Ataques à lei do piso do magistério

Ataques à lei do piso do magistério

 2023 01 19 nota piso magisterio

Foto: Divulgação Sintet/TO



Os episódios lamentáveis do dia 8 de janeiro, que resultaram na depredação dos prédios das sedes dos Três Poderes da República, em Brasília, expressaram a violência física, abjeta e covarde de uma turba que atentou contra a democracia brasileira. Porém, há outras formas de violência contra o regime democrático, o estado de direito, a harmonia entre os poderes e o pacto federativo. E uma delas é o descumprimento das leis, sobretudo por autoridades públicas. Recentes manifestações de entidades municipalistas contra a Portaria MEC nº 17/2023, que atualizou o piso do magistério de 2023 em 14,95%, remontam a estratégia e os argumentos infundados desses mesmos atores por ocasião da publicação da Portaria MEC nº 67, que atualizou o piso em 2022. E essas posições atentam contra os valores democráticos da República, especialmente pelas razões que seguem:

   1. A Confederação Nacional dos Municípios - CNM, uma das entidades que promovem os ataques contra o art. 5º da Lei 11.738, e que passou a orientar uma ofensiva judicial de Municípios nas varas da Justiça Federal em todo Brasil, obtendo vitórias parciais e derrotas - quase todas pendentes de confirmação pelos TRFs ou Tribunais Superiores -, optou, ainda em 2022, por criminalizar o movimento sindical ao mover ação por crimes de calúnia, injúria e difamação contra a Diretoria Executiva da CNTE. O motivo da ação consiste na manifestação contundente da CNTE contra o pseudoargumento da CNM de que o critério de atualização do piso havia expirado e que não poderia ser regulado pelo MEC, sem que houvesse, à época, qualquer decisão judicial que amparasse, ainda que cautelarmente, tal pretensão da Entidade. O referido processo
continua pendente no 2º Juizado Especial Criminal de Brasília.

   2. Neste exato momento, não existe nenhuma decisão definitiva (transitada em julgado) que sustente os argumentos de não aplicação integral da Lei 11.738, sobretudo em relação ao critério de atualização amparado em pareceres e portarias do Ministério da Educação. Há, apenas, decisões incidentais preliminares, de abrangência individual ou por microrregiões (sem efeitoabstrato e coletivo), seja a favor ou contra a aplicação do critério de atualização do piso. E isso mantém a validade da Lei em todos os locais não contemplados por eventuais decisões adversas à Portaria MEC nº 67/2022 (ou mesmo à Portaria MEC 17/2023).

   3. As decisões judiciais favoráveis à vigência do critério de atualização do piso, previsto no art. 5º da Lei 11.738, se pautam em grande parte no acórdão da ADI 4848, do Supremo Tribunal Federal, que julgou constitucional a atualização do piso do magistério. E essa decisão do plenário do STF tem dois aspectos centrais: i) ocorreu em 01/03/2021, portanto, na vigência da Emenda Constitucional nº 108 e da Lei 14.113, que alteraram a EC 53 e a Lei 11.494, respectivamente. Isso, por si só, caracteriza a plena vigência do art. 5º da Lei 11.738, uma vez que a jurisprudência do STF não permite realizar controle de constitucionalidade sobre norma legal revogada ou que tenha exaurido sua vigência [1] ; e ii) considerou autônomos tanto a Lei 11.738 como seu critério de atualização do piso, sem que esse último ferisse o princípio da legalidade. Ademais, o referido acórdão responde a muitos ataques lançados pelas entidades municipalistas contra o critério de atualização do piso, conforme destacado na sentença do Juiz Federal Dr. Oscar Valente Cardoso, da 1ª Vara Federal de Capão da Canoa-RS, parcialmente transcrita a seguir:

