As angústias na volta às aulas
As angústias das crianças na volta às aulas em tempos de pandemia
Emma, 14, cujo nome verdadeiro foi alterado nesta reportagem, está sofrendo após semanas de quarentena no Reino Unido. Estar com os amigos a ajuda a lidar com a depressão, mas agora ela se sente "isolada".
"Eu fico no meu quarto [e não tenho] ideia de quando eu vou voltar à escola ou ver meus amigos", afirmou a menina à comissão de proteção às crianças da Inglaterra. "Estou muito estressada com isso."
O caso da jovem não é único. Especialistas têm alertado sobre os efeitos para a saúde mental das crianças e jovens se sentindo isolados de seus pares como resultado do lockdown e do fechamento das escolas.
De acordo com o Unicef, as crianças ouvidas nos estágios iniciais da pandemia se preocupavam sobre estarem isoladas de sua família e amigos, e também de pegar o vírus e morrer por causa dele.
"Talvez na primeira semana tenha sido divertido, porque não tinha escola. Mas, muito rapidamente, as crianças ficaram ansiosas", afirmou Ursula Grass, coordenadora da escola Waldhauschulle no sudeste da Alemanha, afirmou à BBC.
"Eles tiveram que lidar com esse problema de ficar isolado em casa."
A falta do contato
A ONU estima que 1,6 bilhão de crianças tenham sido afetadas pelo fechamento das escolas em 145 países. E não foi só o aprendizado delas que foi interrompido.
"Os professores não ensinam apenas matemática, gramática e essas coisas. Eles ensinam a ser sociável, a desenvolver empatia pelos outros, a brincar entre si", diz Grass.
Em um país bem conectado como a Alemanha, os professores podem fazer o upload das tarefas pela internet, e manter contato com os alunos por telefone e email.
"Mas o toque pessoal está faltando, e que, para muitas crianças, esse foi um grande problema", diz Grass. "As escolas proveem uma rotina, um lugar seguro onde os jovens podem conversar com adultos em quem eles confiam e um lugar para estar cara a cara com seus amigos", afirma Tom Madders, diretor de campanha na ONG Young Minds.
À medida que começamos a emergir da pandemia, as "escolas vão desempenhar um papel vital de dar apoio aos jovens", diz Madders.
Os alunos estão começando a voltar à sala de aula em diversos países, mas o especialista destaca que as escolas deveriam abrir "somente quando for seguro".
O que parece é que alcançar o equilíbrio entre o bem-estar emocional e a segurança parece ser desafiador.
As novas regras
Como tudo o mais, as escolas serão lugares diferentes do que eram meses atrás.
Regras de higiene, como as que exigem que as crianças lavem as mãos frequentemente e permitem que apenas um aluno vá ao banheiro por vez, são agora o normal.
Na Dinamarca e na Alemanha, as crianças são mantidas em grupos pequenos, sem interação com outros. Esses subgrupos chegam em horários diferentes, almoçam separadamente, ficam sem suas próprias áreas do playground e são ensinados por apenas um professor.
"É difícil, especialmente para crianças pequenas, porque elas não podem estar com seus amigos, quando estão isolados na sala e em seus intervalos", diz Grass.
Direito de imagem AFP Image caption
No Reino Unido, Megan, 14 anos, teme que ela não será capaz de recuperar o tempo perdido com os amigos.
Ela disse à BBC que preferia continuar a vê-los online, porque não poderá dar um abraço neles pessoalmente.
Helen Dodd, professora de psicologia infantil na Universidade de Reading, no Reino Unido, diz que tentar implementar o distanciamento social será especialmente difícil entre crianças pequenas.
"A única maneira seria impor práticas muito controladoras, e isso é ruim para a saúde mental das crianças", afirmou Dodd.
"As crianças precisam sentir que elas têm autonomia, que eles têm espaço, que podem tomar suas próprias decisões e ter um pouco de controle."
