Avanços e desafios na Educação
Educação básica obrigatória e gratuita. Avanços e desafios
Nos últimos anos, vários esforços, ações e políticas vêm sendo realizados, para garantir educação básica de qualidade a todos: as mudanças na lógica e alcance do financiamento, com a criação do Fundeb, a ampliação dos programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde, as políticas ligadas à inclusão e diversidade e, em 2009, a aprovação da Emenda Constitucional nº 59, de 2009, que prevê a redução anual do percentual da Desvinculação das Receitas da União (DRU), incidente sobre os recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição Federal; a obrigatoriedade e gratuidade do ensino de quatro a dezessete anos; a ampliação da abrangência dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica; a definição de que os entes federados estabeleçam formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório; a definição da duração decenal do Plano Nacional de Educação e a meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do Produto Interno Bruto (PIB).
Situar esses avanços legais e problematizar os desafios e possibilidades para a garantia da obrigatoriedade e universalização da educação de quatro a 17 anos é o foco desta entrevista, com Francisco das Chagas Fernandes1 , Lisete Regina Gomes Arelaro2 e Regina Vinhaes Gracindo3 , realizada pelo editor de Retratos da Escola, Luiz Fernandes Dourado.
Considerando o papel dos entes federados, quais são os principais problemas para a garantia de acesso e permanência à educação básica no Brasil?
Chagas Fernandes - Há muitos problemas, que interferem no acesso e na permanência - desigualdades regionais ainda muito fortes, formação de nossos profissionais e, também, em relação ao financiamento da educação. Mas há um problema maior: como articular os três entes federados na garantia da qualidade da educação básica? Nesse cenário, é fundamental garantir a regulamentação do regime de colaboração e instituir novos parâmetros de cooperação na relação entre os entes federados. A efetivação do sistema nacional de educação contribuirá para o estabelecimento de ações e políticas articuladas e, desse modo, para o acesso e permanência à educação básica de qualidade.
Lisete Arelaro - O principal problema é que não temos tradição de cooperação entre as esferas públicas e, em consequência, os governos federal e estaduais costumam impor suas políticas aos municípios para que eles as realizem, independentemente das suas condições reais. Apesar de sermos, constitucionalmente, uma federação, o governo federal comporta-se como se fôssemos, no máximo, “Estados Unidos” do Brasil. Há pouca consideração sobre as diferenças brutais entre os municípios, especialmente os menores, do ponto de vista demográfico, e os mais pobres. Apesar de se ter informações objetivas de que 75% dos 5.563 municípios dependem dos recursos do Fundo de Participação Municipal (FPM – o que é um indicador de pobreza e, portanto, de falta de independência político-financeira), as propostas de reforma tributária não respondem à questão.
Regina Vinhaes - Em primeiro lugar, a concretização do Sistema Nacional de Educação que a EC 59/09 consignou, de forma original e inovadora, na Constituição Federal (art. 214). Com isso, o regime de colaboração entre os entes federados ficará estabelecido, garantindo financiamento e gestão democrática para a educação básica, além da necessária unidade na diversidade curricular. Outra questão a ser dimensionada para a garantida do acesso, permanência e sucesso dos estudantes é a melhoria da formação dos profissionais da educação e sua consequente valorização.
Qual a importância da aprovação da emenda constitucional 59/09 e quais os principais desafios para a universalização da educação obrigatória e gratuita dos quatro aos 17 anos?
Lisete Arelaro - Sinceramente, a importância da EC 59 não está na ampliação da educação obrigatória no País, mas na DRU em relação à educação. Tentamos várias vezes convencer o MEC de que as duas propostas eram muito diferentes nos seus objetivos, havendo consenso sobre a DRU e não sobre a proposta de extensão da educação básica. Não defendo obrigatoriedade para a educação infantil, mas direito das famílias a este atendimento. Obrigar não significa necessariamente – e os estudos mostram isso – atendimento de qualidade, nem efetiva ampliação das matrículas. Pode gerar, simplesmente, privatização ou comunitarização do atendimento.