   "(...) No julgamento da ADI 4848, o STF declarou a constitucionalidade do art. 5º, parágrafo único, da Lei nº 11.738/2008, e, consequentemente, da atualização anual por meio de Portaria do MEC, diante da ausência de reserva legal. Conforme a ementa do acórdão: (...) 3. A previsão de mecanismos de atualização é uma consequência direta da existência do próprio piso. A edição de atos normativos pelo Ministério da Educação, nacionalmente aplicáveis, objetiva uniformizar a atualização do piso nacional do magistério em todos os níveis federativos e cumprir os objetivos previstos no art. 3º, III, da Constituição Federal. Ausência de violação aos princípios da separação do Poderes e da legalidade. (...) 5. Ausente violação ao art. 37, XIII, da Constituição. A União, por meio da Lei 11.738/2008, prevê uma política pública essencial ao Estado Democrático de Direito, com a previsão de parâmetros remuneratórios mínimos que valorizem o profissional do magistério na educação básica. 6. Pedido na Ação Direita de Inconstitucionalidade julgado improcedente, com a fixação da seguinte tese: 'É constitucional a norma federal que prevê a forma de atualização do piso nacional do magistério da educação básica'” (ADI 4848/DF, Pleno, rel. Min. Roberto Barroso, j. 01/03/2021, DJe 05/05/2021)".

   4. Outro apontamento importante no acórdão do STF, e que desmonta o argumento dos gestores municipais sobre eventuais impactos financeiros nas contas públicas, se refere à possibilidade de a União repassar recursos aos entes federados que comprovarem incapacidade para honrar o pagamento do piso do magistério. Esse dispositivo, constante no art. 4º da Lei 11.738, encontra-se assim disposto no acórdão da ADI 4848:

   “A Lei nº 11.738/2008 prevê complementação pela União de recursos aos entes federativos que não tenham disponibilidade orçamentária para cumprir os valores referentes ao piso nacional. Compatibilidade com os princípios orçamentários da Constituição e ausência de ingerência federal indevida nas finanças dos Estados”.

   5. Corrobora, ainda, a plenitude de vigência da Lei 11.738, o fato de em 17/08/2021 - ou seja, na transcorrência da EC 108 e da Lei 14.113, relativas ao FUNDEB permanente - a Câmara dos Deputados ter votado o recurso (REC) nº 108/2011, com vistas a concluir a tramitação do PL 3.776/08, sem necessidade de apreciação do mérito da matéria pelo plenário da Casa. O projeto em questão, protocolado em 2008, dispõe sobre a alteração do art. 5º da Lei 11.738. As entidades municipalistas se posicionaram pela aprovação do recurso, que levaria para sanção presidencial o novo critério de revisão do piso - atrelado unicamente ao INPC - e a CNTE e seus sindicatos filiados se manifestaram contrários à proposta. O placar da votação foi 225 pela manutenção do recurso contra 222 pela rejeição do mesmo. Com isso, permaneceu vigente a redação original do art. 5º da Lei 11.738, que vincula a atualização do piso ao crescimento do custo per capita do FUNDEB, referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano (idêntico ao definido na EC 53 e na Lei 11.494. Vide o posicionamento das Comissões de Educação e de Cultura da Câmara dos Deputados e das Frentes Parlamentares em Defesa da Educação no Congresso Nacional [2] acerca da vigência do art. 5º da Lei 11.738).

   6. Após a consumação do REC 108/2011 na Câmara dos Deputados, a CNM e outras entidades municipalistas iniciaram uma articulação com o antigo governo federal, sobretudo com o então ministro da Economia, Paulo Guedes, para desacreditar a vigência do art. 5º da Lei 11.738, buscando, assim, forçar a aprovação de outro referencial para atualizar o piso do magistério. Naquele momento, chegou-se a cogitar publicamente a edição de Medida Provisória (MP) para fixar o INPC como fator de reajuste, mas o governo, de última hora, refugou e acabou seguindo a determinação legal, gerando descontentamento nas representações municipais, que passaram a agir por conta própria contra a lei do piso do magistério.

   7. Entre as idas e vindas do Governo Bolsonaro para alterar o critério de atualização do piso do magistério, a Secretaria de Educação Básica - SEB/MEC, em caráter  preliminar, aprovou parecer favorável à alteração do art. 5º da Lei 11.738, tanto por MP como por projeto de lei, sob o pretenso argumento de que o dispositivo da referida Lei teria expirado - o que está incorreto, conforme demonstrado acima. Após o governo mudar a posição sobre a edição de Medida Provisória, a SEB/MEC refez seu parecer sobre a atualização do piso, mantendo o critério do art. 5º da Lei 11.738, porém, em caráter excepcional, até que o Congresso Nacional suprisse pretensa “lacuna legislativa”. E, embora a motivação do parecer contenha incongruência, sua fundamentação está amplamente amparada no acórdão da ADI 4848/STF, pois compete ao MEC “normatizar e uniformizar” a aplicação do piso em todo país, dando consecução à política de valorização dos profissionais da educação prevista no art. 206, V e VIII da Constituição, na meta 17 da Lei 13.005 (Plano Nacional de Educação) e na própria lei do piso, observadas as determinações contidas na ADI 4848/STF.

