Apagão docente

Apagão docente

Apagão docente: outra leitura do exposto

O déficit de docentes na Educação Básica poderá chegar a 235 mil em 2040

Sobre o segundo fato também não resta dúvida ao analisarmos a composição da docência no Brasil em relação à faixa etária, pois existe tendencialmente – não só no Brasil – a consolidação do processo de adulti-idosificação do magistério (Andrade, 2023).

 

 

 

Por fim, em relação à intensificação da precariedade docente que tem provocado o afastamento dos-as professores-as nos espaços escolares, podemos exemplificar o caso dos-as docentes da rede estadual que atuaram em Campinas entre 2014 e 2024, no qual 12,8 mil se ausentaram das salas de aula por problemas de saúde mental.

Porém, alguns fatores não foram elencados pelo estudo da SEMESP (2022), assim como suas possíveis intencionalidades, que listaremos a seguir em três momentos.

1 – O apagão não ocorrerá em 2040. Ele é um ente nevrálgico da educação brasileira

Dois elementos comprovam tal fato. O primeiro se confirma pela carência de professores nos diferentes sistemas de ensino no Brasil, que pode ser ratificado por meio de breve leitura dos relatórios sobre o quantitativo de docentes. No caso da rede estadual do Rio de Janeiro, de acordo com relatório que estabelece o Plano de Implementação do Novo Ensino Médio, em 2022 a carência calculada alcançou o total de 13.060 aulas (Rio de Janeiro, 2023, p. 21-22) nesta etapa de ensino da Educação Básica, acumulando um déficit de 16,8% na região da Baixada Litorânea por exemplo.

O segundo elemento se certifica pela adequação da formação docente no Brasil, mesmo ante à elevação quantitativa ao longo dos últimos anos; porém, ainda insuficiente. Em outras termos, 35,9% dos-as professores-as da Educação Infantil não dispunham de certificação para atuação em 2024, sendo o mesmo observado em 31,2% e 31,6% no Ensino Fundamental e no Ensino Médio respectivamente.

Tabela 1 – Percentual dos-as professores-as adequadamente formados no Brasil – 2013-2024.

 

Fonte: Inep

 

Seria como um dermatologista ingressando em mesas cirúrgicas para o trato de patologias cardíacas-cardiológicas. Em suma, existe hoje no Brasil, e sempre existiu, não especialistas para a docência em componentes curriculares do cotidiano escolar. Fato que tende a se agravar por meio da consolidação da Reforma do Ensino Médio, que prevê a inserção das disciplinas eletivas para docentes atuarem sem qualquer formação para tal. Seria apenas para a administração de noções espraiadas no-pelo senso comum para a concreção de competências oriundas, em grande parte, das novas morfologias do trabalho – como o caso do empreendedorismo.

O mais interessante que, entre 2015 e 2024, houve a ampliação de 8,26% do número de professores-as no Brasil – de 2.187.154 para 2.367.777 – no mesmo momento em que as matrículas reduziram 8,55% (INEP, 2025). A retração de docentes ocorreu somente, no mesmo período histórico, na Educação de Jovens e Adultos (EJA) em razão do fechamento abrupto de estabelecimentos de ensino.

2 – Há tendência de subtração dos ingressantes, matriculados e concluintes nos cursos de licenciatura?

A tendência exposta pelo Censo do Ensino Superior não corrobora com tal tese (INEP, 2024), cabendo a obrigatória ressalva do recorte histórico da pesquisa da SEMESP (2022). Em relação aos ingressantes, entre 2020 e 2023 houve um acréscimo de 18,9%, sendo mais expressivo na Educação a Distância (EaD). Nota-se também que ocorreu uma redução significativa entre 2020 e 2021, com tendência crescente após o período pandêmico – o que pode ampliar tendo em vista o número recorde de inscritos no presente Exame Nacional do Ensino Médio (aproximadamente 5,5 milhões) neste ano.

Em suma, ocorreu ascensão nas modalidades de ensino, e pouco se considerou na pesquisa da SEMESP (2022) o período crítico.

Tabela 2 – Total de ingressantes nos cursos de licenciatura no Brasil de acordo com a modalidade de ensino – 2020-2023.

 

Fonte: INEP (2024).

 

Expansão que também se corrobora ao verificarmos o número de estudantes matriculados nos cursos de licenciatura no mesmo período adotado. Neste caso, houve redução total apenas na modalidade de ensino presencial, com tendência de recuperação após 2022, enquanto no EaD ocorreu a ampliação de 2,84% (INEP, 2024).

Tabela 3 – Distribuição quantitativa das matrículas nos cursos superiores de licenciatura no Brasil de acordo com a modalidade de ensino – 2020-2023

 

Fonte: INEP (2024).