Regina Vinhaes - Uma das maiores conquistas educacionais dos últimos anos foi, certamente, a aprovação da EC 59/2009, que trouxe significativos avanços para o desenvolvimento da educação brasileira. Além da ampliação da gratuidade e obrigatoriedade da educação, do alargamento da responsabilidade da União para com a educação básica e da extensão do acesso a programas suplementares por todas as etapas do ensino obrigatório, há três outras expressivas alterações constitucionais, decorrentes dessa EC, que incidem sobre ambos os níveis educacionais (educação básica e a educação superior). Uma está voltada para a progressiva redução da DRU, incidente sobre os recursos destinados à educação, outra se refere ao Plano Nacional de Educação (PNE), tanto em sua duração (10 anos), quanto no que lhe é conferido para estabelecer os recursos públicos, em termos de proporção do PIB, e, outra, que inscreve, como já antecipei, o termo Sistema Nacional de Educação (SNE) nos cânones constitucionais (art. 214).
Chagas Fernandes - A Emenda 59 ficou conhecida e foi muito debatida graças à Desvinculação de Receitas da União (DRU), os 20% desvinculados da educação brasileira. Além da DRU (avanço significativo porque traz para a educação em torno de R$ 9 bilhões), há outros pontos importantíssimos, como a universalização da educação básica dos quatro aos 17 anos, a mudança estruturante dos seis aos 14 anos. A Emenda 59 também constitucionalizou o Plano Nacional da Educação e, além de colocar na Constituição o prazo de dez anos, garantiu a vinculação de um percentual do PIB para as metas do PNE. São questões importantíssimas para a educação brasileira, porque, além do financiamento, faz-se a previsão de que, até 2016, todas as crianças e jovens de quatro a 17 anos estejam na escola.
Qual o papel do CNE, das associações sindicais e acadêmicas, secretarias de educação e escolas para a universalização da educação básica obrigatória com qualidade?
Regina Vinhaes - A educação é um direito humano e social e, como tal, necessita da adesão e participação de todos na sua implementação. Dessa forma, com as especificidades de cada órgão de governo e de cada movimento social, a sociedade civil e a sociedade política precisam identificar em quais aspectos pode contribuir para que a escola pública venha a cumprir seus objetivos. Ao CNE, por exemplo, cabe estabelecer normas e sugestões para o bom andamento do Sistema Nacional de Educação. Cabe a ele, também, acompanhar e avaliar a implantação do PNE, além de articular os órgãos colegiados dos diversos sistemas de ensino.
Chagas Fernandes - Cada um desses segmentos tem suas atribuições. O CNE, a de garantir regras para o bom funcionamento da universalização. As entidades sindicais, o de mobilização, não apenas dos profissionais da educação, mas da sociedade brasileira, para cobrar qualidade. As secretarias de educação e as escolas estão mais diretamente ligadas à comunidade escolar, através da gestão, e também têm o papel de garantir o acesso, a permanência, a aprendizagem e, consequentemente, a qualidade social. Mas eles podem trabalhar junto, para fazer com que a educação tenha prioridade em relação à universalização com qualidade.
Lisete Arelaro - Bem, no Brasil, o Executivo e o Legislativo não costumam respeitar conselhos, em geral. A EC 59 foi uma decisão política unilateral do Executivo e não contou com prévia consulta nem ao CNE, nem aos movimentos e associações educacionais. O comportamento dúbio do CNE sobre várias posições também não facilita sua atuação – vide a decisão de manter, em caráter excepcional, durante três anos, as crianças de cinco anos na 1ª série do ensino fundamental, apesar disto contrariar sua própria deliberação anterior. Ele não terá papel de destaque neste assunto. As associações sindicais podem ter papel essencial, pois lidam, cotidianamente, com as denúncias de professores e pais sobre salas fechadas, não atendimento à demanda escolar, falta de professores e/ou ampliação indevida de alunos em salas de aula . As associações acadêmicas, com seus estudos e pesquisas, seus cursos de formação de dirigentes, especialistas e professores podem ser muito úteis. As secretarias de educação deverão viabilizar a obrigatoriedade prevista, mas, sem pressão, podem adiá-la sine die. Às escolas, hoje com pouca autonomia sobre o atendimento da demanda escolar, restará proceder às matrículas e obrigatoriamente manter livro de demanda não atendida, para o controle da população e dos movimentos sociais sobre ela. Quando discuto atendimento à demanda, entendo que a qualidade do atendimento está implícita, uma vez que democratização do acesso só existe com qualidade social.
As lutas em prol do piso salarial, carreira, formação inicial e continuada e valorização se articulam à melhoria da educação básica? Por quê?
