As crianças esquecidas

As crianças esquecidas

AS CRIANÇAS QUE O MUNDO ESQUECEU**

*Por João Guató – Pasquim Cuiabano

 

 



Hoje, o coração acordou com cheiro de pão quente e memória. É Dia das Crianças, e eu, pai de sete, penso em cada riso que já vi brotar como flor depois da chuva. O colo que um dia amparou o medo noturno, a febre alta, a lição difícil, o choro sem explicação. Ser pai é carregar o mundo nas costas e ainda sorrir para não deixar que o medo entre pela janela do quarto.

Mas nem todas as janelas se abrem para o sol.

Penso nas crianças que não têm pão, que dividem o silêncio com a fome — essa fera invisível que rói o estômago e a dignidade. Crianças que aprendem cedo o verbo esperar. esperar o arroz da escola, o caminhão da sopa, o olhar piedoso de quem passa apressado.

Penso nas crianças de Gaza, que brincam entre escombros, que desenham tanques e drones no lugar de estrelas. Lá, o riso vem rápido e vai embora como um clarão no céu. Lá, o medo tem nome, e o nome é guerra. Cada bomba é um berço virado. Cada grito é uma infância interrompida.

Penso também nas crianças migrantes — pequenas almas atravessando desertos e fronteiras, separadas das mães por cercas de ferro e burocracias que não conhecem o cheiro do leite ou o som de um abraço. Lá, nos centros de detenção dos Estados Unidos, há brinquedos que nunca foram tocados. Há desenhos nas paredes que tentam reconstituir o rosto de quem ficou do outro lado do muro.

E há as crianças que vivem o inferno dentro das próprias casas — as que se calam para sobreviver, as que têm medo da voz que deveria protegê-las. Ninguém vê o que acontece atrás das portas fechadas. Ninguém ouve o grito abafado que se transforma em silêncio.

Eu olho para os meus sete, espalhados pelo mundo, cada um com seu destino e sua fome de ser, e me pergunto: o que é ser pai, senão cuidar até do que não é nosso? A paternidade é uma extensão da humanidade — e quando uma criança sofre, o mundo inteiro perde um pedaço da alma.

Hoje, se pudesse, eu abraçaria todas elas: as que ainda acreditam em Papai Noel, as que já perderam a fé, as que dormem ao relento, as que não sabem o que é dormir. Abraçaria para lembrar que a infância não tem passaporte, não tem religião, não tem cor nem lado.

Ser pai é aprender a chorar por todas as crianças — até pelas que o mundo esqueceu.

Enquanto os adultos disputam Deus, terra e poder, as crianças continuam nos ensinando o milagre do perdão. Talvez a paz comece num simples gesto: um pai qualquer, em algum canto do mundo, segurando firme a mão de uma criança — e não soltando jamais. 

 

FONTE:

https://www.facebook.com/photo?fbid=10214239599860663&set=a.3358299773034&locale=pt_BR 




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