Cadê o tempo escolar
Cadê o tempo escolar que estava aqui?
Por Lourdes Atié
Dizem que a pressa é inimiga da perfeição. Mas acreditamos nisso? O ano está acabando, mas parece que só em 2019 atravessamos vários anos, tamanho é nosso cansaço.
A passagem do tempo é organizada de forma diferente de acordo com cada cultura. Com certeza os moradores do Nepal não sentem o tempo da mesma forma que os paulistanos, pois o tempo é uma construção histórica e social.
Na sociedade contemporânea da qual fazemos parte, somos treinados desde a infância fazer as coisas o mais rápido possível. Isso nos faz viver com pressa. E, por mais que tentemos, nunca conseguimos estar em dia com tudo que nos é oferecido ou cumprir todas as tarefas às quais nos propomos.
Por isso estamos sempre em alerta, sempre correndo atrás – e sempre devendo. Assim aprendemos que a arte de viver é esticar cada vez mais o tempo além do limite para caber cada vez mais coisas a serem feitas. Quando chegam as tão esperadas férias, temos tantas coisas para fazer que voltamos ao trabalho exaustos.
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Vivemos também um tempo orientado para o consumo. É o jogo do mercado. Consumimos tudo. Queremos muitos amigos nas redes sociais, queremos todas as novidades lançadas no mercado, queremos provar tudo, consumir de tudo e mais um pouco, nos endividando nos cartões de crédito.
Os adultos estão acelerados demais por aqui e como consequência estão acelerando igualmente as crianças, que tem que cumprir uma série de compromissos e atividades, tornando cada vez mais difícil ser simplesmente criança.
Onde foi parar o tempo de não fazer nada? É hora de questionarmos onde foi parar o tempo vazio. O tempo de ficarmos a sós com as nossas ideias: onde foi parar o tempo livre? O tempo de reflexão? O tempo de encontros sem obrigações? O tempo de aprender?
Este cenário nos afeta em todos os âmbitos. E a escola, como uma das organizações sociais, também é afetada por este ritmo acelerado. Está na hora de refletirmos a respeito daquilo que parece “natural”. Não é! As crianças estão adoecendo e os adultos também. Vamos aqui focar na escola e pensar que pode ser diferente.
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Como ser criança em tempos acelerados?
As crianças talvez sejam as maiores vítimas dessa aceleração excessiva. Desde muito cedo, elas são altamente estimuladas.
Começa no carrinho de bebê cheios de penduricalhos, assim como seus primeiros brinquedos que apresentam muitos estímulos e cores excessivas. Essas coisas contribuem para uma poluição visual e excesso de estimulação.
O mesmo acontece nos espaços considerados infantis, como os delimitados nos shopping centers e nos salões de festas infantis –na decoração, um excesso de incitamentos visuais e sonoros. Tudo muito poluído visualmente e de segurança máxima.
Há também os brinquedos que deixam as crianças encapsuladas, cercadas de telas por todos os lados. Tudo previsível e com o discurso da proteção, mas que na verdade roubam delas a possibilidade de criarem, desfrutarem desses espaços com autonomia.
Assim as crianças crescem sem tempo para ficar à toa, para brincar como quiserem, para serem donas do seu tempo.
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Assim as crianças vão sendo aceleradas, sem que os adultos deem tempo para elas poderem se desenvolver no seu ritmo. Tudo é antecipado, apressado e acelerado. Mais adiante, quando apresentarem algum déficit de atenção ou hiperatividade, os adultos ficarão estarrecidos, sem saber como é possível.
Será mesmo que não perceberam nada?
E pensar que tudo isso poderia ser resolvido tão facilmente. Apenas dando tempo para as crianças crescerem, deixando que simplesmente sejam elas mesmas, podendo entender o mundo pela brincadeira e usando sua criatividade.
O tempo da escola é o tempo de consumir e de acelerar
As escolas brasileiras estão a cada ano oferecendo mais atividades e informações para seus alunos. Isso pode ser bom para os pais, que garante que num mesmo espaço seus filhos aprenderão mais coisas e estarão mais preparados para o futuro. Grande engano!
