As cercas do bolsonarismo
A hora de derrubar as cercas do bolsonarismo.
Por Moisés Mendes
Por Moisés Mendes
Uma das primeiras providências da futura reitora da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Márcia Barbosa, deveria ser testemunhada e documentada por quem esteve sob os horrores da ditadura dentro de um campus.
A professora vai mandar derrubar cercas de ferro que dificultam a circulação dentro do campus central. São grades erguidas pelo atual reitor, Carlos Bulhões, escolhido em 2020 por Bolsonaro.
As grades foram instaladas para impedir que eventuais manifestantes contra a direção da universidade chegassem perto do gabinete da reitoria. É o que conta, ao falar do que deve ser feito, a própria Márcia Barbosa.
Sugere-se que sobreviventes da ditadura, muitos deles perseguidos e expulsos da UFRGS, assistam à derrubada das cercas, porque o atual reitor, como seus colegas impostos pelos militares, teme invasões.
O reitor escolhido por Bolsonaro, mesmo tendo sido o último da lista tríplice enviada a Brasília, chegou ao posto por lobby de deputados da extrema direita.
Adotou posturas consideradas negacionistas, como abrir o campus, ainda em meio à pandemia, sem exigir atestado de vacinação de ninguém, e tem as cercas como algumas das suas principais obras.
Márcia Barbosa, a mais votada agora na lista a ser enviada a Lula, já pode começar a planejar a derrubada das barreiras. Mas antes precisa lidar com um incômodo que não é só da universidade gaúcha.
Era previsível que reitores indicados por Bolsonaro, à revelia das escolhas da comunidade acadêmica, pudessem fazer o que Bulhões fez, desfigurando uma das paisagens históricas de Porto Alegre.
Não há surpresa na construção das cercas que poderiam protegê-lo. A pergunta desconfortável é: como essas cercas ficaram lá até agora? Como a UFRGS se submeteu às grades do reitor de Bolsonaro?
Márcia é apresentada como a futura reitora que há muito tempo a UFRGS não tem, porque estará com o olhar também na janela. Mas assumirá em meio a uma acomodação e a um alheamento que boa parte da universidade brasileira se nega a admitir. E que vem de muito antes de Bolsonaro.
A pesquisadora foi eleita em meio a uma controvérsia sobre a paridade de votos de professores, estudantes e servidores técnico-administrativos na escolha do reitor.
Um debate que eu vi acontecer, há quase meio século, em Ijuí, na zona da soja gaúcha, em eleições para a reitoria da Fidene, a fundação mantenedora de faculdades, que nem universidade era e que só depois virou a Unijuí. Numa comunidade interiorana e em meio à ditadura.
O debate sobre a paridade na UFRGS, 50 anos depois, foi parar na Justiça, e Márcia e seu vice-reitor, Pedro Costa, foram vencedores pela desistência de outra chapa que havia se declarado a escolhida. Prevaleceu no conselho universitário, que ratifica a votação, um acordo de que todos os votantes teriam o mesmo peso.
Não é uma pergunta qualquer. Márcia Barbosa é professora e pesquisadora do Instituto de Física. Foi secretária de Políticas e Programas Estratégicos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, no início do governo Lula.
É uma figura presente em todo debate que olhe para fora da universidade, como aconteceu agora, na tragédia da cheia que devastou Porto Alegre. É umas das líderes de um grupo de pesquisadores da UFRGS dedicados a entender o que aconteceu, reparar danos e planejar medidas de prevenção. Estado e prefeitura esnobaram o grupo, que foi chamado a conversar apenas com o ministro Paulo Pimenta.
Márcia é apresentada como a futura reitora que há muito tempo a UFRGS não tem, porque estará com o olhar também na janela. Mas assumirá em meio a uma acomodação e a um alheamento que boa parte da universidade brasileira se nega a admitir. E que vem de muito antes de Bolsonaro.
A pesquisadora foi eleita em meio a uma controvérsia sobre a paridade de votos de professores, estudantes e servidores técnico-administrativos na escolha do reitor.
Um debate que eu vi acontecer, há quase meio século, em Ijuí, na zona da soja gaúcha, em eleições para a reitoria da Fidene, a fundação mantenedora de faculdades, que nem universidade era e que só depois virou a Unijuí. Numa comunidade interiorana e em meio à ditadura.
O debate sobre a paridade na UFRGS, 50 anos depois, foi parar na Justiça, e Márcia e seu vice-reitor, Pedro Costa, foram vencedores pela desistência de outra chapa que havia se declarado a escolhida. Prevaleceu no conselho universitário, que ratifica a votação, um acordo de que todos os votantes teriam o mesmo peso.
A extrema direita, que manda até agora em muitas universidades, deve se divertir com esses e outros imbróglios que os outros, e não necessariamente de esquerda, trazem dos anos 70.
O fascismo também deve se interrogar sobre a incapacidade desses outros de se livrarem até das cercas erguidas no ambiente das liberdades, para que o reitor e seu núcleo de poder estejam protegidos.
O que tivemos até agora foi isso. Um reitor escolhido como pior votado, pela imposição do poder da extrema direita. Tivemos sua permanência até aqui no cargo (apesar de reações pontuais e sem sucesso). Sabemos da sua relação problemática com os professores. E temos a sobrevivência das cercas.
Outras universidades e institutos federais devem ter situações semelhantes à enfrentada por quatro anos pela mais bem avaliada universidade federal brasileira.
Que tenham a coragem de fazer o que será feito em Porto Alegre. Pela memória dos expurgados pela ditadura que já não estão aqui para testemunhar a derrubada de grades e arbitrariedades.
Originalmente publicado no Blog do Moisés Mendes
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