BNCC americana, uma década perdida
BNCC americana: uma década perdida
Lá, a Base Comum regulamenta apenas Inglês e Matemática e foi elaborada em 2010. Além disso, ela não é mandatória como aqui: os estados optam por ela. Com os incentivos federais, quase todos os estados optaram por ela. O livro de Tom reúne os processos de sua elaboração, financiados pela Fundação Bill Gates, e também os estudos realizados até 2020 sobre a eficácia da implementação da Base Comum.
A conclusão é que a implementação da Base não confirmou as previsões de seus defensores. Apesar dela ter produzido mudanças no curriculum das escolas e nos métodos de ensino, como era esperado, não produziu nenhum efeito relevante no desempenho dos estudantes e nem nas diferenças que existiam entre os estudantes mais ricos e mais pobres. Contrariando as predições, ela simplesmente foi inócua.
Para o autor, isso significa que todos (contrários e favoráveis à Base) erraram, pois ela não prejudicou e nem favoreceu os resultados dos estudantes: ela não produziu efeito algum. Mas este resultado, penso, deixa os que foram contrários a ela mais próximos da verdade, pois, entre seus argumentos estava o de que as reformas educacionais que enfatizam a aprendizagem, sem levar em conta os professores e outros aspectos estruturais que influenciam a aprendizagem nas escolas, não equacionam os problemas de desempenho. Além disso, a aposta na Base impediu a realização de outro tipo de reforma que teria sido mais promissor, por exemplo, a redução do número de alunos em sala.
Entre as causas deste resultado, o autor aponta o fato de que uma Base gerada por especialistas ao nível central, sem envolver os professores, tem que passar por uma série de instâncias intermediárias antes de chegar à sala de aula e, portanto, neste processo, a tentativa de se produzir um alinhamento de toda a estrutura educacional, ou como dizemos aqui, tornar a estrutura educacional “coerente”, fracassou. Alinhamento, não é sinônimo de qualidade – especialmente quando os professores não são ouvidos.
Outros fatores concomitantes contribuíram para este fracasso. A educação, especialmente a sala de aula, é local de variabilidade e não de padronização, o que faz com que o professor fique travado em seu trabalho de adequar a Base (já na forma de currículo) ao desempenho dos estudantes, o qual é sempre variável.
Apesar de lá, como aqui, se repetir que o “Common Core não é currículo” uma tarefa do “staff” estadual ou municipal e que também não é “método de ensino”, uma escolha do professor, o fato é que a Base orienta a avaliação da escola, do professor e dos estudantes – através de exames nacionais, estaduais e municipais – e, portanto, consiste em uma camisa de força para todas as instâncias envolvidas. Se isso não bastasse, os materiais didáticos são produzidos segundo seus ditames. Esta tentativa de alinhamento formal, no entanto, não parece ser suficiente.
O autor aponta ainda outras razões, mas penso que estas são as mais relevantes para indicar o fracasso da Base Comum e a adição de mais uma década perdida à longa trajetória da reforma empresarial da educação americana.
https://avaliacaoeducacional.com/2021/07/18/bncc-americana-uma-decada-perdida/
Novo livro examina o fracasso da Base Comum americana
O livro cujo título pode ser traduzido por “Entre o Estado e a Escola: compreendendo o fracasso da Base Comum” analisa a base comum curricular americana, que lá só existe para Inglês e Matemática. Há outra iniciativa para Ciências mas ela é independente do chamado “Comum Core” iniciado em 2010.
Em um post, Tom Loveless fala de seu livro:
“Mais de uma década após o lançamento em 2010 dos padrões da Base Comum para os estados, envolvendo língua inglesa e matemática, não existe nenhuma evidência convincente de que os padrões tiveram um impacto positivo significativo no desempenho dos alunos. Meu próximo livro no próximo mês – “Entre o Estado e a Escola: Compreendendo o Fracasso da Base Comum” – explora o Common Core desde o início promissor da iniciativa até seus resultados decepcionantes.”
Para ele:
“Embora o livro seja especificamente sobre a Base Comum, o fracasso dessa iniciativa ousada só pode ser compreendido no contexto da reforma baseada em padrões, da qual a Base Comum é o exemplo mais recente e famoso. Por três décadas, a reforma baseada em padrões tem se mantido como a política preferida dos reformadores da educação.”
Analisando a teoria que orienta esta reforma educacional, afirma:
“A teoria da reforma baseada em padrões repousa na crença de que padrões elevados nas disciplinas acadêmicas devem primeiro ser redigidos, orientando o desenvolvimento posterior de outros componentes-chave da educação – currículo, instrução, avaliação e responsabilização. Ao propiciar um conjunto articulado de resultados, argumentam os reformadores baseados em padrões que a fragmentação e a incoerência que assolaram os esforços das reforma anteriores podem ser evitadas.
A abordagem é inerentemente de cima para baixo e regulatória, com padrões desenvolvidos por elites políticas e especialistas em conteúdos no topo do sistema. Os outros componentes, todos eles aparafusados aos padrões acadêmicos [escritos previamente], ganham importância posteriormente e muitas vezes estão sob o controle de [outros] profissionais (…).”
A ilusão de um sistema coerente e bem coordenado é adquirida às custas da flexibilidade dos professores em adaptar a instrução para atender a seus alunos. As salas de aula estão repletas de variações. Uma suposição dos defensores da Base Comum é que a variação na aprendizagem ocorre principalmente por causa das escolas e salas de aula que possuem padrões díspares, e muitas vezes, indefensavelmente baixos e que se as escolas fossem submetidas a um regime comum de altas expectativas, as crianças que estão ficando para trás as alcançariam ou nunca ficariam para trás.”
Este modelo fracassado, infelizmente, é o que está sendo implementado em vários países, mesmo sem evidência de que funcione, inclusive no Brasil. Seu único fundamento é uma fé inabalável na “coerência” como promotora da aprendizagem.
Não só as salas de aula possuem diferentes variações, as quais são impedidas pela padronização de serem pautadas pela criatividade e experiência dos professores, como além da variação, uma gama de outros fatores afetam o desenvolvimento das crianças, exigindo que professores e gestores tenham capacidade para analisar localmente estes impactos. Isso necessita de autonomia e criatividade e não de padronização e alinhamento a exames.
Por isso, a melhor reforma educacional não é a padronização, mas é a diminuição do número de alunos por professor em sala de aula, permitindo que ele tenha tempo para fazer a conexão entre o que se quer ensinar e as condições concretas de aprendizagem de seus estudantes – esta sempre variada. Para tal, temos que alterar também as condições de trabalho dos professores.
E não se pense que o ensino por plataformas digitais será a salvação da lavoura. Só professores bem formados e com condições de trabalho podem de fato personalizar a aprendizagem.
É isso, ou continuaremos colecionando décadas perdidas em educação. Nos Estados Unidos esta fé religiosa na padronização e alinhamento já gerou 30 anos de atraso. E o único resultado concreto destas políticas foi incentivar a privatização.
https://avaliacaoeducacional.com/2021/03/27/novo-livro-examina-o-fracasso-da-base-comum-americana/