Amazonizando a COP
AMAZONIZANDO A COP
Antonio Nobre: O mecanismo de controle do clima da Amazônia está morrendo
Por que a obsessão pelo carbono da COP30 é um ponto cego catastrófico
Antonio Donato Nobre - 11 novembro 2025 - Sumaúma
Com a COP30 reunida no coração da Amazônia, o foco do mundo está voltado principalmente às emissões de carbono e nas promessas de neutralidade de carbono. No entanto, essa visão limitada nos cega em relação ao “elefante mais importante na sala”: a destruição do ecossistema não é um problema apenas do carbono; é a sabotagem sistêmica do mecanismo de controle climático mais poderoso do planeta.
Desde 2023, os eventos climáticos extremos destruíram as projeções do modelo do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e, agora, os meteorologistas lutam com essa nova realidade. Aqueles modelos climáticos haviam sido projetados em um mundo estável que deixamos para trás de forma definitiva. Mas, mesmo no clima estável, houve uma omissão inexplicável: o ciclo dinâmico terra-atmosfera da água – poderosamente mediado por florestas vivas – foi relegado a uma mera nota de rodapé na história do carbono.
Quando as árvores seguram o céu
O conhecimento indígena há muito tempo entende o que a ciência só agora está provando. Davi Kopenawa Yanomami uma vez me disse baseado no seu livro A Queda do Céu: “Os brancos não veem que, se cortarem a floresta, a chuva secará?”.
Isso não é metáfora: é conhecimento ancestral resumindo a física da bomba biótica. As florestas funcionam como o coração pulsante do ciclo hidrológico. As árvores transpiram grandes volumes de vapor d’água, que sobem e rapidamente se condensam em nuvens, auxiliadas por sementes de nuvens também emitidas pelas plantas.
Quando grandes quantidades de vapor d’água sobem e se transformam em gotículas líquidas (nuvens), esse líquido ocupa muito menos volume do que o gás. O encolhimento repentino cria uma área de baixa pressão – um enorme vácuo natural – que puxa eficientemente o ar úmido dos oceanos para dentro dos continentes.
A teoria da bomba biótica foi desenvolvida de forma pioneira pelos cientistas russos Anastassia Makarieva e Victor Gorshkov, em estreita cooperação com pesquisadores brasileiros, entre os quais me incluo. Nossos estudos revelaram que esse mecanismo opera globalmente.
Na Amazônia, a bomba puxa ventos alísios do Atlântico Norte através da linha do Equador, penetrando profundamente na América do Sul. Na Sibéria, as florestas boreais mantêm os rios voadores eurasianos, fontes cruciais de umidade atmosférica para vastas porções da Europa, China e Ásia Central.
Essa física profunda de vida ou morte – a bomba biótica – não é uma hipótese recém-formulada; é um mecanismo sólido, uma teoria publicada, enraizada na física fundamental. No entanto, por quase duas décadas, essa dinâmica crítica tem faltado nos modelos climáticos globais dominantes.
Essa omissão permitiu que os modelos subestimassem descontroladamente a vulnerabilidade da Amazônia e a velocidade do colapso climático, precisamente devido à relutância em integrar uma verdade que desafia a fundação centrada no carbono.
Destruindo um clima amigável
Remova as árvores e a bomba quebrará. A transpiração cessa, o ar seco cai, o ar úmido deixa de ser atraído para dentro, as nuvens desaparecem, o sistema de resfriamento natural entra em colapso e bolhas ameaçadoras e maciças de ar quente se instalam sobre regiões desmatadas, bloqueando ainda mais a circulação de umidade e desencadeando condições desérticas em vastas áreas continentais.
Enquanto nuvens brancas densas sobre a Amazônia refletiam até 70% da radiação solar de volta ao espaço, o solo nu agora absorve esse calor. Esse processo amplifica drasticamente o aquecimento regional, gerando consequências climáticas cruéis, muito além do que as emissões de carbono por si só podem explicar.