Chagas Fernandes - Piso salarial, carreira, formação - significam valorizar os profissionais. Se valorizamos os profissionais em relação ao piso, tendo como perspectiva o desenvolvimento da carreira, levamos em consideração que ele precisa ser implementado e ao mesmo tempo corrigido com ganho real, para que nos próximos anos não permaneça no mesmo valor de hoje. A formação inicial e continuada está dentro do tripé da valorização, mas há um diferencial, porque muitas vezes os profissionais têm problemas na formação inicial ou desistem da formação inicial porque não terão garantido um bom salário. Desistem ou até se formam mas não vão ser professor. A formação continuada também é importante, porque todos precisam estar atualizados, com formação permanente. O piso salarial em lei é uma conquista importante da categoria no governo do presidente Lula, as Diretrizes Nacionais de Carreira dos Profissionais de Magistério e as Diretrizes Nacionais de Carreiras dos Profissionais de Educação Básica também, pois contribuem para que os municípios e os estados reorganizem seus planos em sintonia às diretrizes nacionais. E o MEC fez mudanças importantíssimas na formação - a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes) passou a ser, nesse governo, também para a educação básica e o governo federal passou a assumir mais responsabilidade sobre a formação dos profissionais. Foi aprovada a Lei nº 12.014, de 2009, que garante os funcionários como profissionais de educação. O CNE criou a Área 21 de profissionalização de nível médio para os funcionários de escola e o MEC criou o Programa de Formação Profissionalizante para os Funcionários de Escola. Está se instituindo um Decreto sobre a Política Nacional de Formação de Funcionários de Escola. Há um avanço significativo em relação à formação dos profissionais e o tripé salário, carreira e formação é significativo para a melhoria da educação.
Lisete Arelaro - Necessariamente, a luta pelo piso salarial nacional com a disposição na lei de 1/3 da jornada para atividades extraclasse é condição fundamental para a qualidade de ensino. A possibilidade de uma carreira atrativa aos profissionais de educação garante sua permanência nas redes públicas de ensino. A luta por uma formação inicial e continuada, necessariamente presencial, é outra condição de qualidade, pois sabemos que uma formação sólida permite a escolha e a decisão sobre métodos e técnicas de ensino, nas diferentes condições de ensino e aprendizagem. Nossa profissão exige contínua formação, pois, muitas vezes, em cinco anos de prática nossa formação pode estar superada. As leituras permanentes, os encontros entre pares, as horas coletivas de trabalho, a frequência a cursos de atualização e especialização, a elaboração do projeto político-pedagógico de cada escola são momentos fundamentais de nossa formação que garantem que a qualidade social das escolas públicas seja construída.
Regina Vinhaes - Certamente que sim. A formação e valorização dos professores - e dos demais profissionais da educação - é uma das principais condicionalidades para a existência de uma educação de qualidade. A Conferência Nacional de Educação, realizada em 2010, enfatizou que no Brasil é preciso avançar nas políticas de Estado para a educação.
Qual é a importância da participação da sociedade civil organizada na proposição e materialização de políticas e nas demais lutas por uma educação pública, democrática e de qualidade?
Lisete Arelaro - Não tenho dúvidas de que sem uma sociedade civil forte não haverá escola pública de qualidade e, muito menos, democrática. Temos políticas de governo e poucas políticas de Estado para a educação. Para avançar nesta direção, os movimentos sociais precisam ser motivados a participarem mais e terem maior representação nos conselhos institucionais. Tome-se como exemplo negativo os conselhos estaduais de educação: pouco ou nada se reformulou de sua composição desde o governo militar e a participação dos movimentos sociais e educacionais é pouco significativa. Por outro lado, para que a participação deles seja expressiva é necessário dar condições materiais e financeiras, bem como formação técnica para que possam exercer com competência política seu papel.
Regina Vinhaes - A Conae foi, sem dúvida, um marco divisor para a educação brasileira. Ela, dentre tantos outros encaminhamentos, demonstrou a necessidade das políticas públicas serem compreendidas como políticas de Estado e, portanto, não se esgotarem em um governo. Além disso, por entender a importância da participação social propôs o fortalecimento dos colegiados escolares, municipais, estaduais e nacional, além da criação do Fórum Nacional de Educação (FNE), por meio do qual a sociedade indicará as grandes políticas educacionais para o Brasil.
