Um dado informado pela Secretaria da Fazenda ao anunciar o pagamento do chamado “completivo” aos  professores que ficaram com a  remuneração abaixo do piso corrigido para R$ 2.557,74 em 1º de janeiro mostra porque a carreira do magistério é tão pouco atraente. Das 156 mil matrículas de professores do ensino estadual (ativos e inativos), 76,5 mil terão o complemento para não ficar abaixo do piso nacional, que teve reajuste de 4,7%.

O impacto para os cofres públicos será de R$ 64 milhões em 2019. Ao todo, o governo gasta R$ 330 milhões a título de pagamento do completivo. Essa parcela foi instituída em 2012, por meio de um acordo judicial, já que o Estado se declarava incapaz de pagar o piso como básico da carreira do magistério. Se hoje o valor de R$ 2.557,74 fosse adotado como básico do plano de carreira para uma jornada de 40 horas semanais, o impacto seria de R$ 5,98 bilhões na despesa anual com a folha de pagamento.

Com o salário congelado desde 2014, houve um achatamento e os primeiros níveis do plano de carreira acabaram se igualando. Em 2012, quando o completivo começou a ser pago, 20 mil matrículas receberam o complemento. Hoje, esse número praticamente quadruplicou. 

Como há milhares de ações na Justiça reivindicando o pagamento do mínimo como salário básico, calcula-se que o passivo já ultrapassou a barreira dos R$ 30 bilhões.

O plano de carreira é de 1974. Vários governos já tentaram mudá-lo, mas esbarraram na resistência do Cpers. Na campanha eleitoral, Eduardo Leite avisou que vai propor mudanças, mas que deseja discuti-las com os professores. 

https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/rosane-de-oliveira/noticia/2019/01/metade-dos-professores-na-rede-estadual-so-ganha-o-piso-cjqyap0uz01e001ukvgoekogo.html 

Passivo do RS com piso do magistério chega a R$ 22,1 bilhões

Desde 2012, governo do Rio Grande do Sul paga complemento mensal a professores, mas valor não incide sobre vencimento básico. Já há 90 mil ações na Justiça

02/04/2018

Mateus Bruxel / Agencia RBS
Impasse envolvendo o pagamento do piso chegou ao STF, mas ainda não tem data para ser julgadoMateus Bruxel / Agencia RBS

Uma década depois da aprovação da lei do piso nacional do magistério, o governo do Rio Grande do Sul segue discutindo o assunto na Justiça e já responde a 90 mil ações de professores insatisfeitos. O passivo acumulado pelo Estado por nunca ter cumprido a regra à risca, segundo dados da Secretaria da Fazenda, chegou a R$ 22,1 bilhões em dezembro de 2017 – o equivalente a 15 folhas de pagamento do Executivo – e tem potencial para triplicar a dívida de precatórios. 

O impasse começou em 2008, quando governos estaduais – incluindo a administração da então governadora Yeda Crusius (PSDB) – questionaram a constitucionalidade da medida no Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2011, a Corte validou a lei, mas o imbróglio jurídico continuou e, agora, se aproxima do fim. 

Hoje, educadores de escolas públicas com contratos de 40 horas semanais não podem receber vencimento básico abaixo de R$ 2.455,35 no Brasil. No caso do Rio Grande do Sul, considerando a mesma carga horária, o básico inicial é de R$ 1.260,16.

Para que ninguém ganhe menos do que isso, o Estado paga um completivo mensal a 35,6% dos docentes. O problema é que a verba adicional não incide sobre o básico, como manda a lei. 

A alternativa começou a ser praticada em 2012, na gestão de Tarso Genro (PT), e segue valendo no mandato de José Ivo Sartori (PMDB), sob a justificativa de que não há dinheiro suficiente para a adoção da regra de outra forma. Uma das explicações para isso, segundo o governo, é o formato do plano de carreira do magistério, de 1974. 

Como o documento estabelece o vencimento básico inicial como referência para todas as etapas da vida docente (que se divide em seis níveis e seis classes), sempre que esse valor é reajustado, o aumento repercute na totalidade da folha – inclusive em aposentadorias, vantagens e gratificações. O impacto é bilionário.

Desde 2012, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) tenta convencer o Judiciário de que é inviável aplicar a lei do piso sobre a matriz do plano. O assunto foi parar no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e agora está no STF, ainda sem data prevista para julgamento. Enquanto isso, as 90 mil ações estão temporariamente suspensas.

— Todos nós concordamos que o professor deve ser bem remunerado, mas é preciso haver coerência entre as normas — sustenta a procuradora Luciane Fabbro, da PGE.

Secretário estadual da Educação, Ronald Krummenauer diz que, até o fim do ano, pretende colocar em discussão uma série de mudanças no sistema de ensino gaúcho, incluindo a atualização do plano de carreira. O texto nunca foi alterado por resistência dos professores, que temem perder direitos. Para Krummenauer, a questão é "mais ampla" e "precisa ser debatida por toda a sociedade".

— Com esse plano de carreira, nenhum governo vai conseguir pagar o piso. Se fosse possível, é óbvio que já estaria sendo pago há muito tempo, mas já tivemos governos do PSDB, do PT e agora do PMDB, e nenhum conseguiu. Que governador não gostaria de fazer isso? — questiona Krummenauer.

