As 40 horas em Angicos
Cine TVT exibe hoje segundo episódio de documentário sobre Paulo Freire
“As 40 horas em Angicos” mostra a experiência inovadora do método de Paulo Freire, que em 40 horas de aulas alfabetizou 300 alunos no sertão do RN em 1963. De tão revolucionário, foi cassado pelos militares. Freire e seus auxiliares acabaram presos por subversão
São Paulo – O Cine TVT deste sábado (9) exibe “As 40 horas em Angicos”, segundo episódio do documentário Paulo Freire, um Homem do Mundo. Lançada em 2020 pelo SescTV e a TVT, a obra dirigida por Cristiano Burlan mostra a vida, a obra e as ideias do educador reconhecido internacionalmente. A sessão começa às 21h30.
“As 40 horas em Angicos” aborda o processo de alfabetização inovador e revolucionário na pequena cidade de Angicos, no sertão do Rio Grande do Norte, em 1963. Com mais de 75% da população analfabeta, Angicos recebeu estudantes comandados por Paulo Freire, a maioria graduandos de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Após 40 horas de aulas, dadas inclusive em casas de moradores na ausência de escolas, 300 alunos, a maioria trabalhadores do campo, foram alfabetizados.
Segundo o professor José Willington Germano, da UFRN, os preparativos para a façanha começaram em dezembro de 1962, quando foi feito um levantamento das palavras mais significativas para a população de Angicos. O método consistia em ensinar a leitura e a escrita para um pensamento mais crítico da realidade.
A palavra “tijolo” é um dos exemplos. A ideia não era apenas ensinar a escrevê-la, mas promover todo um debate a respeito da moradia, dos trabalhadores em olarias, fazer cálculos sobre a venda, a compra e o custo com desse material. Foram criados círculos de cultura Círculos de Cultura e em geral as aulas eram dadas nas casas dos moradores, já que não havia escola suficiente.
Experiência Freireana foi acompanhada por mídia internacional
Os recursos vinham do governo potiguar e da “Aliança para o Progresso”. O programa de origem norte-americana, ironicamente, atuava no combate ao analfabetismo na América Latina. Ou seja, o governo dos Estados Unidos acreditava que o comunismo encontrava terreno fértil entre a população analfabeta.
Angicos recebeu também jornalistas de grandes veículos de comunicação, como o New York Times, do Time Magazine, do Herald Tribune, do Sunday Times, do United e da Associated Press, do Le Monde, que foram registrar a grande experiência de alfabetização. O então presidente João Goulart e Aluizio Alves, governador do Rio Grande do Norte, estiveram no encerramento das atividades dos Círculos de Cultura, em 2 de abril de 1963.
“A formação do pensamento”, em que Freire fala sobre a sua vida pessoal, da infância e a mudança de Recife. Há também depoimentos de seus filhos sobre o período de censura, a prisão e o exílio do educador mundialmente reconhecido, cuja memória é perseguida pela extrema direita.
Segundo depoimento de ex-alunos, todos se tornaram mais conscientes de seus direitos e mais críticos. Para se ter uma ideia, após o fim das 40 horas em Angicos, 300 daqueles alunos adultos foram tirar o título de eleitor. Não é a toa que o projeto, considerado comunista, acabou cassado pelos militares. Freire e alguns graduandos foram presos, muitos outros ameaçados. E os educandos tiveram que queimar os livros com medo da represália.
15 anos no exílio e o reconhecimento mundial
O terceiro episódio trata do exílio com sua família, saindo da Bolívia para a Suíça, onde ficou por 10 anos. Lá Freire recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Genebra, por conta da importância de seu trabalho.
“Do pátio do Colégio à Pedagogia do Oprimido” é o quarto capítulo. Nele, a volta do exílio após 15 anos, e a nomeação, em 1989, para o cargo de secretário de Educação do município de São Paulo, na gestão de Luiza Erundina (PT), onde tornou a rede mais democrática, com qualidade e inclusiva.
A série termina com a abordagem da influência de Paulo Freire no teatro da Cia do Tijolo, na música, na poesia e na Escola de Samba Leandro de Itaquera, que o homenageou em 1999. No episódio “O Mundo não é, Está Sendo”, há depoimentos de artistas que se inspiram nos seus ensinamentos, na ética freireana baseada na aproximação com o outro, com a cultura do outro.
Redação: Cida de Oliveira