Brancos sempre preferem brancos

Brancos sempre preferem brancos

"Há um pacto que faz brancos sempre preferirem brancos"

Edison Veiga  12 de abril de 2022

Considerada uma das 50 pessoas mais influentes do mundo no campo da diversidade, a psicóloga e ativista social Cida Bento lança livro sobre as dificuldades de inserção de negros no mercado de trabalho.

"Existe um pacto não verbalizado, não combinado e silencioso, que faz com que brancos sempre preferenciem brancos para os melhores lugares sociais" 

Ela cansou de receber nãos e portas na cara. Depois de entender que o ponto era a cor de sua pele – e, claro, o racismo estrutural na sociedade brasileira –, a psicóloga Maria Aparecida da Silva Bento, mais conhecida como Cida Bento, decidiu fazer da questão sua profissão e razão de engajamento.

Tornou-se estudiosa do assunto e ativista. No início da década de 1990 fundou, ao lado de outros dois militantes, o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), uma organização não governamental que luta para que os negros consigam espaços equivalentes no mercado.

A organização conta com uma equipe multidisciplinar, formada por juristas, educadores, assistentes sociais, sociólogos e psicólogos. Em 2015, a revista inglesa The Economist elegeu Cida Bento como uma das 50 pessoas mais influentes do mundo no campo da diversidade, ao lado de nomes como Bill Gates, Hillary Clinton e Angelina Jolie.

Para Bento, o combate ao preconceito passa por falar sobre o tema. "[É preciso] ampliar o conhecimento, se engajar nas lutas por equidade e pela mudança dos sistemas que geram ônus para uns e bônus para outros", afirma ela, em entrevista à DW Brasil.

Em seu recém-lançado livro O pacto da branquitude, Bento apresenta sua tese sobre por que negros costumam ser preteridos em processos seletivos. "É um pacto não verbalizado, não combinado e silencioso, que faz com que brancos sempre preferenciem brancos para os melhores lugares sociais e se fortaleçam mutuamente nesses lugares", explica a psicóloga.

"De outro lado, rejeitam ou interditam negros para esses melhores lugares por entenderem que não têm a estética adequada, não estão preparados, são ameaçadores, e por aí vai."

De que forma as recusas que a senhora teve em processos seletivos, ao longo de sua carreira, deram subsídios para a criação do Ceert e a escrita deste livro?

A repetida recusa mesmo em situações em que eu via que tinha boas condições para preencher a vaga me impulsionou para estudar as vozes de pessoas que trabalhavam e daquelas que comandavam os processos de recursos humanos ou de chefias em grandes organizações. E também me impulsionou a atuar com organizações ligadas aos movimentos sociais visando a incidir concretamente nas políticas públicas, sindicais e de organizações empregadoras para mudar a situação de discriminação e exclusão no trabalho e na educação básica.

Pode nos relatar uma situação emblemática dessas recusas e como ficou claro para a senhora que se tratava de uma questão racial?

Eu já estava formada [ela concluiu a graduação em 1977], tinha me especializado em processos seletivos e tive excelente desempenho nos testes e dinâmica de grupo. Mas entre sete candidatas [para a determinada vaga] eu era a única negra. Disputei o lugar de assistente de recursos humanos e perdi. Isso surpreendeu a mim e a outras candidatas.

A senhora chegava a esses processos seletivos em condições de formação similares às de seus concorrentes. Ao mesmo tempo, dado o racismo estrutural da sociedade brasileira, sabemos que é muito mais difícil para uma pessoa negra conseguir chegar ao ápice da escolaridade. Quão difícil foi para a senhora conseguir se graduar? Havia preconceitos também durante os estudos?

Sim, foi difícil. Primeiro economicamente, pois minha família não tinha qualquer reserva para o enfrentamento dos momentos difíceis [ela foi a primeira pessoa de sua família a ter diploma de curso superior]. Depois por sinais concretos que a universidade dava de que eu estava "fora de lugar", o que me fazia sempre desejar abandonar os estudos.

E como foi levar essa questão para a academia, desenvolvendo a temática no mestrado e no doutorado?

Foi como "remar contra a maré". Estudar branquitude e discriminação sob o poder de professores brancos que afirmavam a neutralidade e objetividade dos processos de recursos humanos era como afrontá-los.

Como pesquisadora, a senhora também sente preconceito?

Sim. Muitas vezes me deparo com questões que exigem um olhar sobre meus próprios "pré-conceitos", relacionados com a grande diversidade religiosa, de gênero, de identidade de gênero etc.  A diferença é que por viver a experiência de ser alvo desses processos, o caminho de identificação e mudança interna pode ser abreviado.

Em seu trabalho, a senhora conceitualiza o chamado "pacto narcísico da branquitude". Poderia explicar, em poucas palavras, o que significa esse pacto?

É um pacto não verbalizado, não combinado e silencioso, que faz com que brancos sempre preferenciem brancos para os melhores lugares sociais e se fortaleçam mutuamente nesses lugares. De outro lado, rejeitam ou interditam negros para esses melhores lugares por entenderem que não têm a estética adequada, não estão preparados, são ameaçadores, e por aí vai.

Como nós, enquanto sociedade, podemos contribuir para que esse cenário racista seja revertido?

Fazendo o que fazemos aqui: falar sobre o tema, ampliar o conhecimento, se engajar nas lutas por equidade e pela mudança dos sistemas que geram ônus para uns e bônus para outros.




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