 

Por fim, a redução do número de concluintes ao longo deste período é factual, mesmo que os números se aproximem ao computado em 2016 (INEP, 2024), mas ainda são dados significantes diante do aclamado como “apagão”, e com destaque, desde 2019, para o curso de Pedagogia como o que mais forma discentes na totalidade comparativa – bacharelado e tecnólogo –, somando 124.131 em 2023. Acrescemos a isto que o próprio estudo do propagado discurso contém informações sobre a evasão. E esclarece que o mesmo não pode ser entendido como homogêneo, pois nos cursos de licenciatura o quantum oscila entre 34,6% para a ciência Matemática e 26,7% para formação de professores em

Computação (SEMESP, 2022, p. 15). Portanto, o fenômeno proclamado não impacta todos os cursos de licenciatura da mesma maneira, incluindo também outros aspectos.

A comparação entre as modalidades de ensino presencial e a distância (EaD) reverbera uma discrepância ainda maior nas taxas de desistência e conclusão. A taxa de desistência acumulada no EaD atinge 66%, em contraste com 58% no ensino presencial, enquanto as taxas de conclusão são de 33% e 41%, respectivamente. Os dados indicam que o ensino a distância, embora tenha ampliado o acesso ao ensino superior, enfrenta obstáculos específicos que contribuem para a maior evasão, como a menor interação entre estudantes e professores, a falta de suporte técnico e pedagógico adequado, além das dificuldades dos estudantes em se adaptar à autonomia exigida pelo formato (Schuhardt et. al., 2025, p. 5).

Tabela 4 – Total de concluintes dos cursos de licenciatura no Brasil – 2020-2023

 

Fonte: INEP (2024).

 

Em outros termos, os dados sobre os cursos de licenciatura de cunho presencial são melhores que o total apresentado pela pesquisa do SEMESP (2022). Porém, não há na pesquisa discriminada a observação de variáveis em relação ao abandono, que não se delimita, sob qualquer hipótese, aos elementos circundantes à relação ensino-aprendizagem-formação superior. Pelo contrário, esses são ínfimos como bem demonstra a pesquisa de Schuhardt et. al. (2025, p. 7-9). Já sobre a desistência acumulada, a taxa chegou a 59% em 2023 no total dos cursos de licenciatura, sendo 58% em todos (INEP, 2024) – entre os homens e mulheres, 63% e 54% respectivamente (INEP, 2024), mas com elevada diferença entre os cursos com disciplinas no cotidiano escolar.

Tabela 5 – Percentual da taxa de desistência acumulada em cursos de licenciatura no Brasil – 2014-2023

 

Fonte: INEP (2024).

 

 

Existe de fato um problema, e os números apresentam dada proporção de tal, mas não dissociando o fenômeno dos outros cursos superiores – bacharelado e tecnólogo. Ao mesmo tempo, a taxa acumulada de desistência ao longo da década tomada acima como referência – 2014-2023 – permaneceu estável em 59%, porém com ascensão da taxa acumulada de concluintes em 5% – de 35% para 40% (INEP, 2024); logo, a evasão está estável, e a conclusão ampliando.

No mesmo momento houve outro fenômeno não observado pela pesquisa da SEMESP (2022), pois ocorreu uma transição na taxa acumulada concluintes em favor das IES públicas – saltou de 35% para 44% entre 2019 e 2023, enquanto as IES privadas de 35% para 38% (INEP, 2024) –, e a manutenção da taxa de desistência acumulada maior das IES privadas – 61%, enquanto as IES públicas computaram 53% em 2023 (INEP, 2024).

Outro fator – desculpe a tautologia – não apontado pela pesquisa da SEMESP foi o impacto do Programa de Financiamento Estudantil (FIES) e do Programa Universidade para Todos (PROUNI) – no mesmo ano em que a proporção das novas vagas ocupadas alcançou 23,3% nas IES privadas com fins lucrativos e 17,4% sem fins lucrativos, sendo o mesmo estipulado em 78,3% nas IES públicas estaduais (INEP, 2024).

Tabela 6 – Taxa de desistência acumulada das IES privadas de acordo com a adesão, ou não, ao PROUNI e ao FIES no Brasil – 2023

 

Fonte: INEP (2024).

 

A Pesquisa da SEMESP (2022) identifica por meio dos números do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE), realizado em 2021, que 63% dos-as discentes pretendem lecionar após a conclusão do curso e 14% tomaram o magistério como campo profissional secundário, sendo que 58% já lecionaram – ante o número de concluintes, a leitura do apagão ante a vontade prescrita e o real já se transformaria em pó.