As agendas das crianças estão tão cheias de obrigações quase como um executivo adulto. As escolas estão transmitindo tantas informações que já não fecham durante o ano. Quando as crianças entram de férias, outras atividades são oferecidas no mesmo espaço para mantê-las “ocupadas”.
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A vida assim vai perdendo o sentido e na adolescência o quadro se agrava e pode ter consequências gravíssimas e até irreversíveis.
A escola está se tornando um lugar de muitas atividades e poucas aprendizagens, porque já sabemos que na mesma proporção, informações demais representa aprendizagem de menos. Porque para aprender é preciso tempo. Tempo para refletir, para experimentar, para interagir. Tempo com sentido, que significa tempo desacelerado.
Esta escola brasileira, em sua maioria é uma correria sem fim, onde brincar só no recreio está vivendo seus últimos dias. Não será possível continuar assim. Os estudantes estão adoecendo e os professores também. Assim como os currículos extensos, com conteúdo excessivo. A escola em pleno século 21 ainda está organizada com as mesmas inovações do século 22.
O tempo na escola está cristalizado em efemérides, classes, séries, bimestres, semestres, rituais de avaliação, reprovação e repetência. Essa lógica temporal vem sendo reduzida a tempos cada vez mais curtos frente ao excesso de conteúdo. O valor está nos “ritmos médios” de aprendizagem, independentemente da diversidade dos alunos e da pluralidade dos processos de aprendizagem.
Este caminho da aceleração na escola tem acarretado a competitividade negativa, tornando a instituição um espaço desumanizado, com ocorrências de bullying, estresse do professor, agressividade entre alunos, déficit de atenção, entre outros. Essa aceleração gera ainda a desigualdade entre os alunos, distanciando aqueles que têm ritmos de aprendizagem diferentes. Portanto é preciso desacelerar!
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O tempo da escola precisa ser o tempo de aprender
As escolas brasileiras estão vivendo o tempo da BNCC – a Base Nacional Comum Curricular. Mas a BNCC não é currículo! Ela é um documento normativo que define as linhas mestras para que todas as escolas construam seus currículos compatíveis com a história de cada instituição, somando a sua tradição pedagógica, seu contexto e as decisões que cada escola deve tomar para fazer a escola como um lugar compatível com o seu tempo e que tenha relevância social.
Este é o tempo que as escolas têm para construir a escola dos seus sonhos. E não podemos perder a oportunidade, reproduzindo algo que já não faz sentido. Ou copiando modelos que não dialogam com a realidade. É tempo de se ter coragem para construir um currículo rico de experiências e desacelerado.
Para isso é preciso se perguntar: qual o tempo necessário para que todos os alunos possam aprender? Difícil de responder, porque não existe um tempo único.
O tempo a ser vivido de verdade na escola é aquele que seja necessário para que todos os alunos aprendam. Não como consumidores daquilo que julgamos importante para eles, mas como protagonistas de suas descobertas e experiências. Só assim serão capazes de dotarem de sentido as informações escolares. Só assim a escola fará sentido em suas vidas.
Por isso, é preciso discutir a necessidade de devolver o ritmo adequado para a aprendizagem de cada um dos alunos, visando garantir que a educação realmente responda às necessidades que a sociedade necessita para continuar se desenvolvendo.
Então vamos aproveitar que “já já” vai começar um novo ano letivo e vamos desacelerar. Vamos construir uma escola com sentido, que é aquela que ensina aquilo que é relevante. Não para conseguir boas notas ou se classificar em algum ranking, mas para conseguir entender o mundo que vivemos, conhecendo o passado, entendendo o presente e construindo o futuro. Só desta maneira a escola será insubstituível.
Do contrário, morrerá pela sua irrelevância. Já que todas as informações estão disponíveis, sem que precise ir à escola.
Tem sido difícil ser feliz na escola. E sem alegria não temos curiosidade e sem isso não somos criativos. Sem criatividade não teremos condições de inventar uma vida melhor. Se a vida fosse uma parlenda, poderíamos afirmar que, se não mudarmos nosso ritmo, o que vai acontecer é que: “a gente é fraco, cai no buraco. O buraco é fundo, acabou-se o mundo!”