'Pode ser angustiante'
Zeinab Hijazi, especialista em apoio psicosocial e saúde mental do Unicef, diz que reabrir as escolas é um processo que precisa ser bem gerenciado. "Pode certamente ser um pouco angustiante", ela disse à BBC. "A ansiedade em crianças será muito real, porém natural nessas circunstâncias difíceis."
Hijazi diz que os educadores precisam de conhecimento e capacidade para apoiar as crianças que estão lidando com suas emoções.
"Os professores passam mais tempo com as crianças do que qualquer outro, e estão criticamente posicionados para identificar desafios de saúde mental", diz.
No sudoeste da Alemanha, os alunos de Grass têm necessidades especiais, o que significa que eles são considerados mais vulneráveis no aspecto da saúde mental. Ela diz que muito do seu trabalho tem sido "reduzir o medo".
“Fizemos alguns projetos bem legais com eles", diz, citando trilhas na floresta e assar pizza.
Depois que a Alemanha recomendou oficialmente o uso de máscaras, Grass começou a costurar e colorir com seus alunos.
As cores se mostraram tão atraentes que a professora começou um grupo no Facebook que reúne voluntários para costurar e distribuir máscaras para instituições em todo o mundo.
Ao pintar suas próprias máscaras, ela diz que os alunos aprendem sobre proteção e perdem o medo de usar uma.
'Cura emocional'
Para Grass, o professor precisa enxergar a criança e seus sentimentos, e não apenas o aprendizado delas. Mas, no Reino Unido, a jovem Megan, de 14 anos, não se sente assim.
Ela sente que os professores "não estão ensinando, mas apenas passando trabalho". A adolescente se preocupa que esteja ficando para trás porque tem dificuldades em encontrar uma rotina para estudar de casa.
Dodd diz que as escolas e os pais serão mais úteis para as crianças ao saírem da quarentena se não as pressionarem. "Para que as crianças aprendam tanto quanto possível em um ano, precisamos dar tempo a elas para se curarem emocionalmente antes de começarmos a educá-los rigorosamente novamente". "Essa mensagem precisa ficar clara, a de que, no longo prazo, isso beneficia a educação delas."
Mas tal tarefa não será fácil para alguns pais ou até mesmo algumas culturas, que dão muita ênfase às conquistas acadêmicas.
No Vietnã, o Unicef está pedindo ao governo que reorganize o calendário escolar para que as crianças tenham o ano todo para compensar os quatro meses de fechamento da escola. "Isso pode ajudar significativamente a reduzir a pressão a que essas crianças estão submetidas atualmente", diz Simone Vis, especialista em educação do Unicef no Vietnã.
Pesquisa realizada em abril com 8 mil professores de todos os níveis sugeriu que as crianças estão ansiosas pelas lacunas de aprendizado e como elas poderiam afetar sua performance na escola.
"E isso não surpreende, considerando o tamanho da pressão que os pais vietnamitas colocam em seus filhos para que aprendam e tenham boa performance na escola", diz Vis. "A pressão também vem de uma comunidade mais ampla e de parceiros, e pode ter um impacto negativo no aprendizado das crianças."
'É tempo de ouvir"
O governo e o Unicef lançaram este mês uma campanha nas redes sociais e mídias com o objetivo de iniciar uma conversa nacional sobre saúde mental - chamada "Gentileza é contagiosa".
As crianças têm compartilhado desenhos, vídeos e outras formas de expressão para falar sobre o coronavírus e normalizar seus medos.
Professores têm sido orientados a dizer para as crianças que "é normal experimentar emoções", diz Vis.
A campanha inclui recomendações aos pais sobre como responder de maneira a apoiar o caminho das crianças para suas reações sobre o coronavírus;. "É importante enfatizar para os pais a arte de escutar, para que as crianças se sintam confiantes para compartilhar suas preocupações."
"Pais precisam dedicar tempo para confortá-las e dar a elas afeto e confiança", diz. "É importante elogiá-las com frequência, porque essas crianças demonstraram resiliência extraordinária durante esta crise."
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53883388