3 – As novas formas contratuais e o tampão do ingresso no magistério

Após 2020 os contratos temporários assumiram dado protagonismo na inclusão dos-as docentes nos sistemas públicos de ensino, com maior destaque proporcional para os estados, inexorável da retração dos concursos públicos. Acreditamos ser este um dos principais fatores para a redução dos-as jovens no magistério, assim como um dos elementos que explicam a intensificação da precariedade do trabalho docente na contemporaneidade, resultante de ações para retração do custeio com a força de trabalho, assim como a impetração de parte do funcionalismo ao modo instável.

Tabela 7 – Quantitativo docente contratado de forma efetiva e temporária no Brasil de acordo com os sistemas de ensino – 2016-2024

 

Fonte: INEP (2025).

 

No entanto, ao analisarmos os editais para contratação temporária e para concurso efetivo realizados pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, no qual tomaremos como exemplo os editais CVL/SUBSC nº 105, de 16 de maio de 2019 (Rio de Janeiro, 2019) e SME nº 12/2024 (Rio de Janeiro, 2024), identificamos diferentes elementos que dificultam a entrada de docentes jovens até 29 anos1. O primeiro se remete à priorização do preenchimento de vagas, o que em si impede – mesmo que parcialmente diante do significativo quantitativo de vagas – o ingresso de novos-as professores-as.

Terão prioridade no preenchimento das vagas oferecidas os professores ativos e professores aposentados das Redes Oficiais de Ensino Público do Município do Rio de Janeiro (SME) e do Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC), em atendimento ao art. 1º da Lei 2.217, de 23 de setembro de 1994, e seu regulamento, desde que atendam aos requisitos do presente Edital (Rio de Janeiro, p. 2, 2024).

O segundo, que é o mais vital para a entendermos algumas hipóteses sobre possíveis contradições do “apagão docente”, refere-se à pontuação dos-as candidatos-as de acordo com a titulação, o tempo de exercício profissional, e a forma do mesmo2. O que, por razões óbvias, impede o ingresso de jovens.

Ao examinarmos os resultados dos concursos para a contratação temporária e efetiva de docentes para os Anos Finais do Ensino Fundamental da primeira à quinta Coordenadoria Regional de Educação (CRE) da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME-RJ), observamos que de fato há uma dada limitação etária para a entrada dos jovens até 29 anos e adultos até 39 neste sistema de ensino, vide a proporção dos-as candidatos-as classificados-as nos processos – estes-as compõem a faixa etária de maior declínio no magistério.

Tabela 8 – Faixa etária dos-as professores-as classificados no Processo Seletivo para Contratação Temporária e Concurso Efetivo para a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (EditaisCVL/SUBSC nº 105, de 16 de maio de 2019 e SME nº 12/2024) para os Anos Finais do Ensino Fundamental – 2024.

 

Fonte: SME-RJ (2024 – adaptado pelo autor).

 

 

Podemos somar ao que fora até aqui exposto, a expansão das novas morfologias do trabalho que se inserem no cotidiano docente, principalmente entre os jovens nos dias atuais, como o caso dos-as professores-as eventuais em processo de uberização no estado de São Paulo (Venco, 2019), os-as cadastrados-as em aplicativos como o Superprof para a lecionação de aulas no mesmo modelo do Zero Hour Contract (Antunes, 2020), ou a quantidade de docentes com formação em nível de pós-graduação desempregados (Mattos, 2011). Tendência que acompanha a totalidade da População em Idade Ativa (PIA) em dois aspectos. O primeiro se refere à inserção no mercado de trabalho com o Ensino Superior Completo com o agravante socioeconômico, pois entre 2019 e 2023 de acordo, com o estudo realizado DIEESE (2023, p. 5-6),

[…] Entre os ocupados de domicílios mais pobres, com ensino superior completo, 38,8% dos ocupados estavam em ocupações típicas para essa escolaridade e outros 61,2% estavam em atividades não típicas. Já entre os de domicílios mais ricos, 71,5% do ocupados com superior completo estavam em ocupações típicas e 28,5% em atividades não típicas.

O segundo condiz com o próprio ingresso no mercado de trabalho dos jovens recém-formados entre 2014 e 2018, pois a partir da crise econômica de 2013

[…] aumentou a proporção de recém-formados no ensino superior que não conseguiu nenhum trabalho. Em 2014, 8% deles estavam desocupados após a conclusão dos cursos e outros 13% estavam inativos (sequer procurando trabalho). Em 2018, os percentuais aumentaram para 14% e 15% respectivamente” (DIEESE, p. 2, 2019).

