Alfabetizar para vida online
Escolas focam em ‘alfabetizar’ para vida online e em formar criadores digitais
Além da leitura em meios tradicionais, está na mira de colégios particulares e públicos o chamado letramento digital ou multiletramento. Ensina-se a lidar com informações e plataformas na internet para depois formar um desenvolvedor
Túlio Kruse e Isabel Palhares, Túlio Kruse ((ESPECIAL PARA O ESTADO) e Isabela Palhares
05 Agosto 2018
Sem ter visto o mundo antes da internet, a geração de alunos que hoje está no ensino básico é cercada por uma nova preocupação por parte de educadores. Além do uso da leitura em plataformas tradicionais, está na mira das escolas particulares e públicas de São Paulo o chamado letramento digital ou multiletramento. Nesse caso, um dos focos é ensinar os estudantes a lidar com informações e plataformas digitais – para se tornar não só usuário, mas criador.
No Colégio Dante Alighieri, na região central paulistana, a alfabetização digital é desenvolvida do 1.º ano do ensino fundamental até o último ano do médio. “Não é ensinar o aluno a usar os dispositivos, até porque eles sabem mais do que nós, mas sim como aproveitá-los para obter ganhos acadêmicos e pessoais”, explica a coordenadora Valdenice Minatel.
Aos 12 anos, Beatriz Cannatá, aluna do Dante, conta que sempre que lê uma notícia procura elementos para ter certeza da veracidade. “Vejo de quem é a publicação, quem confirma a informação, como é o texto, se há erros de gramática e de ortografia.”
Proposta semelhante tem o Colégio Móbile, na zona sul, que no ano passado criou um currículo de conteúdos com foco no letramento digital, permeando de forma transversal várias disciplinas do 1.º ao 9.º ano. Além de aulas básicas de linguagem de programação, os alunos também aprendem pesquisar na internet e saber quais fontes de informação são confiáveis – “para aprender mais rápido”.
Esses conteúdos geralmente são repassados em aulas com os coordenadores de cada série. “A gente ouve por aí que os meninos são nativos digitais e sabem tudo, mas não é verdade”, diz o coordenador de tecnologia educacional da Móbile, Júlio Ribeiro. “É papel da escola fazer o aluno lidar com a tecnologia, cuidar dessa cidadania digital, e não transferir essa responsabilidade para o aluno.”
Já no Colégio Mary Ward, na zona leste de São Paulo, a proposta é usar a tecnologia como aliada nas aulas de leitura. Os estudantes são incentivados a ler os materiais de aula no próprio celular no tempo livre e pesquisar o tema por conta própria na internet. Além disso, a disciplina usa plataforma online para os debates dos temas das aulas, uma espécie de fórum virtual em que os alunos podem publicar vídeos, arquivos, fotos e músicas, e comentar.
Avanço pelas idades. Se nos anos iniciais o trabalho do colégio é focado em auxiliar as crianças a usar a tecnologia com segurança e habilidade, nos anos posteriores se busca criar produtores, e não só consumidores, do conteúdo digital – como vídeos, textos, fotos e até mesmo aplicativos. “Não é usar a tecnologia para reproduzir, mas para que eles possam criar, produzir, desenvolver”, afirma Valdenice, do Dante.
Proporcionar aos alunos espaços de criação é também um dos objetivos do Colégio Bandeirantes. “Eles entram no 6.º ano sabendo basicamente jogar e assistir vídeos na web. Ao longo dos anos, desenvolvem habilidades de edição de texto, vídeo, áudio, programação, que auxiliam a melhorar o desempenho nas disciplinas”, diz a coordenadora Silvia Marchetto.
A tecnologia ainda é usada para desenvolver habilidades socioemocionais, como criatividade e criticidade, no Colégio Lourenço Castanho, zona oeste. Entre as atividades propostas aos estudantes, estão criar um vídeo para a internet com a explicação de um conteúdo aprendido. “Quando propomos o uso de aplicativos e dispositivos tecnológicos, é o momento em que mais vemos os alunos em silêncio porque estão envolvidos, compenetrados”, diz Ana Paula de Farias, professora de tecnologia educacional.
Escolas públicas. A mesma perspectiva, já seguindo a tendência indicada na nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), começa a ser adotada neste mês em escolas estaduais paulistas. Dez foram selecionadas na região sul, e os professores receberão formação para ministrar aulas e oficinas de pensamento computacional e robótica aos alunos do ensino fundamental 2 e médio.
Além disso, cada uma das escolas terá um laboratório de robótica equipado com dispositivos e ferramentas conectados à banda larga móvel da rede 4G. “Definitivamente, a tecnologia deve ser aliada da educação para construirmos um futuro melhor”, afirmou o secretário de Estado da Educação, João Cury Neto, ao lançar o projeto.
A tendência é mundial. Segundo o relatório Horizon Report 2017 para a educação básica, a chave para acelerar a adoção da tecnologia na educação a curto prazo, de um a dois anos, é o uso da programação como alfabetização e o aumento da aprendizagem Steam (sigla de Ciências, Tecnologia, engenharia, Artes e Matemática). No documento, são apontadas iniciativas que levam alunos do ensino básico nos Estados Unidos a trabalhar a Internet das Coisas e até em projetos digitais, com soluções para transporte, mudanças climáticas e otimização de recursos escassos.
O impresso não deve ser substituído, alerta especialista
O letramento digital precisa acontecer cedo, segundo a professora Maria José Nóbrega, do Instituto Vera Cruz, e para que as crianças adquiram bons hábitos no universo online, o ensino precisa acontecer em compasso com a utilização.
Mas ela alerta para que as mídias impressas não sejam esquecidas. "O letramento digital não substitui o impresso. Cada um desenvolve habilidades diferentes. No papel, a criança aprende mais sobre foco, paciência. Não podemos priorizar um em detrimento do outro.” Também defende um processo efetivo de aquisição da linguagem digital em todas as disciplinas. "E para que o aluno desenvolva um olhar crítico e explore ao máximo as possibilidades desse recurso, precisa da mediação do professor.” / I.P.