Carta compromisso à evangélicos
Em carta a evangélicos, Lula critica uso eleitoral da fé, defende liberdade religiosa e reforça ser contra o aborto
Lula divulga carta aos evangélicos e reafirma compromisso com liberdade de culto no país
O candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, recebeu nesta quarta-feira (19) lideranças de igrejas evangélicas. No encontro, que ocorreu em um hotel na cidade de São Paulo, foi lida uma carta de Lula ao eleitorado evangélico (leia a íntegra ao final desta reportagem). Lula condena a demagogia religiosa de Bolsonaro de bancar o santo de todas igrejas, sendo preconceituoso com as religiões afro-brasileiras e religiões indígenas. Lula assinou a Lei de Liberdade Religiosa. Antes do Governo Lula, nas cidades, povoados e vilas dos sertões de dentro e fora, os pastores evangélicos eram chamados de "bodes", e muitas vezes presos e/ou expulsos.
O petista, na carta, critica o uso eleitoral da fé, defende a liberdade religiosa e reforça ser contra o aborto. A leitura do documento foi feita por Gilberto Carvalho, ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência.
Na carta, Lula diz que:
- no período que governou o Brasil, manteve o 'mais absoluto' respeito à liberdade religiosa;
- assinou leis e decretos que asseguram a prática religiosa no país;
- mentiras a seu respeito tentam gerar 'medo' nas pessoas de boa-fé;
- nunca houve risco ao funcionamento das igrejas enquanto presidiu o país;
- se eleito, não vai criar 'obstáculos' ao livre funcionamento de templos;
- vai estimular parcerias com igrejas;
- é um 'escândalo' o uso da fé para fins eleitorais;
- assume compromisso para fortalecer famílias e combater as drogas;
- é 'pessoalmente' contra o aborto e que não cabe ao presidente, mas ao Congresso decidir sobre o tema;
- entende que 'o lar e a orientação dos pais são fundamentais' na educação dos filhos e que cabe à escola apoiá-los dialogando e respeitando os valores familiares;
- o povo brasileiro está em 'desespero' e precisará do apoio das igrejas para reverter situação.
A elaboração da carta contou com a articulação da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), que é da Igreja Assembleia de Deus.
O texto não faz referência ao adversário de Lula na disputa presidencial, Jair Bolsonaro (PL).
Em um dos trechos da carta, o petista afirma que "de nada adianta se dizer defensor da família e ao mesmo tempo destruí-las pela miséria, pelo desemprego, pelo corte das políticas sociais e de moradia popular".
O candidato Lula ora com evangélicos durante encontro em hotel de São Paulo
Família é 'sagrada'
Lula chegou ao hotel em que o ato ocorreu por volta das 10h e foi recebido pelos religiosos com aplausos e músicas. Um pastor fez uma oração na abertura do encontro. Antes de Lula discursar, um menino orou pelo petista.
No pronunciamento, Lula disse que, em razão de falsas acusações, toda eleição precisa fazer cartas aos evangélicos para desmentir conteúdos inverídicos. Como exemplo, disse que "inventaram" que se ele for eleito instalará banheiro unissex nas escolas. "Só pode ter saído da cabeça de satanás a história do banheiro unissex", disse.
Lula se emocionou durante o discurso quando falava da sua família e da mãe de Janja, sua esposa. "A mãe da Janja morreu de Covid recentemente. A família, pra mim, [embarga a voz] é uma coisa sagrada", declarou.
Ele acrescentou que fica "ofendido" quando as pessoas colocam em dúvida o seu respeito à família e disse não considerar pastor "um pastor que conta mentiras". "Um pastor não pode ir para igreja fazer política. Se um padre quiser fazer política, ele que faça política, mas não tire proveito do altar para fazer política. Saia, vá para a rua fazer política", afirmou.
O ex-presidente disse ainda que "mentiras" estão estabelecendo o "ódio" no Brasil.
O candidato do PT à Presidência, Lula, é recebido com música pelas lideranças evangélicas em SP
— Foto Mariana Aldano/TV Globo
Busca do voto evangélico
A 10 dias do segundo turno da eleição presidencial, o candidato do PT tenta conquistar votos dentro do eleitorado evangélico. De acordo com as pesquisas, o presidente Jair Bolsonaro tem ampla maioria no segmento.