Chagas Fernandes - Política de Estado significa garantir o direito à educação para todos e todas, com qualidade. E é necessário que uma das características da política de Estado seja a continuidade para além das políticas de governo. A sociedade civil organizada tem papel significativo, propor e acompanhar as políticas, por meio da efetiva participação e controle social. A Conae, em 2010, além de ter aprovado muitas políticas públicas, levando em consideração o Sistema Nacional Articulado de Educação, aprovou algo que há muitos anos é reivindicado pela sociedade civil organizada, o Fórum Nacional de Educação, que acompanhe a educação brasileira no seu desenvolvimento. A Conae propôs e o governo já instituiu o Fórum Nacional da Educação, pela Portaria do ministro da Educação. O Fórum tem como base a Comissão que organizou a Conferência. Não significa que vai ser apenas essa Comissão, mas ela é a base do Fórum, composto pelos entes federados, através de suas representações e da sociedade civil organizada. A participação da sociedade na mobilização, na construção coletiva de políticas públicas e no acompanhamento é muito importante no contexto da melhoria da educação.
Quais as principais ações e políticas, na última década, direcionadas à inclusão e diversidade na educação básica brasileira?
Regina Vinhaes - Talvez este seja um dos campos da educação mais bem aquinhoados, em termos de políticas, nos últimos anos. As políticas de inclusão e diversidade, além da Seed/MEC, ganharam novos espaços institucionais, tanto no MEC com a Secad, como nas secretarias de educação. Com isso foi possível a inclusão de pessoas portadoras de deficiências nas escolas da rede pública, assim como a implantação de inúmeros projetos para as escolas do campo, quilombolas e de educação escolar indígena, com especial atenção aos programas de relações étnico-raciais, de gênero e diversidade sexual, de crianças, adolescentes e jovens e situação de risco; e de educação ambiental.
Chagas Fernandes – Nos últimos anos avançamos muito em ações, programas e políticas direcionadas a inclusão e diversidade para toda a educação. Nesse sentido, destacam-se, também, ações direcionadas a educação especial, quilombolas, indígenas, campo, educação de jovens e adultos. Tais políticas, a serem consolidadas revelam os avanços percorridos e sinalizam para os desafios no tocante a garantia de educação básica de qualidade para todos num pais com enormes desigualdades sociais e raciais.
Lisete Arelaro - Avançamos nesta direção ainda que o caminho seja longo. Acredito que a formação integrada – formação geral e tecnológica - junto à educação de jovens e adultos (EJA) e ao ensino médio foram iniciativas importantes. O respeito às diversidades das diferentes tribos indígenas e quilombolas, bem como à educação no campo são bons exemplos. O mesmo pode ser dito em relação à educação especial, ainda que nesta área seja necessário, ainda, muito investimento e combate ao preconceito social. A expansão das universidades públicas, em locais tradicionalmente sem acesso à educação superior, à médio prazo, terá resultados significativos na inclusão social.
A educação infantil vem sendo estruturada nos últimos anos no País. A oferta desta etapa da educação básica é ainda incipiente se considerarmos os indicadores educacionais, sobretudo no que concerne a creche (zero a três anos). Como garantir a expansão com qualidade da educação infantil e, especialmente, a universalização da pré-escola, definida pela EC 59, 2009?
Chagas Fernandes - Hoje nós pagamos o preço do passado. Negligenciaram a educação infantil, malgrado a experiência do Fundef para o ensino fundamental, e isto acarretou a falta de financiamento para esta etapa. A aprovação do Fundeb, um fundo para toda a educação básica, da creche ao ensino médio, é um avanço. Mas algumas providências adicionais precisaram ser tomadas para estruturar melhor essas duas etapas da educação básica. Crianças dos quatro e cinco anos já estão dentro da universalização da educação básica e o País tem cumprido a meta de matrícula na pré-escola. Em relação à creche, ainda há muito a avançar , não cumprimos a meta do PNE em vigor, temos que consolidar ações articuladas para oferecer a opção da creche. O governo federal, através do Plano de Ações Articuladas, dentro do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), tem ajudado bastante os municípios com o Programa Pró-Infância, de construção de creches e de centros de educação infantil nas redes municipais. É uma política significativa, porque como a creche se torna muito cara e o recurso do Fundeb ainda não é suficiente, é necessário que o governo federal consolide ações de cooperação e colaboração com os municípios.