Além do carbono: uma mudança de paradigma para a ação climática
Eis a verdade desconfortável: mesmo que zerássemos as emissões de carbono amanhã – um objetivo que certamente vale a pena perseguir –, o colapso climático persistiria sem uma restauração ecológica maciça.
Embora o dióxido de carbono seja fundamental para o aquecimento a longo prazo, a destruição do ecossistema introduz um multiplicador perigoso a curto prazo. Ao danificar o ciclo oceano-atmosfera-água terrestre, amplificamos drasticamente a sensibilidade do clima ao CO2. As florestas não são apenas sumidouros de carbono. Elas são os principais reguladores climáticos do planeta, seus geradores de água doce e a própria base da habitabilidade continental.
O caminho a seguir: protegendo e restaurando a biosfera
A boa notícia é que a vida tem o poder regenerativo. Ao longo de mais de 400 milhões de anos, a biosfera conquistou continentes através de mecanismos incrivelmente complexos e sofisticados. Esporos, sementes, brotos, ramos, folhas, ovos e culturas preciosas dos povos indígenas guardam os segredos da vida para manter e proteger o clima. Reconhecer essa proeza natural deve se tornar um indicador de nossa própria inteligência existencial.
O mandato da COP30 exige uma reforma fundamental da agricultura e da pecuária, atualmente os principais vetores de destruição.
Além disso, a falha em modelar a bomba biótica tem uma consequência financeira direta: ela permite que bilhões de dólares sejam canalizados para esquemas falsos de compensação de carbono de curto prazo, como fazendas de árvores que não conseguem replicar a complexa hidrologia das florestas nativas, que parecem boas em um registro de carbono, mas não fazem nada para restaurar o ciclo da água do planeta.
Pense nisso como tratar uma doença no fígado. A primeira coisa que um médico diz ao alcoólatra é pare de beber, ou seja, parar de poluir, parar de destruir. Isso é essencial, mas é totalmente insuficiente. O fígado danificado precisa de cura. Se continuarmos perdendo e degradando nossas florestas, nenhuma quantidade de replantio de monoculturas ou compensação de carbono preservará a saúde planetária. Um fígado danificado pode se regenerar, mas precisa de ajuda. A Natureza tinha uma eternidade de sobra; nós, não.
Oportunidade histórica da COP30: o mandato final
Hospedar a COP30 na Amazônia é mais do que simbólico, é estrategicamente essencial. O desafio para Belém é claro, mas importante: Será que finalmente reconheceremos o elefante na sala? O mundo ainda não sabe se a retórica da “preservação” superará o desejo do século 20 por um desenvolvimento imprudente.
Vamos desistir da conveniência política e superar o cinismo econômico?
Esta é a conjuntura crítica em que o mundo deve finalmente elevar a proteção e recuperação do ecossistema de uma preocupação periférica para o centro da ação climática global.
Novas parcerias humanas devem reconhecer a extraordinária capacidade dos ecossistemas terrestres intactos de resfriar a superfície – convertendo magnificamente vapor d’água em nuvens e chuva, uma função ultracomplexa que nenhuma tecnologia artificial pode replicar ou substituir.
O mandato para a COP30 não questiona mais se valorizamos a Amazônia, mas como a valorizamos. Devemos impor, financiar e modelar políticas que reconheçam a floresta não apenas como um repositório de carbono, mas como o sistema insubstituível de refrigerar o ambiente natural e gerar água doce no planeta.
A estabilidade dos alimentos, da água e do clima do mundo depende de Belém elevar a biogeofísica – como mostra a nova ciência da bomba biótica – de uma preocupação periférica para o núcleo da lei climática global.
Uma vez que se dê uma chance a florestas diversas, e protagonismo aos territórios nativos, eles curarão o clima. Essa convicção não é um otimismo ingênuo: ela emerge da aplicação prática da física, da ecologia profunda, das sabedorias antigas e de 4 bilhões de anos de gênio evolutivo.
Vamos finalmente nos comprometer – sem concessões – a respeitar, proteger e restaurar totalmente o nosso maravilhoso planeta?
FONTE:
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