Bonificação para professores e alunos
Programa de bonificação para professores e alunos anunciado pelo governo do RS gera debate; entenda os pontos
Especialistas em educação questionam eficácia da medida, enquanto o Piratini defende que a iniciativa busca incentivar a melhoria contínua do sistema estadual de ensino
Anunciada pelo governo estadual na última quarta-feira (13), a política de bonificação para professores, servidores e alunos gaúchos que atingirem metas é motivo de debate entre especialistas.
O programa, que deve ser implementado ainda em 2025, prevê o pagamento de valores em dinheiro tanto para profissionais da educação, quanto para estudantes.
Para os servidores, o plano consiste no pagamento de um 14º salário, proporcional ao cumprimento das metas estabelecidas para o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que mede o nível da educação no Estado. Além disso, os professores receberão uma bonificação proporcional à frequência escolar dos alunos.
Já para os estudantes, a premiação vai ser concedida de acordo com o desempenho e a participação nas provas do Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do RS (Saers) e do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). O bônus varia de R$ 1 mil a R$ 3 mil, de acordo com a classificação, e vale para alunos matriculados no 5º e no 9º ano do Ensino Fundamental e no 3º ano do Ensino Médio.
O foco da Secretaria da Educação (Seduc) está em alcançar bom desempenho nas provas do Saeb, que compõem o Ideb, e do Saers.
A iniciativa de premiação baseada em desempenho em provas padronizadas não é inédita — medidas similares já foram idealizadas no próprio Rio Grande do Sul e aplicadas em outros Estados, como São Paulo e Ceará, e em outros países, como os Estados Unidos.
O próprio Ministério da Educação promoveu uma premiação no início de agosto, baseado nos melhores resultados no Ideb. O Prêmio MEC da Educação Brasileira, diferentemente da iniciativa gaúcha, é voltado às escolas e leva em conta dados socioeconômicos.
— O objetivo não é reconhecer apenas quem alcançar 100% das metas, mas também valorizar todos que demonstrarem evolução nos resultados. Se a escola avançar, mesmo sem atingir a meta final, esse esforço será recompensado de forma proporcional. Queremos estimular a melhoria contínua, tanto no desempenho nas avaliações quanto na ampliação da frequência dos estudantes, porque cada passo à frente é fundamental para fortalecer a educação gaúcha — disse o governador Eduardo Leite durante o lançamento do programa.
Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Mateus Saraiva destaca que as pesquisas não são conclusivas sobre se a premiação leva ao aumento das notas e ao aprendizado: enquanto estudos econométricos indicam crescimento no Ideb, outros não chegam a uma conclusão. A pesquisa no campo da educação, entretanto, aponta efeitos nocivos, como o estreitamento curricular relacionado à prova e redução da autonomia dos professores.
Além disso, as políticas podem gerar uma percepção equivocada de que o professor não costuma entregar o melhor de si, aumentam os níveis de desigualdade intraescolar ao privilegiar alunos que se saem melhor em provas e podem levar a tentativas de exclusão de estudantes dos exames.
— Não pode, a meu ver, tratarmos a política de educação como "em uma determinada escola vai ser boa, e na outra, não". Precisamos garantir condições para que seja boa em todas as escolas — destaca Saraiva.
Por sua vez, a secretária da Educação do RS, Raquel Teixeira, defende que o sistema está amparado em dados e evidências:
— As pesquisas mostram que material estruturado a partir de avaliações diagnósticas, feitas com monitoramento de implementação, tem um impacto extremamente positivo na aprendizagem dos alunos.
Fatores externos
Ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e professor aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), José Francisco Soares, ressalta que governos aplicam modelos de gestão de outras áreas que se mostram inadequados e ineficazes à educação.
— O principal problema dessa abordagem é que o desempenho dos estudantes é fortemente influenciado por fatores externos ao sistema educacional, como condições socioeconômicas, acesso a recursos culturais e de apoio familiar, sobre os quais a escola tem controle limitado — afirma.
Escolas com resultados baixos deveriam ser identificadas para intervenção e apoio pedagógico, acrescenta Soares. Já escolas que atendem a estudantes socialmente privilegiados deveriam ser comparadas a padrões de excelência mais altos – não faz sentido premiar a quem, podendo fazer o muito, fez menos.
O governo Leite aposta nessa estratégia para elevar as notas do Saeb a ser aplicado em outubro, que comporá o Ideb de 2026, mas a abordagem não garante ensino de qualidade, aponta Ângela Chagas, pesquisadora de pós-doutorado em Educação na UFRGS. Citando também o caso da premiação do MEC, ela critica a lógica meritocrática que estimula a competição e afirma que a motivação não se dá com políticas de bonificação:
— Educação de qualidade a gente não faz simplesmente com treinamento para prova e prêmio para quem for melhor nessa prova. Exige investimento, condições adequadas de trabalho e de estudo, que passam também pela garantia de recursos para escolas, políticas de Estado construídas juntamente com as escolas.
A avaliação da Seduc é de que o sistema não vai estimular nenhum tipo de competição.
— Nós propusemos metas para todas as escolas baseadas no desempenho histórico, desde que foi criado o Ideb até agora, e projetamos um índice de crescimento que já foi atingido em algum momento. A escola que não atingir a meta pode ser bonificada se mostrou evolução — defende a secretária Raquel.
Indicadores
No primeiro momento, a política pode parecer positiva, mas a educação é uma construção contínua, pondera Sani Belfer Cardon, professor da Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Outros temas, como a qualificação dos docentes, condições de permanência na escola e gestão compartilhada, que inclui a família, já deveriam ter sido abordados e teriam mais impacto na educação.
Além disso, pesquisadores do campo da avaliação têm questionado o Ideb como indicador para medir a qualidade da educação, apontando sua fragilidade e restrição a português, matemática. Os especialistas defendem ser necessário qualificar e complexificar os indicadores.
Procuradas pela reportagem, outras autoridades no assunto, como a organização Todos Pela Educação, não quiseram se manifestar sobre o tema, que gera debate na área.
Alternativas
Para premiações, o ex-presidente do Inep defende a adoção de critérios alinhados à relevância educacional e ao interesse público – como a equidade, fundamental no Brasil. Uma política mais justa poderia premiar municípios ou escolas que apresentem menor desigualdade de desempenho entre grupos sociais, considerando sexo, raça e nível socioeconômico.
Outro critério poderia ser aquelas que mais cresceram em desempenho desde a última avaliação, de modo a estimular a melhoria contínua. Para Ângela e Saraiva, o valor investido na bonificação deveria ser destinado a garantir condições mínimas de infraestrutura, melhorar os salários e tornar as carreiras mais atrativas.
— Claro que a infraestrutura é uma preocupação, mas honestamente, tem escola sem quadra de esporte e que tem um excelente desempenho. O que queremos é estimular o desempenho dos diretores, dos professores, de toda a comunidade — defende a secretária Raquel.
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