Lisete Arelaro - Este é um dos desafios mais complexos para a próxima década. Primeiro, porque foi precipitada a inclusão das crianças de seis anos no ensino fundamental. Tínhamos experiências exitosas em relação à educação infantil na faixa de quatro a seis anos, que não poderiam ter sido desprezadas. O Brasil tinha muito a ensinar a muitos países europeus nesta área. A segunda questão é que, sem uma justificativa consistente, separamos a faixa etária de zero a três, das de quatro e seis, desprezando, novamente, boas experiências de educação de crianças de zero a cinco/seis anos de idade. Uma boa formação inicial de professoras para os anos iniciais e a realização de pesquisas que estudem mais e melhor as crianças pequenas brasileiras serão boas estratégias. Mas, sem superarmos a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que estabelece teto máximo para municípios e estados onerarem a folha de pessoal, não teremos condições reais de atendimento público direto em creches, pois eles já gastam o máximo que a lei permite (cerca de 60% dos orçamentos). Ouvi a presidenta Dilma prometer, durante a campanha, que, se eleita, o governo federal colaboraria com a construção de creches – que espero, sejam mantidas junto à administração direta. No entanto, isso não será suficiente, pois o grosso dos gastos se concentra no pagamento de pessoal e, em consequência, temos que alterar a LRF, para que ela se transforme em uma lei de responsabilidade pelo social.
Regina Vinhaes - Já avançamos significativamente ao incluirmos a creche no âmbito da educação infantil, que antes estava limitada à assistência social. Outro avanço se registra na ampliação do atendimento à pré-escola (quatro e cinco anos). Há, no entanto, o grande desafio de universalizar o acesso à pré-escola e a oferta de creche (0 a três anos) a todos que demandarem por ela. Este desafio será enfrentado com: (1) eliminação progressiva dos convênios para esse fim; (2) a ampliação do financiamento da educação, proposto no PNE 2011-2020; (3) a decisão política, especialmente dos municípios, de construir prédios para esse fim; (4) a formação continuada e específica para a educação infantil.
Quais são as principais demandas e desafios para a melhoria do acesso, permanência e gestão do ensino fundamental de nove anos?
Lisete Arelaro - Lamentando que esta tenha sido a opção brasileira, o desafio é não repetir o tratamento inadequado das séries iniciais do ensino fundamental para com as crianças menores ainda. Os estudos iniciais do processo de implantação da escola fundamental de nove anos mostram que quase nada mudou e que, especialmente, em relação à preparação dos professores, ao material escolar e aos livros didáticos tudo ficou para depois. A decisão de alfabetizar todas as crianças até os oito anos de idade também pode ser catastrófica, pois teremos colocado as crianças mais cedo para carimbá-las de “incompetentes”. E não se diga que a “Provinha Brasil” contribui com uma melhor avaliação da qualidade de ensino. Vivemos um momento histórico educacional delicado. O outro desafio é tentarmos recuperar a idéia de uma só escola de nove anos, pois com a divisão em falsos “ciclos I e II”, hoje, em todo o País,
os anos/séries finais (6º-9º) não mantêm nenhuma relação com os anos iniciais. São duas escolas sem relação entre si. Para superar esta situação, temos que parar de valorizar, com a primazia que foi dada, as provas nacionais de avaliação dos sistemas de ensino e das escolas. Não se justifica, cientificamente, a realização de provas anuais e muito menos o ranqueamento que o Inep incentivou entre cidades, redes públicas, escolas e turmas.
Regina Vinhaes - A instituição do custo-aluno-qualidade inicial (CAQI) tornou-se um dos grandes desafios aos dirigentes que buscam construir uma educação básica de qualidade socialmente relevante. Nesse sentido, o atendimento pleno do ensino fundamental de nove anos deverá tê-lo como parâmetro. Outra questão importante para a garantia do fluxo desses estudantes e da qualidade desse processo educativo é a delimitação dos seis anos (completados em março) como idade adequada ao início dessa etapa da educação básica.