 

Crédito: Pexels

 

 

Enfim, podemos reiterar que existe um dado “tampão” para absorção dos jovens e adultos até 39 anos nos sistemas públicos de ensino em virtude, principalmente, da ascensão das formas contratuais precárias. Além disso, a argumentação coexiste à possíveis estratégias de “terceirização docente” como realizado nos dias atuais pela Rede Ensina Brasil, que reproduz a pesquisa da SEMESP (2022) para o incremento de suas ações (Ensina Brasil, 2024, p. 12).

 

Rodrigo Coutinho Andrade é professor do DEGEO-IM/UFRRJ, do PPGEO-FFP/UERJ, e do PPGEduc-UFRRJ. Membro do GTPS-UFRRJ e da AGB-Niterói.

 

Referências

ANDRADE, Rodrigo Coutinho. Considerações acerca da BNC-Formação e as novas morfologias do trabalho: o professor de novo tipo. Terra Livre, v. 1, n. 60, p. 121-156, 2023.

ANTUNES, Ricardo. Qual é o futuro do trabalho na Era Digital?.Laborare, v. 3, n. 4, p. 6-14, 2020.

DIEESE. Com ensino superior, mas sem trabalho na área. São Paulo: DIEESE, 2019. Disponível em: <https://www.dieese.org.br/boletimempregoempauta/2019/boletimEmpregoEmPauta13.html>. Acesso em: 02 de jun. de 2025.

DIEESE. Aumenta ocupação de pessoas com ensino superior, mas em trabalhos não típicos para essa escolaridade. São Paulo: DIEESE, 2023. Disponível em: <https://www.dieese.or g.br/boletimempregoe mpauta/2023/boletimEmpregoemPauta26.html>. Acesso em: 02 de jun. de 2025.

ENSINA BRASIL. Relatório de Atividades 2023-2024. Ensina Brasil: São Paulo, 2024.

INEP. Censo do Ensino Superior – 2023. Brasília, DF: INEP, 2024. Disponível em: <https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-da-edu cacao-superior/resultados>. Acesso em: 3 de set. de 2025. INEP. Censo Escolar – 2024. DF: INEP, 2025. Disponível em: <https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-escolar/resultados>. Acesso em: 3 de set. de 2025.

MATTOS, Valéria de Bettio. Pós-graduação em tempos de precarização do trabalho: alongamento da escolaridade e alternativa ao desemprego. São Paulo: Xamã, 2011.

Rio de Janeiro. Secretaria Estadual de Educação. Novo Ensino Médio – Plano de Implementação. Rio de Janeiro: SEEDUC-RJ, 2022. Disponível em: <https://www.gov.br/mec/pt-br/novo-ensino-medio-descontinuado/pdfs/PLIRJ.pdf>. Acesso em: 03 de mai. de 2025.

Rio de Janeiro. Subsecretaria de Serviços Compartilhados. Edital CVL/SUBSC Nº 39 de 06 de fevereiro de 2020. Rio de Janeiro: SSC-RJ, 2020. Disponível em: <https://www.rio.rj. gov.br/dlstatic/10112/9653316/4269925/EDITAL_39_ResultadoFinal_PEFANOSINICIAIS1.pdf>. Acesso em: 29 de mai. de 2025.

Rio de Janeiro. Secretaria Municipal de Educação. Edital SME Nº 12, de fevereiro de 2024. Rio de Janeiro: SME-RJ, 2024. Disponível em: <https://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/1597 8624/4389931/EDITAL12DE05DEFEVEREIRODE2024787vagas.pdf>. Acesso em: 29 de mai. de 2025.

SEMESP. Risco de “apagão” de professores no Brasil. São Paulo: SEMESP, 2022. Disponível em: <https://www.semesp.org.br/pesquisas/risco-de-apagao-de-professores-no-brasil/>. Acesso em: 12 de abr. de 2025.

SCHUHARDT, Oscar Luiz; ZORZANELO, Camila Mosoli; PEREIRA, Alana da Silva; MARCHETTO, Maria Julia Soares; CHAGAS, Priscilla Borgonhoni. A evasão no Ensino Superior brasileiro na percepção dos alunos evadidos: motivos e fatores apontados nos estudos entre os anos de 2014 e 2022. In: IV Simpósio do Programa de Pós-Graduação em Administração da UEM. Anais eletrônicos.Marigá, Pr: IV SimPPA, 2024, p. 1-18.

VENCO, Selma. Uberização do trabalho: um fenômeno de tipo novo entre os docentes de São Paulo, Brasil?. Cadernos de Saúde Pública, v. 35, n. 1, 2019.

FONTE:

https://diplomatique.org.br/apagao-docente-e-a-educacao/ 




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