A vice-presidente do Cpers-Sindicato, Solange Carvalho, discorda. Na avaliação da dirigente sindical, "falta vontade política" aos governos, especialmente o de Sartori. Solange é uma das professoras que ingressou na Justiça contra o Estado e torce pelo desfecho favorável aos mestres. Ela afirma que a entidade não aceita discutir o plano de carreira com a atual gestão, por não confiar nos interlocutores e por temer o achatamento dos salários.

— Como vamos discutir plano de carreira com um governo que não paga nem a reposição da inflação? Acreditamos que a lei do piso pode ser cumprida, sim, desde que o governador priorize a educação. Educação não é gasto. É investimento — diz Solange. 

 

A evolução do piso

O valor do piso é estabelecido anualmente pelo Ministério da Educação para professores da rede pública da Educação Básica com contrato de 40 horas semanais (dados em R$)

2009 950
2010 1.024,67
2011 1.187,14
2012 1.451
2013 1.567
2014 1.697
2015 1.917,78
2016 2.135,64 
2017 2.298,80
2018 2.455,35

Quanto ganha um professor estadual

O vencimento básico inicial para profissionais com 40 horas semanais é de R$ 1.260,16 no RS, chegando a R$ 3.780,48 no topo da carreira. Considerando gratificações e vantagens, a remuneração média bruta, segundo a Secretaria Estadual da Fazenda, é de R$ 4.570, levando em conta ativos e inativos.

Nenhuma descrição de foto disponível.

O que entra na conta

Além do vencimento básico, os professores do Estado têm direito a vantagens temporais, abono permanência, gratificação de difícil acesso, gratificação de unidocência (para regentes de classe), vale-refeição, vale-transporte e, no caso daqueles que ganham menos do que o piso, completivo mensal.

Uma polêmica de 10 anos

- A lei do piso nacional do magistério foi sancionada em 2008 e determinou que nenhum professor da rede pública da Educação Básica receberia vencimento básico inferior a R$ 950 por 40 horas semanais e que o valor seria reajustado anualmente. Hoje, o piso vale R$ 2.455,35 (variação de 158,46%).

- Sem recursos, governos estaduais (inclusive o RS) entraram com ações na Justiça alegando que a norma era inconstitucional. Em 2011, o STF validou a lei. 

- Não há punição prevista para quem descumpre a regra, mas o passivo vai se acumulando e pode gerar problemas financeiros no futuro. 

- No caso do RS, a discussão segue na Justiça e há cerca de 90 mil ações de professores suspensas, aguardando definição.

Por que a lei é descumprida

- O governo diz que não tem dinheiro para aplicar o piso sobre o vencimento básico dos professores, devido ao formato do plano de carreira do magistério.

- O plano tem seis níveis e seis classes, cujos valores são definidos a partir do vencimento básico inicial, de R$ 1.260,16 para 40 horas semanais.

- Sempre que o governo aumenta o valor inicial, gera um efeito-cascata em todos os demais níveis e classes, com repercussão na folha dos aposentados e nas gratificações e vantagens.

- Só em 2018, isso representaria aporte de R$ 5,6 bilhões (equivalente a quatro folhas mensais do Executivo).

- O plano de carreira é de 1974 e nunca foi atualizado, porque o Cpers-Sindicato teme a perda de direitos.

O imbróglio judicial

- Em 2011, o Ministério Público do RS (MP) ingressou com ação contra o Estado exigindo o cumprimento integral da norma. 

- Em 2012, após acordo com o MP, o Estado passou a pagar completivo mensal aos professores, para que nenhum ganhasse menos do que o piso.

- Como esse adicional não altera o vencimento básico, a ação seguiu tramitando.

- Ainda em 2012, o Tribunal de Justiça do Estado (TJ) determinou que o piso fosse pago sobre o vencimento básico, tendo como referência o plano de carreira do magistério.

- A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), alegando que era inviável aplicar a lei do piso, de 2008, sobre o plano de carreira, de 1974. 

- Em 2017, o STJ acolheu parcialmente o recurso, mantendo a exigência de pagamento mas determinando que o TJ reexaminasse aplicação do piso sobre a matriz do plano de carreira.

- A PGE entrou com recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal (STF) por entender que a decisão do STJ deixou de fora alguns pontos, como a necessidade de previsão orçamentária. 

- O recurso foi admitido em março deste ano e ainda não há data para exame no STF.

O tamanho do problema

- Dependendo do resultado da discussão jurídica, o passivo do Estado com os professores pode triplicar a dívida com precatórios, de R$ 12,3 bilhões.

- Precatórios são dívidas do Estado com pessoas e empresas e precisam ser quitados até 2024.

- As 90 mil ações de professores estão suspensas até que o impasse seja resolvido. 

O completivo

Hoje, 57.786 educadores (35,6% da categoria) recebem o adicional. Em 2018, o custo previsto é cerca de R$ 260 milhões.

 

https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/noticia/2018/04/passivo-do-rs-com-piso-do-magisterio-chega-a-r-221-bilhoes-cjfhg3h2p040t01ph16fsnbkn.html