Chagas Fernandes - A perspectiva de o ensino fundamental mudar de oito para nove anos, com a entrada de crianças de seis anos, tanto estava na Lei de Diretrizes e Bases como no PNE, mas não tínhamos uma centralidade sobre isso. Foi aprovada uma Lei, que determinou o prazo de cinco anos, para que estados e municípios universalizassem o ensino fundamental de nove anos – e o prazo é 2010. As redes municipais e estaduais tiveram essa oportunidade. Você tem muitas redes municipais e estaduais no País que, independentemente da Lei, já trabalhavam nessa perspectiva e já tinham o ensino fundamental de nove anos. Algumas providências outros estados e municípios tiveram que tomar, como a formação dos professores para atender a criança de seis anos e, muitas vezes, reestruturar a escola. Mas, temos um país com desigualdades.
Quais são as principais demandas e desafios para a melhoria do acesso, permanência e gestão do ensino fundamental de nove anos?
Lisete Arelaro - Lamentando que esta tenha sido a opção brasileira, o desafio é não repetir o tratamento inadequado das séries iniciais do ensino fundamental para com as crianças menores ainda. Os estudos iniciais do processo de implantação da escola fundamental de nove anos mostram que quase nada mudou e que, especialmente, em relação à preparação dos professores, ao material escolar e aos livros didáticos tudo ficou para depois. A decisão de alfabetizar todas as crianças até os oito anos de idade também pode ser catastrófica, pois teremos colocado as crianças mais cedo para carimbá-las de “incompetentes”. E não se diga que a “Provinha Brasil” contribui com uma melhor avaliação da qualidade de ensino. Vivemos um momento histórico educacional delicado. O outro desafio é tentarmos recuperar a idéia de uma só escola de nove anos, pois com a divisão em falsos “ciclos I e II”, hoje, em todo o País,
os anos/séries finais (6º-9º) não mantêm nenhuma relação com os anos iniciais. São duas escolas sem relação entre si. Para superar esta situação, temos que parar de valorizar, com a primazia que foi dada, as provas nacionais de avaliação dos sistemas de ensino e das escolas. Não se justifica, cientificamente, a realização de provas anuais e muito menos o ranqueamento que o Inep incentivou entre cidades, redes públicas, escolas e turmas.
Regina Vinhaes - A instituição do custo-aluno-qualidade inicial (CAQI)tornou-se um dos grandes desafios aos dirigentes que buscam construir uma educação básica de qualidade socialmente relevante. Nesse sentido, o atendimento pleno do ensino fundamental de nove anos deverá tê-lo como parâmetro. Outra questão importante para a garantia do fluxo desses estudantes e da qualidade desse processo educativo é a delimitação dos seis anos (completados em março) como idade adequada ao início dessa etapa da educação básica.
Chagas Fernandes - A perspectiva de o ensino fundamental mudar de oito para nove anos, com a entrada de crianças de seis anos, tanto estava na Lei de Diretrizes e Bases como no PNE, mas não tínhamos uma centralidade sobre isso. Foi aprovada uma Lei, que determinou o prazo de cinco anos, para que estados e municípios universalizassem o ensino fundamental de nove anos – e o prazo é 2010. As redes municipais e estaduais tiveram essa oportunidade. Você tem muitas redes municipais e estaduais no País que, independentemente da Lei, já trabalhavam nessa perspectiva e já tinham o ensino fundamental de nove anos. Algumas providências outros estados e municípios tiveram que tomar, como a formação dos professores para atender a criança de seis anos e, muitas vezes, reestruturar a escola. Mas, temos um país com desigualdades regionais, sociais e econômicas, e uma proposta com esta não acontece da mesma maneira para todos. Há estados com quatro turnos - o matutino, o intermediário, o vespertino e o noturno; como é que, com quatro turnos, você ainda vai fazer o ensino fundamental de nove anos? Quando cito os quatro turnos, é para mostrar que há diferenças,
ainda, em relação à universalização da educação básica, tanto em relação ao ensino fundamental de nove anos, quanto à perspectiva dos quatro aos 17 anos.
O ensino médio e a educação profissional no Brasil têm sido marcados pela dissociação, ou seja, por um dualismo estrutural, que não contribui para o acesso a esta etapa da educação básica. Que ações e políticas devem ser realizadas, para garantir a universalização desta etapa com qualidade?