Levantamento feito pelo instituto Ipec divulgado na última segunda-feira (17) aponta que o candidato do PL à reeleição tem 60% das intenções de voto no eleitorado evangélico, enquanto Lula tem 32%.
Parlamentares evangélicas acompanharam Lula no encontro com os religiosos. Estavam presentes, por exemplo, a deputada eleita Marina Silva (Rede-SP), a deputada reeleita Benedita da Silva (PT-RJ) e a senadora Eliziane Gama.
Geraldo Alckmin (PSB), que concorre a vice na chapa de Lula, e o candidato do PT ao governo de São Paulo, Fernando Haddad, também compareceram à reunião.
Durante a campanha, de olho no voto cristão, Lula afirmou, mais de uma vez, que é contra o aborto. E que cabe ao Congresso o papel de discutir eventuais mudanças na legislação em vigor sobre o tema.
Liberdade religiosa
Carta compromisso com os evangélicos
Meus Amigos e Minhas Amigas, nesta reta final do segundo turno, decidi escrever esta Carta Pública ao Povo Evangélico.
A grande maioria dos brasileiros e brasileiras que viveram os oito anos em que fui Presidente da República sabe que mantive o mais absoluto respeito pelas liberdades coletivas e individuais, particularmente pela Liberdade Religiosa.
Como todos devem se lembrar, no período de meu governo, tivemos a honra de assinar leis e decretos que reforçaram a plena liberdade religiosa. Destaco a Reforma do Código Civil assegurando a Liberdade Religiosa no Brasil, o Decreto que criou o dia dedicado à Marcha para Jesus e ainda o Dia Nacional dos Evangélicos.
Mantenho o mesmo respeito e o mesmo compromisso que me motivou a apoiar essas conquistas do povo evangélico.
E o nosso Povo sabe também que cuidei, com especial carinho, dos mais pobres e injustiçados e assim, sob as Bênçãos de Deus, meu governo contribuiu para melhorar a vida de milhões de famílias brasileiras. Sempre penso, neste sentido, no trecho bíblico que diz: “a verdadeira religião é cuidar dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades…” (Tiago, 1,27)
Vivemos, entretanto, um período em que mentiras passaram a ser usadas intensamente com o objetivo de provocar medo nas pessoas de boa fé, e afastá-las do apoio a uma Candidatura que justamente mais as defende. Por isso senti a necessidade de reafirmar meu compromisso com a liberdade de culto e de religião em nosso País.
Todos sabem que nunca houve qualquer risco ao funcionamento das Igrejas enquanto fui Presidente. Pelo contrário! Com a prosperidade que ajudamos a construir, foi no nosso Governo que as Igrejas mais cresceram, principalmente as Evangélicas, sem qualquer impedimento e até tiveram condições de enviar missionários para outros países.
Não há por que acreditar que agora seria diferente. Posso lhes assegurar, portanto, que meu Governo não adotará quaisquer atitudes que firam a liberdade de Culto e de Pregação ou criem obstáculos ao livre funcionamento dos Templos.
Envio-lhes esta mensagem, portanto, em respeito à Verdade e ao apreço que tenho a esse Povo crente no Verdadeiro Deus da Misericórdia e a seus dedicados pastores e pastoras.
Se Deus e o povo brasileiro permitirem que eu seja eleito, além de manter esses direitos, vou estimular sempre mais a parceria com as Igrejas no cuidado com a vida das pessoas e das famílias brasileiras.
Sei muito bem que em todas as regiões do Brasil há Igrejas com Irmãos e Irmãs que trabalham ativamente nas suas comunidades com a propagação do Evangelho e com o cuidado do povo, dedicando-se a tornar mais leve os fardos espiritual e social de milhões de pessoas.
Declaro meu respeito e minha admiração pela fé, dedicação e amor com que os evangélicos realizam sua missão, seja na área da difusão do evangelho, seja na área da assistência social, proteção da infância, da juventude, das mulheres, dos idosos e das pessoas com deficiência. Da mesma forma é bem-vinda a participação de Evangélicos nas diversas formas de participação social no Governo, como Conselhos Setoriais e Conferências Públicas.