   8. Neste momento em que o MEC publica a Portaria nº 17/2023, anunciando o valor do piso do magistério no valor de R$ 4.420,55, seguindo o critério definido no art. 5º da Lei 11.738, novamente se verifica incoerência na interpretação ministerial sobre a vigência da norma do Piso, fato que, no entanto, só diz respeito à motivação do parecer. Em relação à sua finalidade, objetivos e constitucionalidade, o ato está pertinentemente salvaguardado pelo art. 87, parágrafo único, II da Constituição, pelo acórdão da ADI 4.848/STF e pela própria Lei do Piso.

Diante do exposto, a CNTE reitera sua orientação aos sindicatos filiados e às demais entidades que representam os servidores do magistério público da educação básica no país para que exijam o efetivo cumprimento do piso salarial nacional do magistério, no valor de R$ 4.420,55, em 2023. Também requer ao Ministério da Educação (diferente do que ocorreu na gestão anterior) uma resposta imediata aos ataques descabidos e sem base legal das entidades municipalistas que anunciam BOICOTE à aplicação do piso do magistério. O MEC e a Advocacia Geral da União devem tomar todas as providências cabíveis para garantir o cumprimento da legislação federal e, consequentemente, o respeito ao Estado Democrático de Direito.

A título de resgate histórico, é pertinente frisar que a primeira lei de piso nacional do magistério foi criada em 15 de outubro de 1827 - data em que se comemora o dia do/a professor/a no Brasil -, mas sua vigência foi inviabilizada pelas Províncias sob a alegação de falta de recursos para honrar o compromisso com o magistério. Agora, quase 200 anos depois, os gestores municipais, precedidos de governadores que ingressaram inocuamente com a ADI 4848 no STF, tentam uma vez mais pôr fim a uma conquista das mais importantes para a sociedade brasileira. E sempre é bom lembrar que não haverá educação de qualidade, inclusão social e desenvolvimento sustentável sem profissionais da educação valorizados.

Por isso, lutamos pelo cumprimento integral do piso do magistério, com atividade extraclasse mínima de 1/3 (um terço) da jornada de trabalho dos/as professores/as e com valorização de suas carreiras profissionais!

Brasília, 19 de janeiro de 2023
Diretoria da CNTE



[1] 1 ADI 4016/PR: (...) “A jurisprudência do Supremo Tribunal é no sentido de que a revogação da norma ou o exaurimento da vigência de norma temporária após o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade acarreta a perda superveniente do seu objeto, independentemente da existência de efeitos residuais concretos dela decorrentes. Isso porque, vocacionada essa espécie de ação constitucional a assegurar a higidez da ordem jurídica vigente, o interesse na tutela judicial pressupõe,
em consequência, ato normativo em vigor. (...) Não é cabível a ação direta de inconstitucionalidade contra lei revogada ou contra norma temporária cuja vigência tenha se exaurido ainda que remanesçam efeitos concretos dela decorrentes. Precedentes: ADI 4620, Rel. Min. Dias Toffoli; ADI 1442, Rel. Min. Celso de Mello; ADI 612, Rel. Min. Celso de Mello. (...)” (grifamos). Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/despacho982396/false

[2] 2 Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1J5VXTDT1G4zBvlgHkIgeXJNvx85_Lb6w/view

https://www.cnte.org.br/index.php/menu/comunicacao/posts/notas-publicas/75666-ataques-a-lei-do-piso-do-magisterio-por-entidades-municipalistas-afronta-o-regime-democratico-o-estado-de-direito-e-decisao-do-supremo-tribunal-federal 

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Por Kevin Lima, g1 — Brasília    

 

A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) criticou nesta terça-feira (17) o reajuste do piso salarial dos professores oficializado pelo Ministério da Educação (MEC) e, pelo segundo ano seguido, voltou a orientar os gestores municipais a ignorar o aumento anunciado pelo governo federal.

"O impacto torna ingovernável. Estamos orientando os municípios a não concederem, por mais que entendamos como importante. Esse montante inviabiliza a educação no Brasil. Aí, nós vamos ver o MEC apresentando grandes projetos para salvar a educação no Brasil, enquanto tira esse valor dos municípios", declarou o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski.