Regina Vinhaes - A educação é uma totalidade social com múltiplas mediações históricas. Nesse sentido, pode-se pensar na extinção do dualismo estrutural entre o ensino médio e a educação profissional, por meio de uma profunda integração entre ambos, fazendo com que a educação geral se torne parte inseparável da educação profissional. Este é o sentido do trabalho entendido como princípio educativo, pois incorpora a dimensão intelectual ao trabalho produtivo. Nessa medida, um currículo integrado organiza o conhecimento para que os conceitos sejam apreendidos como sistema de relações de uma totalidade concreta. Como consequência, os trabalhadores dotados dessa concepção ampliada de mundo podem ser capazes de atuar como dirigentes e como cidadãos.
Chagas Fernandes - O Governo Lula tomou a providência de revogar decretos que impediam praticamente a profissionalização de nível médio pelo poder público e também de fazer o ensino médio integrado à educação profissional. Além disso, a Rede Federal, através dos institutos federais de educação, deu um salto em sua expansão. São vários institutos federais criados nas diversas regiões para garantir a profissionalização de nível médio. Foi criado o Brasil Profissionalizante, programa do governo federal junto às redes estaduais, para que se tenha o ensino médio profissionalizante também na Rede Estadual. Foi reorganizada a perspectiva de educação profissionalizante em relação ao Sistema S, o governo conseguiu fazer um acordo
para avançar em relação a essa garantia. E há uma proposta do governo federal junto às redes estaduais do ensino médio inovador, para uma mudança de qualidade no ensino médio.
Lisete Arelaro - A garantia de universalização do ensino médio não depende diretamente da área educacional, pois, se não houver um projeto de desenvolvimento nacional consistente que possibilite aos jovens brasileiros investir tempo e suor na sua formação, com perspectivas de bons empregos no mercado de trabalho, os números não se alterarão substantivamente. Não por acaso, os dados estatísticos do MEC mostram uma relativa estagnação nos números de matrículas nesta etapa de ensino, não necessariamente por falta de vagas, mas por falta de perspectiva futura dos jovens. Agora, a possibilidade de formação teórica consistente – o que implica investimento em salários e formação de professores - é um outro desafio. Há muito tempo nossas escolas públicas não têm bibliotecas e as existentes, além de pobres em livros,
CDs, DVDs e outros materiais de consulta bibliográfica, não têm seu funcionamento mantido em todos os períodos. Não temos nem laboratórios ou oficinas para a prática de conceitos científicos. E os salários dos professores são tão baixos que, apesar de formarmos em número suficiente para o estágio atual de atendimento, professores de física, química, biologia ou matemática acabam não permanecendo na rede pública. A atualização científica e técnica dos equipamentos e profissionais das escolas é aspecto fundamental. A possibilidade da formação geral consistente, combinada com atualizada formação técnica e tecnológica pode se constituir em fórmula motivadora à juventude.
Vivenciamos um momento político de discussão do novo Plano Nacional de Educação. Que metas e estratégias devem ser asseguradas para garantir a educação obrigatória e gratuita dos quatro aos 17 anos, levando em conta o ensino regular e as modalidades de ensino?
Chagas Fernandes - O governo propôs 20 metas para o PNE ao Congresso Nacional, que pode fazer ajustes, mudanças, porque é sua prerrogativa. Uma das metas é a que a Constituição Brasileira, com a Emenda 59, incorporou: a universalização da educação básica de quatro a 17 anos. Várias outras metas e estratégias têm a ver com a universalização dos quatro aos 17 anos, como a do financiamento que prevê 7% do PIB para a educação. Temos pelo menos seis, das 20, que tratam da valorização profissional. Há metas sobre piso, carreira, formação. Há metas sobre o Ideb - daqui a dez anos poderemos medir o índice de qualidade, tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio. Enquanto o Plano que termina em 2010 não tinha estratégias para as metas, este Plano tem. Todas as metas terão indicadores, vão ser medidas e, portanto, acompanhadas. A estrutura proposta para o novo Plano vai ajudar a sociedade
brasileira a acompanhá-lo. O mais significativo em relação ao próximo PNE é que ele se desdobre nos planos estaduais e municipais. Não basta ter o PNE, são necessários os estaduais e os municipais, porque, do contrário, não se vão atingir as metas nacionais.
