Anistia vergonhosa
Anistia vergonhosa

janeiro de 2023 | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Vamos falar sério: anistiar os golpistas de 8 de janeiro de 2023 seria uma vergonha. Nada mais absurdo. Quase um prêmio para os vândalos que destruíram patrimônio público nos palácios de Brasília. Tudo isso para livrar a cara do chefe do bando, o capitão Jair Bolsonaro, que ainda sonha em concorrer à presidência da república em 2026. Quatro anos de estrago não lhe bastaram. Como o seu ídolo, o perigoso Donald Trump, ele quer mais. Por isso, pede que o parlamento anule condenações e passe a borracha num passado tão recente quanto assustador. As penas até agora aplicadas são muito altas? Pode ser.
Talvez se pudesse condenar a arraia-miúda manipulada que se comportou como uma horda naquele janeiro inesquecível a penas de quatro a oito anos de cadeia. Já os generais golpistas e outros cabeças da conspiração merecem bem uns doze anos. Para Jair Bolsonaro, o inspirador de tudo, a pena não pode ser inferior a 17 anos. Ficaria de bom tamanho. Golpe de Estado é algo gravíssimo. Se funciona, condena o país a anos de sofrimento, como aconteceu com o golpe midiático-civil-militar de 1964. Se não funciona, se fica como tentativa, deve ser severamente punido para dissuadir outras apostas.
Bolsonaro sabia de tudo, participou de tudo, deixou rabo para todo lado, fugiu para os Estados Unidos com a cabeça cheia de planos: voltaria como salvador, carregado nos braços dos golpistas e reinaria com plenos poderes, capitão presidente, realizando seu sonho de igualar-se aos generais presidentes da sua ditadura de estimação. Jair Bolsonaro queria ser ditador. A democracia para ele é só um instrumento para chegar ao poder e nele ficar. Falhou. A preparação do golpe foi tão tosca que só podia dar errado. Como o parlamento está dominado por bolsonaristas não é de duvidar que ele obtenha perdão para todos e para si. A tal anistia só serviria para atolar o país.
O bolsonarismo fez e faz mal ao Brasil. Não se trata de um programa civilizatório nem de uma plataforma de gestão racional do país, mas simplesmente de um apanhado de ressentimentos com potencial mobilizador de massas. Ressentimento contra todos os movimentos de emancipação e de revelação das formas tradicionais de exercício do poder contra os que não o possuem. O bolsonarismo é a ideologia do macho branco patriarcal, patrimonialista e clientelista. A sua meta é a salvação do legado de dominação dos últimos séculos no Brasil. Dito assim, parece clichê. A verdade do bolsonarismo tem esse ar caricatural. Nada se pode fazer que não seja enunciá-la como é.
O bolsonarismo precisa mais do que nunca de Jair Bolsonaro. Ainda não apareceu ninguém com a força caricatural que ele detém. Não se forja uma caricatura tão eficiente em laboratório. A identificação das pessoas com Bolsonaro se dá no nível primário da recompensa que parecia impossível, como ser feliz por chupar o dedo. Não há no Brasil uma caricatura capaz de substituir Bolsonaro com o mesmo poder de sedução pelo grotesco. Daí a importância da anistia. O bolsonarismo sem Bolsonaro perde o aspecto fundamental do seu fascínio: a tosquice.
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