Em meio a este triste escândalo do uso da Fé para fins eleitorais, assumo com vocês este compromisso: meu Governo jamais vai usar símbolos de sua Fé para fins político-partidários, respeitando as leis e as tradições que separam o Estado da Igreja, para que não haja interferência política na prática da Fé.
Esse é um ensinamento que a própria Bíblia nos dá: andar pelo caminho da Paz com todos. Jesus nos mostra que a casa dividida não prospera. A religião é para ser respeitada e vivida de acordo com a livre escolha de cada pessoa.
Portanto, a tentativa de uso político da fé para dividir os brasileiros não ajuda ninguém, nem ao Estado, nem às igrejas, porque afasta as Pessoas da mensagem do Evangelho. Jesus Cristo nos ensinou Liberdade e paz, respeito e união, disso precisamos. E os cristãos evangélicos têm dado mostras, ao longo da História, de seu compromisso com a paz, seguindo o que Jesus ensinou: “Dai a César o que é de César, dai a Deus o que é de Deus” (Mateus, 22,21).
Outro compromisso que assumo: fortalecer as famílias para que os nossos jovens sejam mantidos longe das drogas. Nós queremos nossa Juventude na escola, na iniciação profissional, realizando atividades esportivas e culturais para que tenham mais oportunidades e exerçam cidadania de forma produtiva, saudável e plena.
O respeito à família sempre foi um valor central na minha vida, que se reflete no profundo amor que dedico à minha esposa, aos meus filhos e netos. Por isso compreendo o lugar central que a família ocupa na fé cristã.
Também entendo que o lar e a orientação dos pais são fundamentais na educação de seus filhos, cabendo à escola apoiá-los dialogando e respeitando os valores das famílias, sem a interferência do Estado.
A preocupação com as Famílias Brasileiras deve ser integral. O povo brasileiro está numa condição de desespero, e precisaremos muito da ajuda das Igrejas para, o quanto antes, reverter esta situação. De nada adianta se dizer defensor da Família e ao mesmo tempo destruí-las pela miséria, pelo desemprego, pelo corte das políticas sociais e de moradia popular.
Queremos dar às famílias, prosperidade e segurança. O Lar é a garantia de proteção. É inaceitável que milhões de brasileiros e brasileiras não tenham um teto. Por isso, vamos retomar o vitorioso programa Minha Casa Minha Vida, com toda intensidade, para que todas as Famílias brasileiras tenham uma casa onde possam viver com segurança e dignidade.
Nosso governo implementará políticas públicas consistentes para que nenhuma família brasileira enfrente o flagelo da fome. Sobretudo, não pouparei esforços para que possam adquirir os necessários e suficientes meios, para viver dignamente por seu trabalho, sem ter que depender da ajuda do Estado.
Nosso Projeto de Governo tem compromisso com a Vida plena em todas as suas fases. Para mim a vida é sagrada, obra das mãos do Criador e meu compromisso sempre foi e será com sua proteção. Sou pessoalmente contra o aborto e lembro a todos e todas que este não é um tema a ser decidido pelo Presidente da República e sim pelo Congresso Nacional.
Meus Queridos e Minhas Queridas, peço que recebam essas palavras como uma demonstração de meu desejo sincero de servir, de ajudar e trabalhar pelo bem de nosso país. E estejam certos de minha estima e meu compromisso com todo o povo cristão de nosso país. Reitero meu compromisso, que é o mesmo de vocês: paz, união e fraternidade entre todos os brasileiros e brasileiras.
Com as bênçãos de Deus, haveremos de honrar nossa dupla condição, de cidadãos e cristãos, pois não há contradição entre elas quando o propósito é servir, buscando a paz e o entendimento. E digo tudo isso com muito amor pelo nosso querido Brasil e pelo Povo Brasileiro: “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes Amor uns pelos outros!” (João,13,35).
JUNTOS PELO BRASIL!
Luiz Inácio Lula da Silva
São Paulo, 19 de outubro de 2022.