Os planos estaduais e municipais têm que entrar na ordem do dia e a sociedade civil tem um papel significativo no debate. As entidades de profissionais da educação, no Brasil, também já começaram a debatê-lo. O congresso da CNTE tem como tema o PNE. As próprias entidades também vão começar a pautá-lo, os estudantes, logo em seguida ao Congresso da CNTE, terão o Congresso Nacional e este é um dos pontos a ser debatido. O PNE fará com que tenhamos, nos próximos dez anos, uma outra educação no País.
Lisete Arelaro - Em primeiro lugar, se pretendemos alguma ampliação do atendimento
e educação de qualidade, temos que garantir mais investimentos financeiros na área, pois, de fato, ainda, se fala muito e se gasta pouco, em todas as etapas de ensino. Defender o aumento da aplicação de recursos financeiros de forma gradativa, até atingir os 10% do PIB pode ser uma bela motivação para a mobilização dos setores sociais e educacionais. Será através dessa meta que a valorização do magistério – inadiável! – poderá ser garantida ou, pelo menos, viabilizada. O segundo aspecto fundamental é que o sistema nacional de educação – ainda em gestação – não se viabilizará enquanto um acordo, pacto ou negociação (não necessariamente só através de regulamentação) não for feito para se estabelecer procedimentos e condutas
para um verdadeiro sistema de cooperação entre as esferas públicas, hoje, inexistente ou pífio. O terceiro aspecto, decorrente do anterior, é a real implantação de gestão democrática da educação e do ensino público, pois, para além da falácia, a cada dia, os governos imprimem ações de monitoramento que sufocam ou reduzem a autonomia das escolas e desestimulam uma ação mais incisiva dos conselhos existentes – de escolas, de educação, de acompanhamento do Fundeb, dentre outros. A pretensão de melhoria da qualidade de ensino e valorização dos profissionais de educação vem sendo acompanhada de controles que mais desresponsabilizam do que ajudam as escolas em sua tarefa essencial: a busca e a construção de um projeto de ensino instigante que interesse aos alunos das comunidades atendidas. Mas, sem dúvida, uma meta que não poderá ser adiada, pela manutenção do desrespeito à população brasileira pobre é o enfrentamento do analfabetismo, que vem se reduzindo, mas que é ainda significativo no País. Esta meta e o atendimento aos cerca de 50 milhões de brasileiros que não concluíram o ensino fundamental – nas suas diferentes especificidades - são as tarefas mínimas e os compromissos intransferíveis de todos nós na nova década do século XXI.
Regina Vinhaes - Dentre os diversos documentos elaborados por entidades acadêmicas,
movimentos sociais, pela Conae e por órgãos de Estado (como exemplo o CNE), parece haver alguns consensos, dentre os quais destaco: A implantação do Sistema Nacional de Educação, integrando, por meio da gestão democrática, os planos de educação dos diversos entes federados e das instituições de ensino, em regime de colaboração entre a União, estados, Distrito Federal e municípios. A ampliação do investimento em educação pública em relação ao PIB, estabelecendo padrões de qualidade para cada etapa e modalidade da educação, com definição dos insumos necessários à qualidade do ensino, delineando o custo-aluno-qualidade como parâmetro para seu financiamento. A universalização do atendimento público, gratuito, obrigatório e de qualidade da pré-escola, ensino fundamental de nove anos e ensino médio,
além de ampliar significativamente esse atendimento nas creches. A garantia de oportunidades, respeito e atenção educacional às demandas específicas de: estudantes com deficiência, jovens e adultos defasados na relação idade escolaridade, indígenas, afro-descendentes, quilombolas e povos do campo. A implantação da escola de tempo integral na educação básica, com projeto político-pedagógico que melhore a prática educativa, com reflexos na qualidade da aprendizagem e da convivência social. E valorizar os profissionais da educação, garantindo formação inicial e continuada, além de salário e carreira compatíveis com sua importância social e com os dos profissionais de outras carreiras equivalentes.
Notas
1 Graduado em Letras. Professor da Rede Pública de Ensino do Rio Grande do Norte (RN); Secretário Executivo Adjunto do Ministério de Educação (MEC) desde 2007; foi dirigente da CNTE.
2 Doutora em Educação. Diretora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP); é conselheira do Conselho Técnico-Científico (CTC-EB) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
3 Doutora em Educação. Conselheira da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE); Secretária de Estado de Educação do Distrito Federal.
http://retratosdaescola.emnuvens.com.br/rde/article/view/79/267