Carreira x vagas de licenciatura no Brasil
Dia dos Professores: apenas 2,3% das vagas de licenciatura no Brasil se convertem em carreira
Com governo Zema, situação de MG é “verdadeiro absurdo”, diz professor da UFMG

O sistema de formação inicial de professores no país exibe uma baixa eficiência
alarmante. - Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
O Dia do Professor, em 15 de outubro, é tradicionalmente uma data de celebração e homenagens, mas os dados sobre a formação e as condições de trabalho dos docentes no Brasil, e em Minas Gerais, exigem uma profunda reflexão sobre a atratividade e a sobrevivência da profissão.
O sistema de formação inicial de professores no país exibe uma baixa eficiência alarmante. Segundo dados preliminares do Grupo de Trabalho instituído para a análise dos problemas da educação nacional e a elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE), do decênio 2024-2034, apenas 15% das vagas ofertadas em cursos de licenciatura são preenchidas.
Entre os ingressantes, apenas 47% concluem os cursos. O aproveitamento total das vagas abertas chega a meros 7%. O cenário se agrava após a formatura: dos concluintes, aproximadamente um terço, ou 33,1%, realmente ingressa na carreira docente. Como resultado, somente 2,3% das vagas ofertadas se convertem efetivamente em ingresso no mercado de trabalho.
Desprofissionalização
A baixa atratividade da carreira docente é um problema reconhecido pelo próprio Ministério da Educação (MEC). O professor titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Júlio Emílio Diniz, ao citar o documento elaborado pela pasta, afirma que a “desprofissionalização do magistério da educação básica é um problema grave”.
Essa desprofissionalização se manifesta pela “precarização das condições do trabalho”, que inclui a perda de direitos, a baixa remuneração, o volume de trabalho excessivo, a contratação temporária crescente e a deterioração do ambiente escolar.
O professor João Valdir Alves de Souza, titular de sociologia da educação da UFMG, corrobora que a perda de atratividade é notada nas últimas três décadas, destacando que a profissão, apesar de essencial, hoje é marcada pela “combinação perversa de baixo valor econômico do diploma de licenciatura, traduzido em salário, com o baixo valor simbólico, traduzido em prestígio”. Ele acrescenta que, exceto por poucos momentos históricos, o magistério sempre teve salários pouco atrativos, mas antes contava com elevado prestígio. Hoje, a figura do mestre está “empalidecida”, segundo ele.
As fábricas de diploma
Um dos fatores mais preocupantes identificados é a mudança no perfil da formação. O número de matrículas em cursos de licenciatura na modalidade a distância (EAD) superou o de matrículas em cursos presenciais. Em 2021, a EAD concentrava 61% do total de 1.648.328 matrículas, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Essa expansão ocorreu predominantemente em instituições privadas com fins lucrativos, segundo o professor Júlio Diniz. Ele alerta que a maioria desses cursos não tem necessariamente um compromisso com a qualidade da formação dos profissionais.
A preocupação com a qualidade é apoiada por dados, já que as licenciaturas presenciais apresentam notas superiores no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) 2021 em comparação com a modalidade EAD, conforme o próprio governo federal.
Além disso, segundo o pesquisador, a baixa taxa de conclusão nos cursos, com 47% de evasão, reflete um fenômeno multifatorial, envolvendo dificuldades financeiras e baixo desempenho acadêmico dos ingressantes.
Salários mínimos
Para reverter o déficit e tornar o magistério uma carreira estável, a solução vai além dos programas de incentivo, como o Pé-de-Meia, que é visto por Diniz como um “paliativo”.
A valorização real, segundo ele, só será alcançada com “melhorias significativas nas condições salariais e nas condições de trabalho”.
“Embora exista uma lei de 2008 que institui o piso salarial nacional, muitos estados e municípios sequer a cumprem. Além disso, a grande maioria dos entes federativos trata o piso, o mínimo legal, como se fosse o teto, o máximo pago”, critica.
O professor cita outros problemas estruturantes da vida docente no Brasil com impasses para lidar com a diminuição desses dados, como número excessivo de alunos por sala de aula; salas de aula raramente climatizadas, resultando em calor insuportável e condições insalubres para alunos e professores.
“Há uma série de outras atividades que deveriam ser realizadas dentro da carga horária remunerada do professor e a lei garante que no mínimo um terço dessa carga horária deveria ser destinada para estas outras atividades que não as aulas propriamente ditas. E isso também são poucos os municípios, os estados que garantem”, lembra.
Diniz pondera que, enquanto escolas de elite garantem boa infraestrutura e professores altamente qualificados, o mesmo não ocorre nas escolas públicas de periferia e do campo, que enfrentam falta de professores, alta rotatividade e precariedade.
Ataques em MG
A situação em Minas Gerais, conforme apontado pelo professor Diniz, é de “verdadeiro absurdo”. A alta porcentagem de professores sob contratos temporários, segundo ele, cerca de 60%, caracteriza o fenômeno que uma pesquisadora da Fundação João Pinheiro denominou de “super designação”.
Embora o governo de Minas Gerais, comandado por Romeu Zema (Novo), tenha sido obrigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a realizar concursos públicos recentemente, os índices de contratos temporários permanecem muito elevados.
Além da precarização do magistério em si, a rede estadual de Minas Gerais enfrenta ataques estruturais mais amplos. O Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG) segue denunciando o projeto do governo que prevê a terceirização dos serviços realizados pelos Auxiliares de Serviços Básicos (ASBs).
O sindicato defende que essa iniciativa configura “mais um ataque à estrutura da escola pública”, que ameaça a demissão de mais de 30 mil profissionais e implica redução de salários e perda de direitos. O Sind-UTE/MG avalia que essa proposta se alinha a outras tentativas de privatização e de redução da responsabilidade estatal na gestão educacional.
Para Júlio Diniz, para que o Brasil reverta o déficit histórico de professores, o caminho é necessário é sair do “discurso bonito que diz que valoriza a educação e os profissionais da educação para ações concretas” que garantam dignidade salarial e condições de exercício do trabalho docente.