donald Trump, assumiu publicamente que estava enviando 10 mil soldados para a costa da Venezuela e autorizado a CIA a realizar operações de sabotagem dentro do país. “Operações de sabotagem” significam mais danos à economia e fuga de Capitais, em um país que vem enfrentando dificuldades extremas e depende da Rússia para vender seu petróleo bruto. E claro: as sabotagens servem para aumentar a crise Humanitária que abastece a grande imprensa e esta, a serviço de Washington, não aprofunda nenhuma notícia a ponto de investigar o motivo desta crise.

Assim como o próprio Bolivar denunciou há 200 anos, a riqueza gerada nas colônias espanholas, serviu para gerar uma nova Elite econômica local, que não se importaria de estar sob o jugo da dominação espanhola, desde que os seus ganhos se mantivessem. Estes, os Realistas, passaram a lutar ao lado dos espanhóis contra os próprios criollos e as milicias populares comandadas por Bolivar. Não é muito difícil imaginar em que lado Maria Corina Machado estaria naquela época. Figura nababesca, com um sorriso forçado, e as vezes beirando a simploriedade de uma Ana Maria Braga, ela é o que resta de uma oposição patética, que lançou como candidato a presidente, em 2024, Edmundo Gonzales, que nos anos 1980, esteve alinhado aos Esquadrões da Morte da CIA, na América Central.

Antes de Edmundo, houve de tudo: pressionada pela Comunidade internacional, a mesma que pia fininho diante do Genocídio em Gaza, a Venezuela realizou mais de 20 eleições e plebiscitos. A última eleição, em 2024, observada por auditores internacionais, não constatou grandes incidentes durante o processo, mas vencida por Nicolas Maduro, as atas não foram repassadas aos auditores, o que gerou mais dúvidas sobre a lisura.

Outro momento de absurdo aconteceu em 23 de janeiro de 2019, quando um tal Juan Guaidó, neoliberal, apoiado também pela CIA, chegou a se autodeclarar presidente da Venezuela e montar um gabinete em casa. Presidente da Assembleia nacional, deputado mais jovem a presidir o Legislativo, Guaidó foi criado nas passeatas pela reabertura da RCTV, a Globo local. Descoberto nestas passeatas em defesa do conglomerado, Guaidó logo se tornou um dos deputados mais votados do país e uma sensação em Washington. chamado de presidente pela grande imprensa – a mesma que agora ovaciona Maria Corina, a Nobel da Paz que vai para a internet pedir uma guerra.

Desde a morte de Hugo Chavez, em 5 de março de 2013, a Venezuela vivencia um inferno. Em 3 de maio de 2020, tropas de mercenários tentaram invadir o país, vindos pela Colômbia. A tentativa de Golpe ficou conhecida, após um confronto armado que deixou 8 mortos e 16 presos. Jordan Goudrou, um ex-militar americano, proprietário da empresa de segurança Silvercorp, admitiu que planejou uma operação militar contra Maduro, e para isto, Washington teria lhe oferecido 15 milhões de dólares. Ou seja: democracia e liberdade de expressão não estavam em jogo.

O discurso de Trump contra o Tráfico de drogas é uma desculpa para colocar o seu exército na rua e invadir a América latina, com apoio da tal “Comunidade internacional”. Quem conhece História, sabe que este é o mesmo discurso do “Plano colômbia”, de 1997. Não há nada de novo. Até mesmo por que as grandes rotas de tráfico não passam pela Venezuela – e quem diz isto é um relatório do Departamento de Estado do governo americano, de 2023. Tanto que em agosto deste ano, a própria ONU deixou o país de fora do seu relatório anual sobre o tráfico de drogas. Vamos repetir: a ONU.

Para encerrar, é sempre bom fazer um lembrete: o pânico moral é uma grande arma da Extrema Direita. Se Hitler achava nos judeus, nos homossexuais e nos comunistas um perigo digno de doenças no que considerava doutrinação da juventude alemã, “Cocaína” e “Fentanil” tem sobre o eleitorado conservador estadunidense, o mesmo efeito lisérgico que “maconha” tem na Igreja de Silas Malafaia, ou seja: são ameaças de destruição das famílias, caos social e ruptura da velha ordem patriarcal e burguesa que os moralistas gostam de usar para justificar os seus atos mais violentos. Se Maduro não tivesse dito que é evangélico, em uma série de entrevistas, os jornais brasileiros o chamariam de satanista.

Só acredita na grande mídia quem quer. O teatro sobre o risco que a Venezuela representa chega a ser ridículo. O problema é que há idiotas o bastante no mundo, para repetir o discurso de Trump, um imigrante escocês radicado nos Estados Unidos, e que convence todo o mundo que imigrantes não prestam, e que o problema está em quem oferece entorpecentes, e não no país que mais consome drogas no mundo.

Fabiano da Costa é professor de História.

FONTE:

https://www.facebook.com/fabiano.dacosta.106?locale=pt_BR 




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