MEC anunciou na segunda (16) um aumento de quase 15% no mínimo pago a professores da educação básica. O piso – que será atualizado de R$ 3.845,63 para R$ 4.420,55 – é definido pelo governo federal, mas o pagamento é feito pelas prefeituras e governos estaduais.

Para a CNM, o custo total desse reajuste pode impactar a gestão educacional no Brasil e agravar a situação fiscal dos municípios. A estimativa, divulgada pelo presidente da entidade, é de que o aumento custe R$ 19,4 bilhões anualmente aos municípios.

"É importante, sim, o piso, mas sabemos que não é assim [que deve ser concedido]. Tem que ter o piso, tem que valorizar o magistério, mas não desse jeito", declarou.

"Se o município quiser cumprir, dar 80% de reajuste, ele pode. Agora, se isso vai acabar com a educação, com as contas públicas dele, é problema dele."

A entidade ainda argumenta que a atualização do salário-base não tem respaldo jurídico. Segundo técnicos da confederação, o critério utilizado perdeu validade com o início da vigência da lei que criou o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) – entenda abaixo.

"Nosso entendimento, e da própria AGU, é de que a lei foi revogada. O critério de reajuste do piso não tem eficácia legal e persiste a insegurança jurídica devido ao vácuo legislativo na definição do novo critério de reajuste", afirmou Ziulkoski.

O reajuste do piso salarial do magistério (profissionais com formação em magistério em nível médio e carga horária de trabalho de 40 horas semanais) é concedido anualmente em janeiro. É calculado com base na comparação do valor anual por aluno do Fundeb dos dois últimos anos.

Entre 2021 e 2022, a variação registrada foi de 14,95% – exatamente a atualização oficializada pelo governo federal.

Para a CNM, a correção do piso deveria seguir o acumulado de 2022 do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), que totalizou 5,93%.

Impasse jurídico

O entendimento da CNM é de que a lei do piso, sancionada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2008, está vinculada ao antigo Fundeb – revogado em 2020 – e, por essa razão, não seria mais válida.

Em 2020, a emenda constitucional que estabeleceu caráter permanente ao Fundeb mudou a nomenclatura dada ao valor anual por aluno e revogou a lei em vigência que tratava do fundo.

Para os técnicos da CNM, a lei do piso salarial do magistério faz referência à nomenclatura e descrição anteriores do critério. Além disso, por não ter sido atualizado, o trecho que trata da maneira com o qual o reajuste deve ser feito também faz referência à lei anterior, revogada com a emenda à Constituição.

Esses argumentos foram utilizados pela entidade para questionar o reajuste concedido em 2022, após represamento em 2021 pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). À época, a consultoria jurídica do MEC concordou com a tese e apontou que seria necessária nova regulamentação sobre o tema.

Pesquisa feita pela CNM aponta que, em 2022, quase 1,8 mil municípios pagaram reajustes diferentes do anunciado pelo governo federal.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), representante dos profissionais da educação, discorda do posicionamento da CNM. Segundo a entidade, a lei do piso mínimo segue válida e o reajuste deve ser imediato.

A CNTE argumenta que o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a constitucionalidade dos critérios de reajuste em 2021, quando a emenda à Constituição que gerou, na avaliação da CNM, uma insegurança jurídica já havia sido promulgada.

Resolução no Congresso

A CNM defende que as prefeituras não são obrigadas a dar o reajuste. A entidade afirma que os gestores devem ter cautela ao conceder os aumentos.

A confederação também defende que o Congresso Nacional discuta um novo regulamento para as atualizações. Para Ziulkoski, é preciso criar uma legislação que modernize os critérios de aumento do piso, mas considerando as realidades municipais.

“Acho que vai ter que vir da fonte do recurso para pagar. Essa lei tem que ser construída para que cada município conceda, na sua realidade, o aumento”, disse.

Segundo ele, ainda não houve um convite para um diálogo por parte do governo federal. "O governo não nos convidou para discutir nada até agora. Já passamos aí 60 dias da transição”, afirmou. "Se houvesse um diálogo mínimo, poderíamos construir uma solução juntos.”


https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/01/17/confederacao-critica-reajuste-de-piso-salarial-de-professores-e-orienta-prefeitos-a-ignorar-aumento.ghtml 




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