Aprender a desaprender
Aprender a desaprender: construindo a esperança
Fomos ensinados a competir e a rastrear, sem descanso, uma via que nos leve a uma história que, na maioria das vezes, nem nossa é. Dificilmente nos perguntamos sobre sermos “vencedores em que”, de que parte da história…
Nossos tempos parecem nos conduzir a uma quase completa desesperança; e isso em nível mundial, eu diria. E não somente por causa de uma pandemia assoladora, recém abrandada, das guerras internas em tantos países, entre outras grandes mazelas.
No nosso eixo do mundo, apesar de uma mudança nos rumos políticos da nação, os respingos da morte e da fome ainda são evidentes. Como construir esperança, então?
Há um claro esforço de determinados segmentos da composição da sociedade, empreendidos para criar situações de desespero, fragilizar ainda mais os empobrecidos e os miseráveis e desestabilizar as instituições que estão ao lado desses.
Há uma contra-história que vem sendo concebida justamente para matar uma possível esperança movente no nascedouro. E ela conta com uma aliada incontestável: a linguagem.
Na redes sociais nos deparamos com xingamentos, com artimanhas e armadilhas discursivas, com uso de palavras inadequadas até mesmo em reuniões do alto escalão do governo federal (como se viu no governo passado); uma parafernália de modos de se comunicar que beira ao ridículo.
Rubem Alves, na obra “Da Esperança”, já dizia que a linguagem de uma comunidade de fé “deve (…) expressar o espírito de liberdade para a história, o gosto pelo futuro, a abertura para o provisório (…),deixando o velho e rumando em direção ao novo”. A partir daí, segundo ele, se pode pensar em construir Esperança.
Talvez se possa estender o que é aplicado ao termo “comunidade de fé” para “todos nós”, independentemente de professarmos uma religião ou não!
Então, enquanto humanidade, podemos nos perguntar: cultivamos a esperança? Em que esperamos? O que esperamos? Como vemos as possibilidades e suas manifestações em nossa existência tão precária e fugaz? Quem supostamente não tem religião pode ter esperança? Movimentamo-nos para um “desaprender” que nos conduza a novas alternativas?
Para construir a esperança é necessário desaprender! É claro, se pensamos em “desaprender” parece que caminhamos para trás, mas não se trata disso! Desaprender, aqui, quer dizer desvincular-se do que destrói, levando à promoção da vida, a um incessante olhar para a justiça e à revolucionária igualdade de oportunidades, já proposta por Jesus de Nazaré tanto tempo atrás. Significa reconhecer e desligar-se de “linguagens” envelhecidas, que impedem a paixão de instalar-se – a paixão que conduz a transformações às vezes jamais pensadas!
Mas como se pode pensar em “desaprender”, quando o que todos querem é “aprender”?
Trata-se de um remar ao contrário. É uma história às avessas desta que está por aí. Isso, porém, só pode acontecer se entendermos que somos fruto dessa época, que fomos ensinados. Ensinados no preconceito (“bandido bom é bandido morto”), no desânimo (“pau que nasce torto morre torto”), na obstinada busca do sucesso a qualquer custo (“Deus ajuda a quem cedo madruga”), no estigma de “vencedores” (“Atirei o pau no gato”).
É a linguagem… Fomos ensinados a competir e a rastrear, sem descanso, uma via que nos leve a uma história que, na maioria das vezes, nem nossa é. Dificilmente nos perguntamos sobre sermos “vencedores em que”, de que parte da história…
Construir esperança é, pois, aprender a desaprender, mudar a linguagem! O desaprendizado, porém, implica compromisso com a insegurança, o desconforto, a desinstalação… pois linguagem nova, linguagem outra, faz-nos revirar nosso eu, em primeiro lugar. E aí, bom, aí possivelmente, temos o “homem e a mulher novos”, edificadores da Esperança construtora.
Autora: Ir. Marta Maria Godoy, graduada e pós-graduada em Letras, pós graduanda em Teologia